sexta-feira, 26 de março de 2021

A qualidade do gasto público


Baixa reputação da qualidade do gasto incentiva a sonegação, amplia insegurança. 

 

É recorrente a defesa da desvinculação orçamentária e da busca de espaços fiscais no orçamento, alegando-se a reduzida margem de discricionariedade do Executivo na execução das despesas, bem como a baixa capacidade de investimento do Estado. De fato, no projeto de lei orçamentária anual para 2021, o governo só delibera livremente sobre R$ 120 bilhões, menos de 7% das despesas primárias, de R$ 1,8 trilhão. Os recursos para investimentos, por sua vez, são de apenas R$ 26 bilhões. 


A despeito dessas restrições, o desperdício na execução das despesas é significativo. Levantamento da Controladoria Geral da União (CGU) contabilizou 10.916 obras paralisadas, em 2019, equivalentes a R$ 165,8 bilhões. Já no exercício de 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou pagamentos indevidos do auxílio emergencial de R$ 55 bilhões. De acordo com estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o desperdício de recursos públicos no Brasil foi de 4% do PIB, ou US$ 68 bilhões, em 2019.


Culturalmente, a qualidade do gasto não está no cardápio da maioria dos macroeconomistas brasileiros, sobretudo porque envolve discussões sobre avaliação e monitoramento de políticas públicas, evidências em gestão de políticas, contabilidade de custos, além de processos e classificações orçamentárias da despesa. Jocosamente, alguns dizem que são matérias de “orçamenteiros”. Isso deveria ser superado porque, segundo farta literatura econômica, resta evidenciada a relação entre o gasto público agregado e o crescimento econômico. O que se espera agora são avanços que permitam estimativas de impacto das despesas, em nível desagregado, no crescimento e bem-estar, ou seja, uma espécie de avaliação de custo-benefício de cada política pública espelhada no orçamento. 


Há outro óbice à institucionalização da qualidade do gasto público. Como o orçamento é uma arena de disputa política por recursos entre entes federados, partidos, instituições públicas e privadas, categorias profissionais, essa avaliação de qualidade, ao expor formalmente ineficiências alocativas, fundamenta a contestação de acordos e estruturas políticas que são financiadas pelos dispêndios estatais. 


É certo, porém, que os mercados sabem desses arranjos orçamentários que geram desperdícios e gasto público de baixa qualidade. Em decorrência, setores mais dinâmicos, em parceria com o sistema financeiro e a burocracia fiscal, acabam convergindo, por cautela, na produção de normas jurídicas para conter a expansão das despesas. A inserção, em nível constitucional, de teto para o crescimento das despesas primárias, além do cipoal normativo constante, por exemplo, das leis de diretrizes orçamentárias, fazem parte desses movimentos de blindagem fiscal do gasto. 


Aliás, é bom que se diga que o teto constitucional das despesas primárias é inteiramente compatível com a avaliação da qualidade do gasto público, porque essas restrições fiscais operam como incentivo à redefinição de prioridades na aplicação dos recursos, a justificar ainda mais a avaliação da qualidade das despesas orçamentárias que suportam as diversas políticas públicas. 


Observe-se ainda que, dada a baixa reputação da qualidade do gasto, que se reflete na deficiente prestação de serviços públicos, há incentivos à sonegação, a exigir do fisco intensa produção normativa infralegal, ampliando a insegurança jurídica e majorando os custos de transação para cidadãos e empresas, com efeitos negativos na produtividade da economia. 


Em 2016, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, criou o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), transformado em Conselho pelo decreto no 9.834/2019, com atribuições consultivas. Mas foi no Congresso que o novo CMAP ampliou sua institucionalidade, com a aprovação da Lei no 13.971/2019 (Lei do Plano Plurianual 2020-2023), que determina a obrigatória avaliação de programas governamentais e o envio das respectivas informações ao Legislativo. 


Note-se que os trabalhos de qualidade fiscal também ganham impulso com a aprovação da PEC emergencial, que determina literalmente a revisão e redução dos subsídios da União, que, no plano das renúncias de tributos, somam R$ 308 bilhões em 2021. 


Assim, no intuito de avançar, sugerimos que, com base nas avaliações do CMAP, o TCU informe ao Congresso as políticas públicas com indícios de ineficiências graves, a exemplo do que já ocorre com o anexo ao projeto de lei orçamentária anual, elaborado pelo Tribunal, que expõe as obras com indícios de irregularidades graves. Com isso, além de facilitar medidas corretivas, evita-se a elaboração de emendas parlamentares destinando recursos para ações governamentais ineficientes. 


Recomenda-se, ainda, a célere deliberação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei Complementar no 295/2016, a chamada Lei de Qualidade Fiscal, já aprovada pelo Senado. Essa matéria, além de modernizar a caduca legislação de planejamento e orçamento, formaliza explicitamente sistemas de avaliação do gasto e de apuração de custos das políticas governamentais. 


Essas medidas deveriam ser aprovadas prévia ou simultaneamente às reformas tributária e administrativa, como forma de dar-lhes maior credibilidade e evitar a mitigação de parte dos seus efeitos positivos, cuja precificação pelos agentes pode criar resistências à sua tramitação. 


A avaliação da qualidade do gasto público não é a “invenção da roda”. Em recente artigo , André Lara Resende1 cita trabalho pioneiro do economista Aba Lerner2 , de 1943, para quem “A preocupação dos formuladores de políticas não deve estar no financiamento das despesas públicas, mas sim na qualidade destas despesas”. Enfatizamos a parte final da assertiva, na linha de que gastos e tributação ruins, de fato, deterioram ainda mais as expectativas da economia, o que não é desprezível para o cenário eleitoral de 2022. 


1. Resende, Lara, “Consenso e Contrassenso: déficit, dívida e previdência”, Instituto de Estudos de Política Econômica, 2019. 

2. Lerner, A. (1943) “Functional Finance and the Federal Debt”, Social Research, vol.10 no.1 


"Gastos e tributação ruins, de fato, deterioram ainda mais as expectativas da economia"


Por Helder Rebouças, no Valor Econômico   


- - - - - - -  


Para saber mais sobre o livro, clique aqui



Para saber mais clique aqui





Para saber mais sobre o livro, clique aqui





Para saber mais sobre os livros, clique aqui




Para saber mais sobre a Coleção, clique aqui




Para saber mais sobre o livro, clique aqui


- - - - - -




No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui

O autor:

No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui


Clique aqui para acessar os livros em inglês