terça-feira, 23 de março de 2021

Mudança climática cria novos dilemas no sistema elétrico

 


Padrão hidrológico se altera, reservatórios não enchem mais, tarifas sobem e surge a ‘espiral da morte’

 

A intensificação das mudanças climáticas é apontada como principal suspeita de um fenômeno com impacto direto nas operações do setor elétrico e nas contas de luz: os reservatórios de grandes usinas não enchem mais — mesmo com a atividade econômica em estado de letargia e a demanda por energia sem aumento expressivo nos últimos anos. 


Entre 2016 e 2020, a afluência que chega às represas de hidrelétricas como reflexo das chuvas ficou muito abaixo da média registrada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em um período de quase nove décadas: 85,6% no Sudeste/Centro-Oeste (considerada a principal caixa d’água do país), 49,3% no Nordeste, 88,4% no Sul e 76,2% no Norte. 


O levantamento, feito pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), demonstra que o volume nacional de chuvas superou a média histórica em oito anos desde o começo do século. Na última década, a hidrologia ficou acima da média em só duas ocasiões. Nos últimos cinco anos, nenhuma vez. 


Para o economista Adriano Pires, diretor do CBIE, a dificuldade sistêmica de recuperação dos reservatórios tem provocado uma nova realidade no setor: em vez de racionamento físico, com necessidade de corte de carga, o país passou a viver em um contínuo “racionamento econômico”. 


“É notório que a velocidade de recomposição de reservatórios se alterou ao longo do período, não só pelo efeito de menor volume de chuvas, mas também em decorrência do gradual e consistente aumento de temperaturas em razão do aquecimento global, que por sua vez interfere nos dados temporais de evaporação”, diz Pires. 


“Nossa concepção de racionamento econômico leva em conta um peso excessivo de despacho fora da ordem de mérito, não previsto pelo modelo computacional, de térmicas com CVU [custo variável] de até R$ 1.700 por megawatt-hora para preservar volumes mínimos dos reservatórios, com uma consequente oneração excessiva de tarifas de eletricidade, que poderia ser evitada mediante planejamento.” 


Essas usinas, que analistas do setor afirmam ironicamente ser movidas a “Chanel no 5” pelo altíssimo custo do óleo combustível, têm valor do megawatt-hora de 12 a 14 vezes superior ao de hidrelétricas. 


O reflexo disso é percebido no bolso. Desde 2013, logo após a polêmica medida provisória (MP 579) editada pela então presidente Dilma Rousseff para reduzir os preços da energia, a tarifa média no mercado regulado subiu 105,2%. É mais que o dobro da inflação acumulada de 47,7% no período, calcula o CBIE. 


“Todos os anos é a mesma histórica. Chega julho, agosto ou setembro e as térmicas mais caras são acionadas. Não temos tido problemas mais graves unicamente por falta de crescimento da economia. O setor elétrico precisa de mudanças”, afirma Pires. 


Segundo ele, a solução passa por contratar termelétricas movidas a gás natural (menos caras e menos poluentes frente a opções como óleo combustível e carvão mineral) para operar “na base” do sistema, ou seja, de forma praticamente ininterrupta. 


Pires avalia que ter em torno de 8 mil MW — o equivalente à geração de Itaipu — em novas térmicas a gás seria suficiente. Neste ano, com reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste no patamar mais baixo desde 2015, quase todas as térmicas do país estão sendo acionadas mesmo em plena temporada de chuvas. Além disso, o Brasil tem importado energia dos vizinhos. 


Luiz Eduardo Barata, ex-diretor-geral do ONS, concorda com a percepção de que o regime de chuvas mudou para valer. “Não sou especialista em mudanças climáticas, mas estou convencido de que é isso. Ao não cuidarmos da Amazônia e do Cerrado, estamos perpetuando o problema. Não é apenas um período crítico, que passará.” 


Barata diverge, no entanto, quanto à forma de lidar com esse novo desafio e afirma que não compartilha a visão dos “adorado - res de térmicas”. Para ele, o caminho é apostar mais em um “programa intensivo de fontes renováveis”, como parques eólicos e solares, que podem representar até 50% da matriz elétrica — hoje a participação está em torno de 12%. 


Como essas fontes são intermitentes, devem ter o complemento das térmicas a gás, mas não para operar na base. As hidrelétricas deverão funcionar como reguladoras do sistema, provendo mais energia quando não há vento e ou sol, mas recebendo um alívio como carros-chefe da operação. “O gás é um combustível de transição energética, com menos emissões do que o óleo e o carvão, mas o mundo não vai por esse caminho”, diz Barata. 


A pressão sobre as contas de luz continua em 2021. A TR Soluções, empresa de tecnologia aplicada ao setor elétrico, projeta reajuste médio de 17,1% nas tarifas residenciais. A estimativa considera 53 concessionárias de distribuição do país, além de sete permissionárias, das quais só três — Light (RJ), Enel Rio e Energia Borborema (PB) — já tiveram processos homologados. 


Em auditoria recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) chamou a atenção para uma “alocação desequilibrada” entre consumidores do mercado cativos (principalmente residências e pequenos comércios) e livres (indústria e grande comércio). 


Entre 2015 e 2019, segundo o órgão de controle, foram gastos R$ 47 bilhões com a receita fixa dos geradores termelétricas, que recebem uma remuneração independentemente de serem ou não acionados, a fim de garantir segurança ao sistema. Esse custo é totalmente arcado por consumidores cativos — embora o mercado livre já corresponda a 30% da demanda total. Para escapar, mais e mais empresas tornam-se consumidores livres. Enquanto isso, pequenos investidores instalam painéis fotovoltaicos para fugir das contas de luz das distribuidoras, por meio de um sistema de compensação. Um custo crescente vai ficando em cima de cada vez menos consumidores. É um círculo que a auditoria do TCU chama de “espiral da morte”.

Fontes: CBIE e TR Soluções * Referentes à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins incidente sobre as contas de luz, conforme julgamento do STF

Por Daniel Rittner, no Valor Econômico    


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