sábado, 14 de dezembro de 2013

A Emenda Constitucional 76 e a transparência



A promulgação da Emenda à Constituição 76 - que extinguiu o voto secreto nas votações em processos de cassação de parlamentares e no exame de vetos presidenciais - foi tomada por muitos como uma conquista que prometia alvíssaras. O argumento é que o sistema se tornaria mais transparente e, consequentemente, mais eficaz.

Mas, poucos atinaram para o fato de que, em algumas votações específicas, o voto secreto protege o parlamentar do rolo compressor que traduz a diuturna atuação do Poder Executivo no Congresso Nacional.

Não há dúvidas: para as votações referentes à cassação de mandato do parlamentar, a Emenda Constitucional nº 76 é um eloquente avanço. Estivesse em vigor e o presidiário-deputado Natan Donadon teria, seguramente, perdido o mandato.

Rememorando: no dia 28 de agosto, com a votação, ainda, secreta, a Câmara dos Deputados livrou Donadon da cassação. Houve 233 votos favoráveis a cassação. Todavia, eram necessários 257. Por incrível que pareça, 131 deputados federais votaram contra a cassação. É um número expressivo, representa mais que um quarto da Câmara. Pela abstenção, 41 deputados; 54 dos presentes na sessão não votaram; e outros 54 não deram as caras, convenientemente, não compareceram. Não fosse o presidente da Câmara, e o quadro teria ficado ainda mais dramático: em decisão solitária, Henrique Eduardo Alves decidiu afastar o condenado por peculato e formação de quadrilha enquanto o criminoso estiver cumprindo pena em regime fechado.  Por desvio de recursos públicos o rapace vigarista cumpre mais de 13 anos em regime fechado.

Portanto, todo o mérito à Emenda 76 quando o assunto é a cassação de mandato parlamentar.

Mas quando se trata da apreciação dos vetos presidenciais, aí a história muda de figura.

As relações entre os Poderes, notadamente entre o Executivo e o Legislativo, todos sabemos, não se dão na redoma do espírito republicano. Pressões ilegítimas, jogo de interesses e o tráfico de influência, quase sempre, ditam as regras desse folguedo. E nesta jogatina, raramente o Executivo é derrotado.

Com a votação secreta – para a apreciação dos vetos presidenciais – o parlamentar se sentia minimamente protegido dessas gigantescas pressões; mas, agora...

E os fatos estão aí para demonstrar que, nesta situação, a Emenda não aponta para resultados animadores. Logo na primeira sessão com voto aberto, já com a Emenda 76 em vigor, o Congresso manteve o veto presidencial ao programa Mais Médicos, conforme desejo do Executivo. Doravante, deputados e senadores votarão diretamente no painel eletrônico do plenário da Câmara e o resultado será divulgado ao final de cada votação. A apuração manual que era feita pela Secretaria Especial de Informática do Senado ficou no passado, não haverá mais.  

E o receituário se repetiu com o veto presidencial ao projeto sobre eficiência energética, que foi, também, mantido no Congresso.

Aqui, o leitor encontra o Projeto de Lei 6.547/09.

Recapitulemos o que foi vetado:
 
"(...)
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O art. 31 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, passa a vigorar com
a seguinte redação: 

“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade, origem, eficiência e
consumo energéticos, entre outros dados, bem como sobre os riscos
que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Parágrafo único. As informações sobre eficiência e consumo
energéticos deverão observar metodologia de aferição conforme
regulamentação do Poder Executivo.” (NR).

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)" 

Como pode verificar o leitor, um projeto límpido e cristalino, defendido com coerência pela bancada ambientalista do Congresso, mas que teve o veto presidencial mantido sob a justificativa governamental de “por não ser específica a regra poderia onerar excessivamente alguns setores, sem garantir correspondente proteção ao consumidor”.

É amigo, a partir de agora será difícil, senão impossível, derrubar vetos presidenciais no Congresso Nacional. O tempo mostrará que, neste caso, o discurso da ‘transparência’ não servirá para outra coisa senão para obscurecer o cenário...