Por princípio, existe um
pacto entre governos e sociedades para que os primeiros captem (via impostos)
parte da riqueza produzida pelos segundos, para prestar-lhes os serviços
básicos pactuados. Quanto mais eficientes os governos, menos recursos precisam
buscar das famílias e de empresas. Quanto mais qualidade no gasto, menor a quantidade,
isto é, menor a conta a ser paga pelos cidadãos, e melhor o nível dos serviços
que recebem. Infelizmente, o Brasil tem se preocupado muito com a quantidade e
pouco com a qualidade. Somos o país com a pior relação do planeta entre
impostos arrecadados e serviços devolvidos à sociedade. Temos a mais alta carga
tributária entre os países em desenvolvimento,
e os serviços que todos conhecemos.
No pacote fiscal e monetário para enfrentar a pandemia, fomos arrojados (11,8%
do PIB), na comparação com os pares emergentes, tanto quanto a Índia (também
11,8%), porém mais do que África do Sul (10%), China (4,5%), Indonésia (4,4%),
Turquia (3,8%), Rússia (3,4%), Colômbia (2,8%) e México (1,2%). Por outro lado,
no pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, houve, segundo estimativas
do Tribunal de Contas da União (TCU), pagamentos indevidos que podem
chegar a 20%, ou algo próximo a R$ 50 bilhões. A pressão foi toda pela
quantidade. A preocupação com a qualidade ficou na sombra.
Existe um velho e sábio ditado: se souber gastar, não vai faltar. Vale para
qualquer um de nós, para empresas e para governos. E "governos" não
significam apenas o Poder Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário,
não só pelos gastos internos, mas também pelas decisões que tomam e que
impactam os dispêndios. A nível federal, estadual e municipal. Um bom início de
avaliação é entender que as corporações se apropriaram do Estado brasileiro. As
públicas e as privadas. E a classe política, de maneira geral, tem tido pouca
disposição para enfrentar poderosos lobbies que defendem bilhões de benefícios
fiscais (inclusive a desoneração da folha dos famosos 17 setores, que prejudica
alguma eventual desoneração para todos), universidades federais gratuitas para quem pode pagar,
remunerações de servidores acima do teto constitucional e muitos outros
privilégios.
A reforma administrativa é um passo importante na direção da qualidade do
gasto. Tão ampla e irrestrita quanto a pressão da sociedade viabilizar. Se a
população não conhecer melhor o problema e não se manifestar, talvez pouco se
avançará. Uma primeira e importante etapa da reforma pode acontecer pela via
das legislações ordinária e complementar, a partir de projetos em tramitação no
Congresso, pela regulamentação de PECs já aprovadas anteriormente. A Emenda
Constitucional nº 19 já acabou com a estabilidade do servidor há 22 anos, a
depender do seu desempenho. A Emenda Constitucional (EC) nº 41 já limitou os
penduricalhos nas remunerações da elite do funcionalismo ao teto legal em 2003.
Não foram regulamentadas. Para implantar a meritocracia, existe o PLP nº 248 de
28/11/1998, já aprovado no Senado e nas comissões da Câmara, aguardando votação
em plenário. Para regulamentar a EC 41, existe o PL nº 6.726/2016, já aprovado
no Senado e aguardando providência do presidente da Câmara.
O risco fiscal é, hoje, o mais importante componente de uma equação capaz de
viabilizar um crescimento sustentável do país. E o componente mais sensível
desse risco é o controle e a qualidade do gasto público. Estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou a importância de manter sinalização
clara do compromisso com o equilíbrio fiscal, o que também torna as reformas
ainda mais importantes: o novo pacto federativo disciplinando a gestão fiscal
nos três níveis de governo; a proposta de emenda constitucional extinguindo
mais de 200 fundos de financiamento; a reforma administrativa que busque maior
produtividade dos servidores e a contenção da segunda maior despesa da União e
principal gasto dos estados e municípios. Adicionando a reforma tributária e as
reformas microeconômicas que estimulem investimentos, poderemos criar as bases
para um crescimento de longo prazo que nos permita escapar da armadilha da renda
média.
O poder público precisa enfrentar um problema cultural, que é a dificuldade de
lidar com limites. Na questão dos gastos, fica claro o esforço contínuo na
busca de atalhos para contornar as regras estabelecidas. O que, como não
poderia deixar de ser, nos torna escravos da nossa irresponsabilidade
fiscal.
Por Carlos Rodolfo
Schneider, no Correio Braziliense
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