quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

CENÁRIO - ESFORÇO PARA NÃO FICAR FORA DO MAPA



O país precisa fortalecer o ecossistema, valorizar a universidade e parcerias com os setores público e privado se quiser se consolidar como polo inovador

Acorrida tecnológica ganha novos contornos com o desenvolvimento de comunidades - ou ecossistemas - que reúnem os elementos necessários para o germinar das startups. Em todo o mundo pipocam iniciativas para atrair empreendedores, promover parcerias com grandes empresas, sorver conhecimento da academia e captar investimentos para a inovação. De acordo com o último estudo publicado pelo projeto Startup Genome, 46 poios no globo superaram a barreira dos US$ 4 bilhões no valor gerado em seus ecossistemas - entre eles o de São Paulo, com US$ 5,1 bilhões apurados. O relatório cruza informações de 150 hubs e de 1 milhão de empresas, de 2016 ao primeiro semestre de 2018.

O Vale do Silício, na Califórnia (EUA), continua isolado no ranking de maiores ecossistemas de inovação, com geração de valor estimada em mais de US$ 300 bilhões - seguido por Nova York, Londres, Pequim, Boston, Tel Aviv, Los Angeles e Xangai.

A economia das startups movimentou US$ 2,8 trilhões entre 2016 e 2018 - valor 20,6% superior ao período anterior. A pujança explica a corrida por novos hubs. O desafio está em desenvolvê-los, criando dinamismo econômico e atraindo participantes e investidores. “Não é possível copiar o Vale do Silício. Ecossistemas dependem do ambiente de negócios e das ações locais de estímulo”, explica Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mas é inteligente, segundo Pacheco, observar a interação entre os diferentes agentes e os motivos pelos quais cooperam. “É preciso habilidade para unir instituições e pessoas com interesses distintos.” A lista de “atores” inclui mercado Financeiro, universidades, empresas, startups, governos, instituições de fomento, advogados, serviços especializados e infraestrutura técnico-científica. Outra questão, afirma Jefferson de Oliveira, diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), é que não há controle sobre o ambiente. “As conexões acontecem de forma natural.”

Para Oliveira, São Paulo tem potencial para desenvolver um ecossistema de peso. “A cidade é uma força da natureza para o empreendedorismo inovador. Por aqui nasceram sete das oito unicórnios brasileiras [startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão].” Ele admite, no entanto, que faltam coordenação e articulação. “Os negócios se realizam pela enorme vontade das pessoas”, comenta.

Pacheco e Oliveira estão envolvidos no projeto de instalação do Centro Internacional de Tecnologia e Inovação (Citi) em São Paulo, confirmado no início de novembro pelo governador João Dória. Inspirada no Vale do Silício, a iniciativa prevê o desenvolvimento de um polo com foco em soluções digitais. Entre as instituições parceiras estão o IPT, a Universidade de São Paulo (USP), o Ministério da Economia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Fapesp, a Finep, o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), a Deloitte, o Instituto Butantá e o Centro de Estudos Avançados do Recife (Cesar). “Precisamos unir poder público, empresas e universidades. Tecnologia não possui ideologia”, afirma Patrícia Ellen, secretária de desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo.

De acordo com a secretária, as dependências do IPT - preparada para receber empresas e instituições parceiras- completam a primeira etapa do Citi, que começa a operar no ano que vem. O hub envolve ainda a adesão do parque tecnológico do Jaguaré e a desativação dos imóveis que abrigam o Centro de Detenção Provisória (CDP) e a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). As medidas vão liberar 650 mil metros quadrados na zona oeste paulistana.“Ficará tudo perto. Os fundos de capital de risco localizados na Faria Lima, a universidade, as empresas e as startups”, reforça Oliveira.

