“É importante que as empresas entendam que ser
solidária é fator de competitividade”
Comandar o Google há quase dez anos faz de Fabio Coelho uma usina de
conhecimento sobre pessoas e corporações. Para ele, o brasileiro “lida
bravamente” com a pandemia e se destacou em três áreas, em comparação a outros
mercados: nas lives, no uso de plataformas de educação e no mergulho no
e-commerce
Conversar com o capixaba Fabio Coelho é uma mistura de bate-papo
descompromissado com uma aula magna. Você atravessa uma hora naturalmente, e
sai dela com muitos questionamentos. E muitas respostas. De avanços da
tecnologia a mudanças de hábito do consumidor, de resiliência na quarentena ao
racismo, o executivo formado em engenharia não desvia de nenhum tema.
E diz que a pandemia pode alavancar a solidariedade, algo decisivo num país com
os parâmetros de desigualdade como os do Brasil. “E preciso estratificar os
diversos brasis. Tem gente que não tem nem internet em casa”, diz. A seguir,
trechos da entrevista concedida originalmente na Live da DINHEIRO.
DINHEIRO - Ao ter o primeiro contato com informações sobre o novo coronavírus,
qual foi sua primeira googlada?
FABIO COELHO - A companhia começou a se preparar já em janeiro, com o
entendimento de que não era uma coisa que talvez acontecesse, mas sim
identificar o quando aconteceria aqui também.
O Google gerencia uma massa de informação como poucas corporações. 0 que a
análise desses dados mostrava?
Que a gente tinha de operar para que as pessoas trabalhassem de casa. Desde
fevereiro, havia clareza de que (o coronavírus) chegaria ao Brasil, mas agente
não esperava que seria tão rápido. Estar no Google permite ter acesso a muita
informação, muito entendimento de mudança de comportamento, de realidades
diferentes. Não só de pessoas, mas de empresas e de todos os segmentos.
Esse comitê existiu em outro momento?
Nunca ocorreu no Brasil. Nada parecido. Essa pandemia muda drasticamente a
maneira de a sociedade estudar, de trabalhar, de fazer comércio, de tomar
decisões.
E para o ambiente externo, o que mudou?
Havia muitas empresas e muitas pessoas operando num modelo de trabalho presencial.
Pessoas que atendiam a clientes, visitavam outras empresas ou recebiam visitas
de pessoas. De uma hora para a outra, você tem de operar 100% a distância. Essa
foi a primeira grande mudança. Para fazer isso, é preciso ter condições
básicas. Significa ter estrutura de internet, conectividade, computador
disponível, rede que aguente, um lugar para se sentar e trabalhar dentro de
casa.
E o segundo passo foi qual?
Pessoas e empresas precisaram, de uma hora para a outra, fazer uma transformação
digital que a gente vem propondo faz uns dez, 15 anos.
Deu certo?
A sorte do Brasil, do brasileiro, é que as empresas {daqui) entenderam que a
Amazon chegaria. E começaram a pensar omnichannel. Atender por todos os canais.
Um modelo de atendimento em que o cliente compra de onde quiser e recebe de
qualquer lugar. No Brasil, isso já estava desenvolvido e fez empresas crescerem
muito nos últimos 90 dias. Havia, por outro lado, empresas que não estavam com
essa preparação tão grande. E nosso papel é ajudá-las.
O que mais assustou?
Não se tratar de um território conhecido.
E nessas horas não há resposta pronta...
Uma prova de que vivemos num mundo globalizado, em que não apenas a informação
circula rapidamente, o capital circula rapidamente, mas também um vírus como
esse, letal e diferente, conseguiu circular com uma velocidade impressionante.
Qual papel cabe a uma plataforma tão presente na vida das pessoas?
O papel que a gente assume no Google é o de ajudar as pessoas a tomar as
melhores decisões. O que podemos fazer para que essa tecnologia possa gerar uma
sociedade melhor? Quais as necessidades de cidadãos, empresas, startups,
escolas para aprender a operar nesse novo mundo?
