quinta-feira, 30 de abril de 2020

A retomada de Angra 3 ainda demora



Em construção há 42 anos, a usina Angra 3 precisa ainda de mais R$ 15,5 bilhões, mas o governo não tem recursos

Paralisadas desde 2015, as obras de construção da usina nuclear Angra 3 devem ser retomadas no primeiro semestre de 2021 e concluídas até 2026, conforme prevê o cronograma da Eletronuclear. Caso o calendário seja cumprido, a inauguração acontecerá 42 anos após o lançamento da pedra fundamental.

Até o momento, foram concluídos 62,8% das obras de engenharia, nas quais foram gastos mais de RS 8,3 bilhões, principal mente na compra de equipamentos importados da Alemanha e da França, como geradores, vasos metálicos e tubos, que estão armazenados no canteiro de obras, na praia de Itaorna, em Angra dos Reis (RJ), ao lado de Angra 1 e Angra 2, que operam normalmente. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), foram executados 79,9% dos suprimentos, 67,3% das obras civis e 10,8%da montagem eletromecânica.

Apenas para manutenção dos equipamentos, o governo federal gasta R$ 36 milhões por ano. Para concluir os 37,2% restantes, são necessários mais R$ 15,5 bilhões. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se comprometeu a colaborar, mas o governo federal não tem de onde tirar tais recursos.

A solução, segundo relatório do TCU enviado ao Ministério de Minas e Energia (MME), poderia ser por meio de parceria com a iniciativa privada, mas com estudos a respeito dos custos e viabilidade econômica. “Especialmente quanto aos montantes de investimentos realizados e previstos, além dos custos de operação e manutenção”, disse no relatório o ministro-relator Walton Alencar Rodrigues.

Inicialmente, estava previsto que os estudos sobre o modelo de negócio seriam analisados até o fim de março pelo Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), formado por ministros e representantes das agências reguladoras. Com o coronavírus, não há data definida para a escolha, mas o prazo inicial para conclusão está de pé. Também em razão da pandemia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou a possibilidade de privatizar a Eletrobras (controladora da Eletronuclear) em 2020, o que obrigaria uma reestruturação societária da União, porque, por força constitucional, a Eletronuclear não pode ser privatizada.

A maior dúvida é quanto ao custo do megawatt/hora (MWh) apontado por consultorias ao TCU. Segundo os estudos, o preço de R$ 480 MWh, estimado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para Angra 3, é superior ao das demais fontes energéticas (hidrelétricas, termelétricas, eólica, solar e biomassa) previstas no Plano Decenal de Energia 2026, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ainda mais considerando que a potência instalada será de 1.405 MW - bem inferior à da Hidrelétrica de Itaipu, com 14 mil MW.

Segundo Leonain dos Santos Guimarães, presidente da Eletronuclear, a crítica é improcedente. “Trata-se de um preço de referência, que será reduzido quando estiver definido o processo de escolha do parceiro da Eletronuclear para a conclusão do empreendimento.” Ele cita o custo das termelétricas, que alcançou R$ 770 MWh, quando houve o acionamento da bandeira tarifária 2 (amarela ou vermelha) em 2018.

Guimarães aponta a importância da usina para a região Sudeste. “A geração vinda de Angra 3 será suficiente para atender 4,45 milhões de pessoas. Quando finalizada, a geração das três usinas da central nuclear será equivalente a 68% do consumo do Estado do Rio de Janeiro e 6% do país.” Hoje, a contribuição de Angra 1 (640 MW) e de Angra 2 (1.350 MW) representa 3% do consumo do Brasil e equivale a 40% da energia consumida no Estado do Rio de Janeiro.

Em conjunto com a Coppe-UERJ, a Eletronuclear desenvolveu um estudo, no qual foram prospectadas 40 grandes áreas propícias para novas usinas, principalmente no Sudeste e Nordeste. Em 2019, o MME anunciou a intenção de construir seis novas usinas nucleares até 2050, com um custo estimado de US$ 30 bilhões.

Para Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), as características do país devem contribuir para atrair o capital externo. “O Brasil conta com a sexta maior reserva global de urânio, detém a tecnologia de beneficia mento e enriquecimento e capacidade de fabricação dos elementos combustíveis a serem usados nas plantas. A maior parte dos equipamentos está paga. O problema maior está na capacitação das empresas nacionais de engenharia civil, porque as maiores foram atingidas pela Lava Jato.”

Para a consultora Lavinia Hollanda, diretora- executiva da consultoria Escopo Energia, a conclusão de Angra 3 é justificável pelo que já foi investido, mas os eventuais futuros empreendimentos devem merecer uma reflexão mais aprofundada quanto à relação custo-benefício.

Por Guilherme Meirelles, na Revista Valor Setorial  






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