Mourat Sonmez, diretor do centro da quarta revolução industrial do WF.F, diz que o desenvolvimento do polo paulista vai beneficiar o Brasil. “É um projeto para colocar o país na rota da indústria 4.0. A entidade terá escritório no prédio do IPT e pretende aglutinar parceiros para promover um salto tecnológico nas empresas brasileiras. “Muitos negócios terão de pular etapas, ir direto para a indústria 4.0 ou estão condenados", diz. A iniciativa inclui a capacitação de empresas de pequeno e médio portes, o que deve contribuir para ampliar a competitividade das cadeias produtivas.

A transformação digital aumenta a pressão por inovação - sobretudo em matérias que envolvem inteligência artificial, internet das coisas, uso de dados, cibersegurança e blockchain. Igor Calvet, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), confirma a demanda por maior produtividade. “Se quisermos ser inovadores, temos de aparelhar as empresas com o básico. Elas precisam adotar técnicas e metodologias para serem mais eficientes”, diz. O direcionamento para soluções ligadas à indústria 4.0 está no cerne dos programas do governo federal, que pretende estimular a digitalização da economia.

Para Calvet, o desempenho do Brasil no índice global de inovação (IGI) não condiz com o tamanho da economia, a nona mundial. O ranking, publicado anualmente pela Universidade Cornell, pelo Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Omip), lista o Brasil como o 66° mais inovador, em uma lista de 129 nações.

Avançar, no entanto, não será fácil. Pacheco, da Fapesp, avalia que a crise econômica, que se arrasta pelos últimos anos, tem drenado recursos da área de ciência, tecnologia e inovação. “As iniciativas ficam apagadas pelo desempenho econômico. Quem vai investir neste contexto?”, diz. Desidratado, o sistema nacional de inovação tem dificuldades para ficar em pé.

Entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) ressaltam que os cortes sofridos pelo Ministério da Ciência,Tecnologia, Comunicações e Inovações (MCTIC) são drásticos e podem inviabilizar a pesquisa no país. Em 2020, estão previstos RS 3,5 bilhões para investimentos no orçamento do MCTIC, montante 32% menor do que em 2019.

Manter a estrutura de pesquisa é fator estratégico para o futuro. De acordo com o relatório do projeto Startup Genome, os principais centros de tecnologia estão migrando investimentos das plataformas e aplicativos digitais - focados em modelos de negócios - para soluções com base científica. Os investidores buscam alto índice de conhecimento aplicado, proteção industrial e dificuldade para reprodução das tecnologias.

Eles também acreditam que a chamada “deep tech” responderá aos problemas relacionados às mudanças climáticas e demográficas, escassez de recursos e cuidados com a saúde. No Brasil, que tem potencial em áreas como mercado financeiro, logística, agronegócio, sustentabilidade e saúde, será preciso combinara estratégia digital com o avanço da ciência.

Para João Sanches, diretor de relações governamentais da Novartis, articular o ecossistema também significa capacitar a base científica e as empresas sobre o marco legal, a possibilidade de parcerias e o alcance da infraestrutura. “Com a nova regulamentação, temos a possibilidade de ampliar os convênios entre universidades e empresas, unindo esforços”, diz.

O problema, continua o executivo, é que as regras são desconhecidas pelos agentes do ecossistema. A falta de comunicação e coordenação prejudica, inclusive, a análise dos investimentos públicos. “O quanto é preciso investir e em quê?”, questiona. O cenário global, aponta o executivo, prevê parcerias para alavancar o investimento privado nos projetos e também o compartilhamento da infraestrutura de centros de pesquisa e universidades. “Mas no Brasil não sabemos o que temos disponível para utilização", afirma.

O enfraquecimento das universidades e dos centros de pesquisa é prejudicial para o ecossistema, confirma o professor Newton Frateschi, diretor-executivo da Inova-agência de inovação da Unicamp. Ele explica que a academia é um elo fundamental do processo de inovação. São as universidades que formam os talentos. Delas saem os empreendedores que vão criar empregos e gerar riqueza. “É assim que se devolve à sociedade os investimentos feitos em ciência, tecnologia e inovação”, diz. Segundo ele, no Brasil ainda prevalece o empreendedorismo de sobrevivência. “O conhecimento é o elemento para avançar na economia, estimulando o surgimento de negócios com maior valor agregado.”

