terça-feira, 1 de julho de 2014

A indústria da 'Situação de emergência'



Tenho escrito aqui no Blog, reiteradas vezes, sobre a irresponsabilidade de gestores, sobretudo nos períodos de chuvas, quando a falta ou inadequação de políticas públicas de saneamento e uso do solo expõem as famílias ao avilte, ao achincalhe, ao completo desprezo: suas casas tragadas pela água das chuvas; o parco patrimônio engolido pela correnteza bravia; a desgraça, a desilusão...

É uma lástima, uma vergonha: tanto pela tragédia anunciada e que se repete, invariavelmente, ano após ano, como pela indústria em que isto se transformou no país. O ciclo imutável e monótono já sacramentou seu sequenciamento nefasto: enchentes, famílias desabrigadas, estado de emergência e pronto!!, está aí a palavra mágica capaz de afastar a Lei das Licitações e acobertar favorecimentos e corrupção, imantados pela tragédia social mais que anunciada, planejada e provocada.

De acordo com o Art. 7º do Decreto Federal 7.257/2010 o reconhecimento da situação de emergência ou do estado de calamidade pública pelo Poder Executivo federal se dará mediante requerimento do Poder Executivo do Estado, do Distrito Federal ou do Município afetado pelo desastre. 

Decretada a situação de desastre, o município pode realizar compras sem a necessidade de licitações: artigo 37 da Constituição Federal, no inciso XXI, regularizada pela Lei 8666/93, alterada pela lei 8883/94¹.

Para mudar esta realidade a sociedade terá que aprimorar seus instrumentos de controle e, principalmente, qualificar seus mecanismos de escolha. E as eleições sempre são uma oportunidade histórica para que isto se verifique.



Por isso, nem tudo são trevas.

No interim, aqui e ali, esparsamente, despontam iniciativas que conduzem – ainda que muito lentamente – para um cenário mais auspicioso e alvissareiro.

Agora, por exemplo, a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados acaba de aprovar uma proposta alterando o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01), que deverá estimular a construção de casas de edifícios sustentáveis.

Trata-se do PL- 4095/2012.

O projeto aponta na direção correta: obriga que projetos de urbanização e edificação adotem mecanismos de uso racional da água e de energia; além de dispositivos e tecnologias que evitem a impermeabilização do solo.



Hoje, o Estatuto das Cidades prevê apenas que os tributos urbanos incidentes sobre imóveis de interesse social sejam diferenciados. Com o novo dispositivo, as construções sustentáveis e as que mitigam a impermeabilização do solo se situarão em um novo patamar, com incidência de menores impostos ou de menores tarifas de serviços públicos, como água e energia, além de se encaixarem em financiamentos sob regras e condições mais amigáveis.

O projeto de lei segue, agora, para ser analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.


Importante que fiquemos de olho. Eis aqui uma boa iniciativa.

______

¹Art. 37CF. A administração pública direta e indireta de qualquer dos  Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, 
serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de 
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os 
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da 
lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e 
econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 

Art. 24 Lei 8666/93 . É dispensável a licitação: 

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando 
caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar 
prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, 
equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os 
bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa 
e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no 
prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, 
contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a 
prorrogação dos respectivos contratos;