quarta-feira, 24 de junho de 2020

Volta às ruas: as lições da abertura



Países como a Nova Zelândia e a China são bons exemplos de relaxamento da quarentena — e os dois casos são bem diferentes do Brasil

Desde o estouro da pandemia do novo coronavírus, poucos países trilharam caminhos mais opostos do que Brasil e Nova Zelândia. Foi assim logo no início, quando o governo neozelandês, mesmo tendo poucos casos, decretou um lockdown radical que não permitia nem a circulação de entregadores de comida. E continua sendo muito distinto do caso brasileiro no período de relaxamento da quarentena.

No dia 8 de junho, enquanto o Brasil confirmava cerca de 20 mil novas infecções e quase 900 óbitos em 24 horas, o governo da primeira-ministra Jacinda Ardern, de apenas 39 anos, anunciava a erradicação da Covid-19. Ardern aproveitou a oportunidade para dizer que o país avançaria para a última fase de seu plano de contenção do vírus. A partir daquele momento, todos poderiam retornar sem restrições ao trabalho, a escolas, fazer esportes e viagens domésticas e se reunir com quantas pessoas quisessem. As exceções eram as pessoas vindas do exterior, que precisariam ficar duas semanas em quarentena.

Pouco mais de uma semana depois, na terça-feira 16, veio uma espécie de balde de água fria. A Nova Zelândia registrou dois novos casos da doença, interrompendo assim um intervalo de 24 dias sem ter nenhum diagnóstico de Covid-19. Duas mulheres recém-chegadas do Reino Unido foram liberadas do autoisolamento para visitar o pai, que estava muito doente e que morreria logo depois. As duas receberam uma permissão especial para deixar a quarentena por motivos de compaixão. Sem serem testadas antes, elas foram às ruas. Esses dois novos diagnósticos fizeram com que o governo neozelandês suspendesse qualquer tipo de exceção às regras de bloqueio, mas a permissão para levar uma vida normal foi mantida.

No Brasil, a história tem sido outra. A decisão de relaxar a quarentena está sendo tomada em vários estados enquanto os casos de infecções e de mortes ainda estão em ascensão. “Em países como Brasil, não dá para dizer que teremos uma segunda onda de infecções porque a primeira ainda nem acabou. Vamos, provavelmente, emendar uma onda na outra”, disse a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, uma ONG voltada para a defesa do uso de evidência científica nas políticas públicas.

Há quem argumente que a comparação entre o Brasil e a Nova Zelândia não é totalmente justa. Somos mais de 200 milhões de brasileiros, enquanto os neozelandeses não chegam a 6 milhões. O Brasil é um país de extensão continental que faz fronteira com dez países, e a Nova Zelândia é apenas uma pequena ilha. Mas o problema é que o Brasil não vai bem nem na comparação com um país como a China, muito mais populoso, com maior extensão territorial e que faz fronteira com mais países.

Na terceira semana de junho, o governo chinês, que havia falhado no começo do ano quando o vírus surgiu, deu um exemplo de eficácia. Ao detectar novos casos em Pequim, ordenou o fechamento de escolas e a interdição de bairros. Até a quarta-feira 17, 137 infecções tinham entrado no radar das autoridades sanitárias — o pior número desde o início de fevereiro. Temendo uma segunda onda de contágio, voos para a região foram cancelados, assim como os serviços de táxi e de ônibus. Bares, restaurantes e boates também precisaram fechar as portas. Nos 32 bairros de Pequim definidos como zonas de médio a alto risco, os moradores foram proibidos de sair e voltaram a ser submetidos ao controle de temperatura, que é medida na porta dos edifícios. Já quem vive nos demais bairros precisa apresentar um comprovante de que não tem o vírus para sair da cidade.

Mesmo com Nova Zelândia e China registrando novos casos em junho, ambos conseguiram conter a pandemia, de acordo com dados do projeto End Coronavírus (Acabe com o Coronavírus), uma colaboração de pesquisadores de universidades americanas e que acompanha em que estágio está o vírus no mundo. Segundo a iniciativa, cerca de 40 países controlaram o vírus — entre eles, Grécia, Cuba, Vietnã e Uruguai. Outros 24 estão no caminho para isso, como França, Japão e Paraguai.

A Itália, que foi um dos países mais afetados no início da crise e ficou marcada com as imagens de caminhões do Exército carregando caixões, reabriu cinemas e teatros em meados de junho. Desde o início de maio, o país começou a flexibilizar a quarentena obrigatória. Agora já está em sua segunda fase de retomada das atividades. Bares e restaurantes foram abertos, assim como salões de beleza e barbeiros. Atividades físicas em parques, academias e clubes também estão permitidas. As viagens entre as regiões italianas, que eram proibidas até o final de maio, foram liberadas, e as fronteiras com outros países aos poucos são reabertas.

Apesar dos cuidados, nos últimos dias a Itália também registrou um aumento de casos do novo coronavírus. Na quarta-feira 17, o país inteiro teve 329 novas infecções e mais 44 mortes, chegando a um total de 236.989 casos e 34.345 óbitos. O medo — sempre — é de uma segunda onda. Para evitá-la, a receita é conhecida. A população precisa evitar aglomerações, usar máscaras e manter o distanciamento mínimo de 2 metros. Também é preciso que o governo tenha a capacidade de testar, rastrear, localizar e isolar os novos infectados.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem atuado junto aos governos dos países que reabriram para atenuar a falsa sensação de segurança das pessoas quando elas voltam às ruas. Em entrevista coletiva, Tedros Adhanom Ghebreyesus, o diretor da OMS que ganhou status de celebridade na pandemia, foi certeiro: “A complacência é a maior ameaça agora”, disse. Para o fundador do End Coronavirus e presidente do think tank americano New England Complex Systems, Yaneer Bar-Yam, a melhor estratégia é fazer uma reabertura segmentada, uma espécie de cordão de isolamento. “Basicamente, a ideia é separar regiões — que podem ser cidades, bairros, comunidades —, para que os casos não passem de um lugar para o outro. Com o tempo, você vai ampliando a área de livre circulação”, disse Bar-Yam. A medida foi usada na França e na Espanha, quando os dois países começaram a retomar suas atividades. Bar-Yam afirma ainda que para essa estratégia funcionar é preciso ter cuidados reforçados, como em áreas em que haja uma grande aglomeração de pessoas e que são mais vulneráveis ao vírus, como presídios.

Mesmo com exemplos positivos de reabertura no mundo, ainda há países que tentam conter o avanço do vírus ao mesmo tempo que retomam suas atividades. Nessa aventura, o Brasil não está sozinho. Na Índia, o governo tenta flexibilizar gradualmente o isolamento desde maio. No dia 14 de junho, porém, o país registrou seu recorde diário de novos casos e se tornou o quarto país com o maior número acumulado de infecções — atrás apenas dos Estados Unidos, do Brasil e da Rússia. Isso fez com que a administração indiana cogitasse a volta das restrições. Onde os governos taparam os olhos para a pandemia ou foram ineficazes em seu combate, o futuro corre o risco de ficar preso ao efeito sanfona — abre e fecha, abre e fecha.


Por Camila Zarur, na Revista Época





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