Campinas abriga um ecossistema importante. Em tomo da Unicamp estão empresas, centros de pesquisa, laboratórios, incubadoras, aceleradoras de empresas e um parque tecnológico. De acordo com Frateschi, o faturamento anual das empresas-filhas da Unicamp -formadas por ex-alunos da instituição - aumentou de RS 4,8 bilhões para R$ 7,9 bilhões no último ano. Foram mapeadas 717 empresas-filhas ativas - 86% delas no Estado de São Paulo. Atualmente, elas geram 31,3 mil postos de trabalho.

O impacto econômico é resultado de três décadas de esforço para articular o ecossistema, atrair investimentos e formar mão de obra preparada para as demandas do mercado. A base da inovação, afirma Frateschi, é a pesquisa na Unicamp, que tem crescido desde os anos 60 e alimenta os convênios com empresas. Ao todo, R$ 130 milhões estão sendo aplicados pelo setor privado em projetos na universidade. “As empresas pagam bolsas e equipamentos. A Unicamp pesquisa e elabora o modelo de negócio”, diz.

Outra saída está no desenvolvimento de hubs especializados. No Rio de Janeiro, a Petrobras está empenhada na articulação de um ecossistema de inovação em energia e sustentabilidade. A iniciativa surgiu dentro dos laboratórios da Coppe - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - e tem o objetivo de transformar pesquisas acadêmicas em novos negócios, capacitar empreendedores e atrair investimentos. “Estamos fechando parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, para aplicar a metodologia deles na formação do ecossistema”, afirma Nicolás Simone, diretor de transformação digital e inovação da Petrobras.

O Centro de Pesquisa da Petrobras, o Cenpes, contribuirá com sua estrutura e capital humano. São 1,2 mil pesquisadores e 200 laboratórios. “Pelo empreendedorismo, queremos dar visibilidade internacional às tecnologias desenvolvidas no Rio de Janeiro”, diz Simone. Além da infraestrutura, as startups terão acesso a programas de inovação aberta e de conexão com empresas do setor para testarem e desenvolverem tecnologias. “Será um ambiente de colaboração irrestrita”, afirma Simone.

Em Florianópolis, o ecossistema de inovação floresceu há 35 anos, quando a Fundação Certi, ligada à Universidade Federal de Santa Catarina, começou a disseminar o empreendedorismo entre os alunos da faculdade de engenharia para deter a fuga de talentos. “As pessoas se formavam aqui, mas não havia emprego”, comenta Daniel Leipnitz, presidente da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate). Hoje, 4 mil empresas fazem parte do hub. Juntas faturam RS 7 bilhões. O surgimento das startups mudou a matriz econômica da cidade. A participação dos negócios digitais cresce a cada ano. O trabalhador ligado ao polo ganha o dobro daqueles que atuam em outros setores. O esforço agora é o de dar visibilidade nacional e internacional às empresas catarinenses. “Nosso mercado é pequeno, temos de olhar para fora”, afirma Leipnitz.

Já em Londrina (PR), a estratégia é explorar o agro-negócio. O empresário e produtor rural George Hiraiwa articula o ecossistema local. Organiza eventos, maratonas de programação e busca interação com outros poios, como Piracicaba (SP) e Cuiabá (MT). Engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), ele acredita que, para crescer, a agricultura digital terá de integrar diferentes ecossistemas no Brasil. “Não é algo que se faz do escritório, a startup tem de estar no campo”, diz.

Seus esforços renderam a atração, para a cidade, do primeiro polo tecnológico de inovação agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que pretende espalhar 12 unidades pelo país, em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e MC-TIC. “O setor privado tem de se organizar e aproveitar a infraestrutura da Embrapa e das universidades para atrair investimento e transformar o Brasil em uma potência da agricultura digital”, conclui Hiraiwa.

Por Ediane Tiago, na Revista Valor Setorial

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