sábado, 20 de março de 2021

Por um Novo Critério de Planejamento do Sistema Elétrico Nacional


A mudança do critério de confiabilidade adotado no planejamento do setor elétrico deve garantir, não somente que a frequência ou probabilidade de ocorrência de eventos deste tipo sejam reduzidas, mas também a diminuição da extensão do seu impacto

 

Os recentes apagões ocorridos em partes do Sistema Integrado Nacional (SIN) coincidem com a discussão, em diversos níveis, da proposta de modernização do setor elétrico nacional (Projeto de Lei do Senado 232/2016), em particular dos critérios utilizados para planejar o atendimento às áreas menos desenvolvidas do nosso país. A comoção gerada pelo apagão no estado do Amapá, ocorrida em 3 de novembro de 2020, decorreu da interrupção do fornecimento de energia por quase 3 semanas para a maior parte das cidades do estado, afetando quase 90% de sua população (cerca de 765 mil pessoas), interrompendo o abastecimento de água, a compra e armazenamento de alimentos, serviços de telefonia e internet, com consequências drásticas sobre a segurança social, saúde e serviços essenciais à população.

Mesmo decorrendo de contingências múltiplas em equipamentos elétricos, não se justifica a extensão das consequências, sobretudo a duração da interrupção, em uma região já carente de desenvolvimento social, provocando uma justificada comoção em nível nacional. Proliferam na mídia e meios especializados questionamentos quanto aos critérios adotados para planejamento do SIN, em particular para o atendimento a estas regiões distantes do nosso país.

Embora o estado do Amapá esteja interligado ao restante do SIN, e não obstante o atendimento ser efetuado seguindo critério de planejamento adotado internacionalmente (N-1), as consequências destes apagões demonstram uma clara inadequação para determinadas áreas da região Norte do nosso país. A inadequação decorre da priorização dada à confiabilidade da rede, sem ponderar adequadamente sua resiliência. A confiabilidade garante valores aceitáveis para a frequência e probabilidade de falta momentânea do suprimento, enquanto a resiliência pondera o tempo necessário para recomposição do fornecimento, determinando o impacto socioeconômico da interrupção.

Historicamente o critério N-1 tem sido adequado para regiões desenvolvidas, com redes logísticas eficientes de transporte, energia, e proximidade com a indústria de equipamentos elétricos, assegurando a resiliência através da reposição rápida e disponibilidade de peças sobressalentes, restaurando rapidamente o fornecimento de energia. O contrário ocorre em grande parte dos estados Amazônicos, com redes logísticas precárias de transporte, energia, e comunicação, e muito mais distantes das fábricas dos principais equipamentos utilizados nas instalações elétricas. Este aspecto resultou na face mais dramática do apagão do Amapá, com o tempo elevado para restauração do fornecimento, comovendo o país pelo drama social resultante, exigindo das autoridades do setor elétrico uma reflexão crítica sobre todo o processo de planejamento, regulação, operação, recomposição e fiscalização dos ativos e atores envolvidos para estes locais.

Parte deste diagnóstico já constou do próprio Relatório de Análise de Perturbação (RAP) do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), para este apagão, onde se registra a necessidade de adoção pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia (MME) de critérios de confiabilidade diferenciados para estes casos e regiões. Este mesmo diagnóstico já tinha sido constatado anteriormente pelo Tribunal de Contas da União, em 2014, ao avaliar apagões ocorridos nestas regiões, conforme o Acordão 2159/2014 do Plenário do TCU, que volta este ano a avaliar a mesma questão.

Embora já diagnosticado pelo ONS, EPE e TCU, a mudança do critério de confiabilidade adotado no planejamento do setor elétrico deve garantir, não somente que a frequência ou probabilidade de ocorrência de eventos deste tipo sejam reduzidas, mas também a diminuição da extensão do seu impacto. Também não é suficiente a aplicação de multas aos responsáveis pela causa do desligamento ou recomendações restritas ao setor elétrico. É necessário que suas consequências, medidas pela extensão da carga interrompida, da população afetada, e pela duração e impacto socioeconômico da interrupção sejam também consideradas. Tais fatores, tradicionalmente mensurados em análises de risco e em planos de atendimento a desastres, relacionam-se com a resiliência da rede elétrica, ou sua ausência, produzindo impactos mais danosos que a simples falta momentânea de energia, em particular em regiões carentes do nosso país.

Por sua complexidade este aspecto extrapola o âmbito restrito do setor elétrico, permeando as áreas de defesa civil e segurança nacional, em particular na proteção e resiliência das infraestruturas críticas do nosso país. O apagão do Amapá evidenciou uma vulnerabilidade preocupante no processo de recomposição para ocorrências deste tipo, com improvisação de ações, medidas jurídicas intempestivas, e completa ausência de um plano integrado para enfrentamento de desastres desta magnitude. A fragilidade da rede logística e de transporte da região, e a falta de planejamento para gestão de desastres, resultou em um apagão com dimensões catastróficas para nosso país.

Institucionalmente, para enfrentar ameaças deste tipo, a Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas (PNSIC), instituída em 2012, na qual se insere o setor elétrico, é conduzida pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República (PR), com ascendência sobre os diversos ministérios envolvidos, entre eles o da Defesa, Integração Regional e de Minas e Energia. A gestão de desastres é competência do Ministério da Integração Regional que instituiu a Política Nacional de Defesa Civil, em 2007, que inclui explicitamente os riscos de colapso ou exaurimento de energia e de outros recursos e/ou sistemas essenciais à população. Mais recentemente, a Resolução GSI/PR n. 7, de 20 de agosto de 2020, dispôs sobre a criação do Grupo Técnico para levantamento das vulnerabilidades e das medidas de controle aplicáveis às infraestruturas críticas do setor de Energia Elétrica, que inclui, além do GSI, o Ministério da Defesa, MME, ONS, ANEEL e Eletronuclear. Por infraestruturas críticas o PNSIC considera as 'instalações, serviços, bens e sistemas cuja interrupção ou destruição, total ou parcial, provoque sério impacto social, ambiental, econômico, político, internacional ou à segurança do Estado e da sociedade'. Uma definição perfeita para o apagão do Amapá.

Mas, embora nosso país já disponha há quase 10 anos de políticas bem definidas para segurança e defesa de infraestruturas críticas, e para o enfrentamento de desastres sociais, são poucas as iniciativas para sua implementação, em particular com uma visão sistêmica para o setor elétrico, com exceção de acidentes com rompimento de barragens, motivado pelos desastres recentes no setor de mineração. O tema também não consta na agenda regulatória da ANEEL para o biênio 2021-2022. Na realidade, apenas dois setores vitais possuem Planos de Defesa condizentes com esta política: o Plano de Defesa Nacional, das Forças Armadas, e o Plano Nacional de Tratamento e Resposta a Incidentes Computacionais, do GSI.

Urge-se que um plano similar seja desenvolvido também para o setor elétrico, seguindo as recomendações da PNSIC, evitando a improvisação de ações, aumentando a resiliência da rede elétrica, e reduzindo o impacto socioeconômico destes apagões, que tantos danos provocam ao nosso país.

Por Iony Patriota de Siqueira, no Canal Energia    


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