sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Auditores respiram aliviados; mas e os demais agentes?

 


Eu cobri o mercado de auditoria independente no Brasil durante muitos anos e uma das preocupações que mais ouvia, ao longo desse período, era sobre a responsabilidade ilimitada a que estão sujeitos os sócios dessas empresas. 

Para ficar claro, significa dizer que, em caso de processo com responsabilização da firma por um erro ou coisa do tipo, as penalidades poderiam avançar sobre o patrimônio pessoal dos sócios, no caso de os recursos em nome da empresa serem insuficientes para pagar a multa ou reparar o dano. Isso é diferente do que ocorre na maior parte das empresas do país e do mundo, em que a responsabilidade é “limitada”. O sócio perde, no máximo, o dinheiro que aportou para entrar na sociedade. 

Na semana que passou, porém, os auditores brasileiros tiveram uma boa notícia a esse respeito. Calma, a instrução CVM 308, que trata disso, não foi alterada sem que ninguém tivesse notado. Ela segue com o texto rigorosamente igual. A boa nova veio do julgamento realizado pela diretoria da CVM sobre o trabalho dos auditores que atestaram a aderência dos balanços da Petrobras às normas contábeis entre 2009 e 2014. 

A KPMG e o sócio responsável na época exerceram a tarefa referente aos exercícios de 2009 a 2011. E a PwC cumpriu o trabalho depois. 

No julgamento da KPMG, a auditoria foi multada em R$ 300 mil e o sócio em R$ 150 mil, por apenas uma das diversas acusações apresentadas. No caso da PwC, tanto a empresa como seu sócio foram inocentados de todas as condutas questionadas, em votação por maioria. 

Nos dois casos, o relator foi o diretor Henrique Machado. Ele votou pela condenação das duas empresas e dos dois respectivos sócios que atuaram com maior responsabilidade no serviço. A penalização à KPMG acabou sendo R$ 50 mil abaixo do proposto por ele. No caso da PwC, a pena sugerida foi de R$ 800 mil para a empresa e de R$ 200 mil para o sócio. Mas a maioria, a partir do voto da diretoria Flavia Perlingeiro, decidiu pela absolvição. 

E porque trata-se de uma boa notícia para os auditores no Brasil? Ora, se num caso conhecido e de relevância como esse, em que foram encontradas discrepâncias de tamanho vulto na empresa, os processos resultaram em penas leves ou até mesmo absolvição total, o risco que os membros da classe correm de perder seu patrimônio pessoal parece bastante reduzido. 

Isso não significa salvo-conduto para qualquer tipo de atuação. O recado que fica é a necessidade de documentar detalhadamente o processo de auditoria. Para que todo o aspecto formal esteja devidamente atendido. Mas se digo que o julgamento foi bom para o sossego dos auditores, o mesmo não se pode dizer do que ele representa para o mercado de capitais brasileiro. 

Como encontrar 3% de propina no orçamento bilionário de investimentos da Petrobras talvez fosse realmente difícil para o trabalho de auditoria, a área técnica da CVM trouxe para o processo sancionador a demora para a realização da baixa no valor dos investimentos na Rnest e no Comperj. Só para dar a dimensão, quando a Petrobras finalmente publicou seu balanço do 4o trimestre de 2014 realizou uma baixa de R$ 9,1 bilhões referente ao segundo trem da Rnest e de mais R$ 21,8 bilhões do dinheiro que enterrou no Comperj. 

Como nem todos sabem, os auditores não são responsáveis por fazer os balanços das empresas. Os auditores tampouco são responsáveis por assegurar a inexistência de fraudes contábeis. Como dizem em seus relatórios, os auditores procuram “obter segurança razoável ” de que os balanços “estão livres de distorção relevante, independentemente se causada por fraude ou erro”. E continuam: “segurança razoável é um alto nível de segurança, mas não uma garantia de que a auditoria (...) sempre detecta as eventuais distorções relevantes”. E concluem dizendo que uma “distorção relevante” é aquela capaz de influenciar as decisões econômicas dos usuários (leitores) dos balanços. 

Não sou dono da verdade, claro. Porém, me parece difícil imaginar que, após todos os ajustes que a Petrobras teve que fazer na contabilidade não tenha havido sequer uma falha no processo de auditoria contábil que fosse digna de punição. 

Lendo o relatório sobre os processos e os votos proferidos, foi possível ver que o trabalho da acusação e do diretor relator foram rigorosos, bem como o da diretora que trouxe voto dissidente. Todos entraram no detalhe de cada decisão tomada na época, analisando linha a linha das regras contábeis que deveriam ser seguidas pela empresa, e ponto a ponto do regulamento que deve ser obedecido pelos auditores. 

E é aí que está a minha crítica. Ao olhar tanto para o detalhe se perdeu de vista o todo e propósito das coisas. A contabilidade não é um fim em si mesmo, e sim uma ferramenta de comunicação. Seu propósito é apresentar informações financeiras fidedignas e úteis para investidores tomarem decisões. 

Já ao auditor cabe, como descrito acima, procurar assegurar que as informações produzidas estejam livres de distorção relevante. 

O que o processo mostrou é que, bem antes da Lava-Jato vir à tona, tanto os executivos da Petrobras quanto os auditores já tinham diversos sinais de alerta sobre estouros de orçamento das duas refinarias, investigações do TCU e CGU e relatórios internos indicando que o retorno econômico de tais investimentos só saía do vermelho com base em marretadas nas premissas. 

Que tipo de informação seria útil para o investidor da Petrobras ao longo dos diversos anos em que o cenário se repetiu e se agravou? Saber, por meio de uma baixa contábil tempestiva, que os aportes que estavam sendo feitos naqueles projetos superavam o retorno esperado. E em muitos bilhões. 

E o que se esperava dos auditores? Que tivessem postura questionadora, que desafiassem as premissas apresentadas e que questionassem as escolhas feitas, e não apenas verificassem se existiam explicações no papel. Principalmente quando elas parecessem ter sido norteadas pelo “princípio da conveniência”. 

Os itens de normas específicas, seja as de contabilidade ou de auditoria, deveriam ser um guia para o atingimento final da prestação de uma boa informação financeira. Mas quando sua aplicação leva a um retrato distorcido da realidade, aquilo perde totalmente a razão de ser. 

Permitir a inclusão de ativos pré-operacionais claramente sobrevalorizados dentro uma única e gigante unidade geradora de caixa de abastecimento, junto com refinarias antigas que não passaram pelo necessário (?) processo de atribuição de novo custo (“deemed cost”), não melhorava a informação que seria divulgada. Pelo contrário. Mas assim foi feito, e as formalidades foram cumpridas por preparadores e auditores. 

Uma coisa boa que Lava-Jato trouxe para essa área foi o empoderamento do auditor para ele se sentir seguro em não se contentar, por exemplo, com afirmações dos executivos das empresas negando irregularidades, em caso de denúncia. Foi um impulso positivo para aumentar a segurança no processo de elaboração e checagem das informações financeiras. O julgamento da semana passada, porém, tem poder para reduzir o exercício do ceticismo desse profissional.

Por Fernando Torres, no Valor Econômico  


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