Internamente, qual foi o primeiro passo?
Montamos um comitê, o Time de Resposta ao Incidente. Isso acontece quando você
tem um problema e precisa da colaboração de todas as áreas. Não dá para as
pessoas tomarem decisões isoladas.
Mas não é toda empresa nem todo segmento que consegue algo assim.
Temos a humildade de reconhecer que numa empresa como o Google é muito mais
fácil. Mas nosso desafio não era somente com as nossas pessoas, e sim ajudar as
outras empresas a utilizar as plataformas e ferramentas para enfrentar a nova
realidade. E não apenas isso. Num primeiro momento, a gente começou a ver que
cada pessoa tem uma quarentena própria, lida de uma forma diferente. Era
preciso garantir que as pessoas estivessem seguras e que seria preciso
construir uma relação de trabalho saudável para que elas pudessem
entender que estavam operando dentro de um novo modelo. Humanizar o primeiro
momento.
A divisão entre quem estava mais ou menos preparado se dá por segmento ou porte
da empresa?
Mais pelo porte. Mas não se tratava de uma característica nacional, a de deixar
pro último minuto? O brasileiro é empreendedor e temos uma massa de 210 milhões
de pessoas. Temos áreas, como o sistema bancário, super sofisticadas, melhor do
que a de boa parte dos países. Quem sofreu mais foram os pequenos e médios, e
especialmente determinados setores, nos quais a experiência ocorria na loja:
bares, restaurantes, setor de viagens...
E da parte do consumidor?
Foi a primeira vez de muitas pessoas como e-shoppers, comprando coisas que não
compravam diretamente. E houve uma explosão de consumo de produtos de conforto
caseiro. Batedeiras, TV maior, até vinho, pijamas...
Sua carreira começou no varejo. Quais ensinamentos dessa fase você aplica no
Google?
Fui trabalhar no head quarter da Gillette, nos Estados Unidos, e quando voltei
ao Brasil meu chefe falou: “Fabio, pode tirar a gravata e sair pra vender”.
E virou vendedor?
Eu passei a andar num Gol branco, escrito “Gillette” na porta, e saía vendendo.
O que o varejo te ensina é a humildade. Ensina que o consumidor é inteligente.
No Google, nosso papo é parecido. Temos oito plataformas com mais de 1 bilhão
de usuários. Você só consegue isso quando tem humildade. A humildade de se
tornar relevante requer aprendizado constante.
Em quê o comportamento do consumidor brasileiro fugiu da curva global?
O brasileiro lidou bravamente com essa situação tão complicada. E se destacou
em três áreas. A começar pelas lives. Um fenômeno nosso. Das dez principais
lives em termos de audiência no mundo, oito são brasileiras. A segunda área foi
o uso intenso de plataformas de educação. Somente o Google ajudou mais de 10
milhões de brasileiros a estudar de casa. Em terceiro, o e-commerce. A
velocidade de adoção foi muito forte. As pessoas entenderam a necessidade de
pesquisar, consumir e pagar a distância.
Bares, restaurantes, viagens sofreram. Quando a tecnologia vai poder igualar as
experiências oferecidas por esses serviços?
É um mundo novo. Pegue o futebol. Nada como se sentar em um estádio e estar com
todos os sentidos engajados ali. Onde as plataformas devem evoluir? Para que a
experiência a distância se aproxime da experiência presencial.
A tecnologia tem como encurtar esse gap?
Quando falamos de realidade virtual e realidade aumentada, muda totalmente.
Estaremos mais imersivos dentro das plataformas. Andamos muito, mas talvez isso
só ocorra com o barateamento de tecnologias hoje inacessíveis. Usar avatar,
hologramas, presença física em outros ambientes...
Por ora, são situações insubstituíveis...
Pegue o acaso. O presencial nos traz. Vou a um show, a um evento, e encontro
alguém que não esperava.
Por Edson Rossi, na Isto é Dinheiro
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