"Qual é a vacina que estão aplicando?", perguntavam diversas pessoas na fila de um posto de vacinação, em Copacabana, aos que deixavam o local após receber sua injeção.
País onde morrem mais pessoas por Covid-19 a cada dia, o Brasil tem
enfrentando um novo desafio em sua luta para combater a doença: milhares de
pessoas que têm escolhido a marca preferida de vacina, tanto deixando de
receber o imunizante no momento designado, quanto tomando mais de uma vacina
diferente.
Os chamados "sommeliers de vacina" --que também atuam em grupos
de WhatsApp trocando informações sobre onde sua vacina preferida está
disponível-- têm afetado o andamento de uma campanha de vacinação que demorou a
engrenar e registra até o momento apenas 18% da população acima de 18 anos
totalmente imunizada contra o coronavírus, em um país com quase 530 mil mortos
por Covid-19 e responsável por uma de cada cinco mortes pela doença no mundo
diariamente.
Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a maioria dos
episódios de escolha de vacinas envolve pessoas que rejeitam a CoronaVac e, em
menor escala, a vacina Oxford-AstraZeneca --que juntas representam quase 90% de
todas as doses aplicadas no país até o momento-- em busca de receberem as
vacinas da Pfizer e da Johnson & Johnson.
"Grande parte acha que a vacina CoronaVac não funcionou, mas também
existe uma questão de viagem, porque com essas vacinas não se pode entrar no
Estados Unidos e na Europa", disse Mônica Levi, presidente da Comissão de
Revisão de Calendários de Vacinação da SBIm, citando também preocupações com
possíveis efeitos colaterais e temores com os riscos de coágulos --ainda que
raríssimos-- da vacina da AstraZeneca.
Por considerarem que a escolha de vacinas acaba impactando a velocidade da
campanha de vacinação contra a Covid-19, várias cidades do país --em Estados
que vão de Santa Catarina ao Tocantins, passando por Minas Gerais, São Paulo e
Mato Grosso do Sul-- decidiram cadastrar aqueles que se recusavam a vacinar com
determinado imunizantes e colocá-los no final da fila da campanha de vacinação.
A medida foi formalmente recomendado pela Secretaria de Saúde de Tocantins
a todos os municípios do Estado. Também foi adotada por prefeituras do Estado
de São Paulo e, de acordo com o governo de São Bernardo do Campo, na região
metropolitana da capital paulista, a decisão de colocar no final da fila quem
escolhe imunizante já deu resultado, com uma queda expressiva no número de
pessoas que recusam o imunizante por causa da marca.
"Escolher vacinas é um gesto de ignorância e falta de compromisso com
a saúde pública", disse o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, à
Reuters, por meio da assessoria de imprensa do instituto. Procurada, a
AstraZeneca não respondeu de imediato a um pedido de comentário.
Desenvolvida pela chinesa Sinovac e envasada no Brasil pelo Instituto
Butantan, a CoronaVac teve eficácia de 50,38% nos testes clínicos de Fase 3, em
comparação com 76% da vacina Oxford-AstraZeneca e 95% do imunizante da Pfizer.
No entanto, quando utilizadas na população em geral, todas as vacinas têm
atingido o mesmo resultado em reduzir as internações e as mortes por Covid-19,
de acordo com estudos recentes e especialistas que acompanham o cenário
epidemiológico da pandemia.
"A CoronaVac é uma vacina que tem uma eficácia menor em termos de
evitar caso leve, mas em termos de reduzir hospitalização e óbitos ela é muito
boa. É uma vacina arroz com feijão, que para quem esta morrendo de fome é tudo
que a gente precisa", disse Alexandre Naime Barbosa, chefe da infectologia
da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
"Quando você olha para o que realmente interessa, o que mais importa
é reduzir o número de hospitalizações e óbitos, e para esse desfecho todas as
vacinas que nós temos no Brasil têm uma efetividade muito alta",
acrescentou.
A efetividade da CoronaVac foi comprovada em estudo feito pelo Butantan
entre fevereiro e abril em Serrana, no interior de São Paulo, em que 95% da
população adulta da cidade foi vacinada com o imunizante e, de acordo com os
dados divulgados pelo instituto, as mortes foram reduzidas em 95%, ao passo que
a queda nas internações de Covid-19 foi de 86%, e a redução no registro de
casos sintomáticos da doença foi de 80%.
Vacina mais aplicada nos mais idosos, uma vez que foi a primeira
disponível no país, a CoronaVac também foi decisiva para reduzir a mortalidade
de pacientes com mais de 60 anos por Covid. Segundo dados coletados pelo
Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as mortes por Covid
nesse grupo etário recuaram de 81,4% do total no começo do ano para 49,7% no
começo de junho.
Apesar dos resultados comprovados, a CoronaVac tem sido frequentemente
atacada pelo presidente Jair Bolsonaro, que disse recentemente que a vacina
"não deu certo". Rival do governador de São Paulo, João Doria, cujo
governo é responsável pelo Butantan, Bolsonaro chegou a vetar a compra da
CoronaVac pelo Ministério da Saúde no ano passado.
Além das pessoas que se recusam a tomar a vacina no dia designado se não
for aquela da sua preferência, há muitos casos relatados pelas autoridades de
pessoas que estão tomando uma terceira dose dos imunizantes para receber uma
vacina diferente daquele aplicada originalmente.
No Rio de Janeiro, a prefeitura pediu à polícia e ao Ministério Público
que investiguem os casos.
"O Brasil criou uma figura única e exclusiva no mundo, o sommelier de
vacina, que está preocupado em viajar", disse Naime, da Unesp. "Falta
empatia às pessoas, um egoísmo enorme, a própria pessoa está correndo risco e
acaba colocando todo o sistema em perigo."
Por Pedro
Fonseca e Eduardo Simões, Reuters
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