quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Educação e participação nos projetos governamentais


O processo de ‘participação’ nos projetos governamentais incorpora - como um de seus pilares de sustentação - a educação comunitária. Esta relação, ao longo da história, assumiu diversas configurações, se moldando aos diferentes ciclos da administração pública. Na década de 60 vivia-se a euforia desenvolvimentista e as propostas de participação não lograram êxito.

Na década seguinte, a participação impositiva se mostrou inconsistente e sucumbiu antes mesmo do sistema autoritário que lhe deu origem.

Mas o campo não se mostrou estéril por todo o tempo e muitas experiências de participação se mostraram exitosas, produtivas, traspassaram o tempo e se tornaram referências para novas incursões.

Uma das experiências mais expressivas ocorreu no nordeste do país, sob a orientação de Francisco Julião. No ano de 1958 as ligas Camponesas contavam com 3.000 líderes, representando um universo de 50.000 camponeses. Isto considerando a realidade local, caracterizada ainda hoje – muitas décadas depois - pelo coronelismo e voto de cabresto.
 
Em 1974, a UNESCO avançou na proposta de educação de base estabelecendo como objetivo a "conquista de conhecimentos, valores e atividades que permitissem às populações pobres caminhar na direção não só do desenvolvimento do pensamento e dos meios de relacionamento, mas também do desenvolvimento (...) a partir do conhecimento e compreensão do ambiente físico e dos processos naturais de vida nesse ambiente".

A Igreja Católica - por sua imersão nos movimentos sociais - tem, nas ultimas décadas, contribuído para a supressão das abordagens pontuais e fragmentárias, auxiliando na identificação de modelos mais amplos e democráticos, que compreendem os sistemas em sua integralidade e complexidade.

Neste contexto, a unidade educacional enquanto Instituição não tem ajudado muito. Até o ensino médio, parte considerável do professorado é leiga, mal remunerada, vivendo em condições de subsistência, agentes desmotivados para o exercício desta nobre função de recriar e irradiar o saber.

Nas áreas periféricas das cidades e nas zonas rurais, as instalações físicas das escolas estão mais para um “Deus nos acuda!”. As condições sanitárias são insustentáveis. As salas são mal iluminadas, insuficientemente arejadas, banheiros que contribuem para a disseminação de doenças, manutenção se limitando a impedir que a edificação desabe sobre a cabeça dos alunos. E ainda assim, não são raros as notícias dando conta de desabamentos e ruína das escolas públicas.

Do mesmo modo os conteúdos são - via de regra - inadequados, desconectados da realidade concreta, com forte carga de formalidade e ortodoxia.

No ensino superior, se as instalações físicas encontram-se num patamar mais adequado, o substrato pedagógico encontra-se emoldurado, engessado pelas ideologias ultrapassadas do século passado, e que assombram na onipresença dos novos caudilhos bolivarianos, as figuras oblíquas que impedem a América Latina de adentrar o século XXI.

A escola tem um papel muito mais importante, de dimensões muito maiores que os atualmente estabelecidos. Por ser um equipamento comunitário, deve se estender para algo que lembre um Centro de Referência da Comunidade, ampliando sua clientela para além dos alunos e pais de alunos, assistindo toda a comunidade. Novas estruturas, práticas e rotinas devem ser estabelecidas. A programação deve contemplar, além da educação formal, o esporte e o lazer, a cultura e o meio ambiente, mas, sobretudo, processos que radicalizem a participação social, a conscientização sobre os problemas que incidem sobre a comunidade. Deve se constituir num centro de pesquisa, estudo e difusão da arte e da cultura local, viabilizando condições, apropriando o saber popular para melhor difundir o científico.

Todavia, sequer as limitadas atribuições institucionais da escola são efetivamente compridas. Não seria então um sonho bem distante da realidade imaginar este novo universo?

Talvez. Mas também não foi um sonho de épocas passadas imaginar que o homem pudesse, singrando os mares, descobrir novos continentes? Não foi um sonho, por um longo tempo, imaginar a humanidade conquistando o espaço e deixando esculpidas na lua suas largas pegadas?

São os sonhos que movimentam a humanidade, que dão asas às mais árduas e sofridas conquistas. Transformar a escola ultrapassada em um centro de referência comunitária é um daqueles sonhos que exigem persistência e determinação. E, sobretudo, comprometimento dos que, de fato, se importam com os destinos do país.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e a tecnologia de produção de teatro popular Mané Beiçudo.