Contrariar normas de responsabilidade fiscal pode comprometer eficácia do programa
A Lei 14.148/2021 instituiu
o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), concedendo ao
setor benefícios tributários e incentivos para renegociação de dívidas
federais. Originado do PL 5638/2020, o Perse objetiva mitigar os prejuízos sofridos
pelo setor em decorrência da pandemia da Covid-19.
A medida mais impactante do
programa está disposta no artigo 4º da lei e trata da concessão de alíquota
zero aos tributos PIS/Pasep, Cofins, CSLL e IRPJ incidentes sobre as receitas
decorrentes das atividades do setor de eventos, pelo prazo de cinco anos.
Embora o artigo 4º estivesse
previsto no PL 5638/2020, a redação da Lei 14.128/2021, sancionada em 3 de maio
de 2021, não o contemplava. Isso porque, por meio da Mensagem 186/2021, o
presidente da República vetou parcialmente o PL ao argumento de
inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.
O veto ao artigo 4º decorreu
de 'óbice jurídico por acarretar renúncia de receita, sem o cancelamento
equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de
estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro', contrariando 'o art. 113
do ADCT, o art. 14 a 16 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF) e os art. 125
e 126 da Lei nº 14.116, de 2020 (LDO/2021)'.
Contudo, em 17 de março de
2022, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional, fazendo com que a redução
de alíquotas e outros dispositivos do PL entrassem em vigor.
Em situações como essa, em
que o Congresso Nacional derruba um veto presidencial pautado em ofensa à Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF), a conduta adotada pelo Poder Executivo era a
de implementar a renúncia fiscal concedida e incluí-la na próxima Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO). A interpretação do Executivo federal era de que
a lei seria constitucional, válida e eficaz.
Assim ocorreu, por exemplo,
com a Lei 13.496/2017 (Programa Especial de Regularização Tributária, o Pert)
que, em seu artigo 14, delegou expressamente ao Poder Executivo federal o
cumprimento das disposições da LRF, a partir da estimativa do montante da
renúncia fiscal e sua inclusão nas próximas LDO.
Recentemente, no entanto,
outro intérprete da legislação tributária federal entrou em cena, expondo uma
visão bem diferente.
Ao analisar renúncias
tributárias presentes na Lei Complementar 162/2018 (Programa Especial de
Regularização Tributária do Simples Nacional, o Pert-SN) e na Lei 13.606/2018
(Programa de Regularização Tributária Rural, o PRR), o Tribunal de Contas da
União (TCU), afirmou que, enquanto não cumpridas as normas de responsabilidade
fiscal, estas leis não seriam eficazes.
O TCU considerou que o §2º
do artigo 14 da LRF não precisaria de regulamentação, nem poderia ser
substituído por uma simples inclusão da renúncia na LDO do exercício
subsequente, como era o entendimento do Poder Executivo, exigindo que a
renúncia fiscal entre em vigor apenas após a implementação da medida de
compensação (aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas,
ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição).
No Acórdão 2198/2020, o
plenário do TCU afirmou que 'as propostas legislativas de iniciativa do Poder
Executivo e quaisquer iniciativas aprovadas mediante projeto de lei para
conceder benefícios de natureza tributária, desacompanhadas das medidas de
compensação previstas no art. 14, inciso II, da Lei Complementar 101/2000
(LRF), não se conformam com o pressuposto da gestão fiscal estabelecido no art.
1º, § 1º, da LRF e com as diretrizes norteadoras da trajetória de recondução da
renúncia de receita ao limite estabelecidas pelos arts. 21 e 116, § 1º, da
LDO-2019, devendo ser demonstrada a compatibilidade da proposta e dos projetos
de lei aprovados com as premissas e os objetivos da política econômica nacional
expressamente definidos no Anexo de Metas Fiscais que integra a Lei de
Diretrizes Orçamentárias, com objetivo de conferir concretude plena ao disposto
nos arts. 1º, § 1º; 4º, inciso I, alínea 'a', § 2º, incisos II e V; 5º, incisos
I e II; e 14, incisos I e II da Lei Complementar 101/2000'.
Caso vigore o entendimento
da área técnica do TCU, segundo o qual as normas instituidoras de benefícios
tributários que impactem as metas fiscais somente podem ser aplicadas quando e
se satisfeitas as condicionantes constitucionais e legais, não há segurança com
relação à manutenção do Perse, que, de acordo com as razões do veto
presidencial, não observou as normas de responsabilidade fiscal.
Até o momento, o Perse foi
apreciado pelo TCU apenas em resposta à consulta formulada pela deputada
federal Alice Portugal, então presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos
Deputados, que objetivava verificar o enquadramento das reduções a zero de alíquotas
concedidas pelo artigo 4º do PL 5638/2020 como renúncia fiscal.
Na ocasião, o TCU esclareceu
que o benefício 'enquadra-se legalmente como renúncia de receita tributária e,
por conseguinte, sua proposição deveria atender aos dispositivos constitucionais
e legais para sua instituição (arts. 150, § 6º, da CF/1988, 113 do ADCT, 14 da
LRF, bem como 125, 126 e 137 da LDO 2021)'.
O Acórdão 3155/2021 foi
publicado antes da derrubada do veto pelo Congresso Nacional, mas previu a
situação e dispôs que a conformidade legal, constitucional e fiscal do Perse
deve ser analisada no âmbito do acompanhamento sistemático de que trata o art.
3º, IV, 'b', da Resolução TCU 142/2001.
Em relatório produzido pelo
Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper ao Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), houve recomendação sobre a necessidade de criação de regras que permitam
saber, com clareza, quem interpreta as normas tributárias e, sendo mais de um
órgão responsável, que haja regras de governança entre eles.
Parece que esta medida é
mais urgente do que nunca.
Jota, Carla Mendes Novo
Larissa Luzia Longo Leonardo Alvim
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