terça-feira, 21 de abril de 2020

ENTREVISTA - 9 PERGUNTAS PARA DUNBAR




Professor emérito na Universidade de Oxford diz que a interação por aplicativos com amigos e familiares é essencial para a saúde em tempos de quarentena

1. Por que a socialização é tão importante para os seres humanos do ponto de vista da evolução?

A socialização é um comportamento que compartilhamos com todos os primatas. É o principal traço evolutivo dessas espécies. Isso significa que lidamos com o mundo a partir de grupos. Ao formar grupos estáveis, dividimos o “custo” de sobreviver e de nos reproduzirmos. Esses laços fortes de amizade e de família são fundamentais. A maioria das espécies mantém laços casuais. Entra e sai de grupos quando quer, como pássaros que formam uma revoada. Humanos e primatas são diferentes.

2. Qual é o impacto desse isolamento forçado a que estamos submetidos?

Dedicamos muito tempo às interações sociais. Descontando o tempo que passamos no trabalho, estimamos que cerca de três horas e meia de cada dia envolvam interações com outras pessoas, nossos amigos e parentes. Comendo, contando histórias, brincando e assim por diante. Isso é muito importante para nosso bem-estar. Esses relacionamentos são fundamentais para as sensações de calor humano, de felicidade e de confiança. E isso, por sua vez, tem um impacto enorme em nossa saúde física e mental. Há muitas evidências de que a longevidade está associada ao número de bons amigos que uma pessoa tem. Realizamos vários estudos no Reino Unido, e também no Brasil, que mostram a importância de fazer refeições acompanhado, ir ao bar para tomar uma cerveja ou ir à igreja, por exemplo. Se o atual isolamento durar um ou dois meses, será apenas um incômodo, provavelmente sem grandes consequências. Mas a duração da quarentena poderá ser maior. Também existe o risco de termos de repeti-la algumas vezes, caso haja novos picos da doença. Nesses casos, o isolamento poderá ter efeitos negativos para os mais velhos ou para aqueles que vivem sozinhos, afetando a saúde.

3. O senhor acredita que isso deveria ser levado em conta na hora de decidir pela reabertura?

O problema é que estamos entre a cruz e a espada. É muito claro que, sem o isolamento, a doença se espalha muito rapidamente. Por outro lado, forçar as pessoas a ficar dentro de casa traz um desafio econômico e, potencialmente, de saúde. Mas, na biologia, não existe almoço grátis. A evolução vai seguir o caminho que apresente a melhor relação entre custo e benefício. No caso da pandemia, temos de aceitar um custo do isolamento. O benefício será evitar a disseminação descontrolada do vírus.

4. Muita gente, especialmente os jovens, simplesmente ignora as recomendações de ficar em casa. Por quê?

Todos os humanos, não só os mais jovens, têm uma certa dificuldade de entender o conceito de futuro. Temos a ideia de que o futuro é algo distante, que poderá nunca vir a se tornar realidade. Do ponto de vista da evolução, é uma estratégia excelente, pois o importante é sobreviver ao dia de hoje. O mundo é imprevisível, e você tem de garantir que estará vivo amanhã para se reproduzir. No caso dos mais jovens, eles são mais socialmente “promíscuos”. Temos em média cerca de 150 pessoas em nosso círculo social, incluindo amigos e parentes. Mas, entre a população de 18 a 25 anos, esse número pode chegar a 250. O jovem se comporta como um consumidor que está fazendo sua pesquisa antes de uma compra. Vai a várias lojas, compara preços e qualidade antes de decidir quem vai ser seu amigo ou seu par romântico. E a única maneira de encontrar as pessoas certas é circular.

5. Há sinais de que nos países asiáticos houve mais adesão ao isolamento. Uma das possíveis explicações seria cultural. O senhor concorda?

Sim. No Ocidente, as sociedades tendem a ser mais individualistas. Isso é verdade na Europa e foi levado às Américas pelos colonizadores. Temos de levar em conta também que, na China, especialmente, existe um “Big Brother”. O governo sabe por onde você passou, e a polícia pode encontrá-lo e mandar você de volta para casa. É uma das formas de controlar a propagação do vírus. Mas, se isso acontecesse aqui no Reino Unido, ou no Brasil, a reação mais provável dos cidadãos seria: “Não é de sua conta, deixem-me em paz”. No Ocidente, há quem defenda uma maior liberdade de circulação, o que nos permitiria alcançar a imunidade de rebanho. Mas aí temos de aceitar que muitas pessoas ficarão doentes e morrerão. A questão é: deixamos isso acontecer de uma vez ou tentamos fazê-lo em um período mais longo? Essa é lógica por trás da tentativa de achatar a curva, e ela funciona muito bem. Foi assim que a Organização Mundial da Saúde erradicou a varíola nos anos 1970. Ganhando tempo, haverá avanços no tratamento e potencialmente a descoberta de uma vacina.

6. Um dos pontos centrais de suas pesquisas diz respeito à importância do contato físico para o ser humano. Mas não voltaremos a apertar mãos e a nos abraçar tão cedo, certo?

É verdade. O contato físico libera endorfinas (hormônios), e elas estão diretamente associadas a nossas amizades e relações próximas. A consequência de tudo isso é uma redução de nossa imunidade, pois há sinais de que o sistema de endorfinas ajuda a despertar as células responsáveis pelas defesas do organismo. É como se as endorfinas mantivessem regulado o sistema imunológico. Mas isso não depende só do contato físico. Acionamos esse sistema cantando, dançando, rindo, tomando uma cerveja ou jantando com amigos. E algumas dessas coisas podem ser feitas virtualmente, por meios digitais. Você pode tomar uma garrafa de vinho com amigos por Skype, por exemplo.

7. E o efeito é o mesmo?

Talvez não seja tão potente quanto encontrar-se numa mesa de bar ou quanto tomar uma cerveja com os amigos na praia. Mas o efeito, por menor que seja, ajuda o sistema das endorfinas a continuar em funcionamento. Bater palmas também aciona o sistema. É por isso que nos sentimos tão relaxados e contentes depois de assistir a um show ou a uma peça. Mesmo que as palmas sejam motivadas por raiva, para expressar oposição a um presidente, por exemplo, elas geram esse laço entre as pessoas. Isso certamente faz bem à saúde, ao senso de pertencer à comunidade.

8. Do ponto de vista evolutivo, o vírus também se aproveita da sociabilidade humana para se espalhar?

Assim é a evolução. O vírus é a menor das formas de vida, basicamente material genético nu, mas extremamente eficiente em se reproduzir. Quando espirramos, queremos expelir o que está bloqueando nossas vias respiratórias. Essa é a solução perfeita para o vírus se espalhar. Vírus e outras formas de vida minúsculas são extremamente criativos no que diz respeito a explorar características dos hospedeiros, humanos e de outras espécies. Patógenos como o coronavírus, que pulam de alguma outra espécie para o ser humano, são muito letais inicialmente. Mas matar o hospedeiro rapidamente é ruim para eles em termos evolutivos.

9. Estando no meio da pandemia, é difícil olhar para a situação atual de uma perspectiva distanciada como a do senhor, não?

Sem dúvida. Em ecologia evolutiva temos um princípio chamado “vida ou jantar”, que vale para presas e predadores. Para o predador, a presa é só o jantar. Se ele não conseguir matar um determinado animal, sempre haverá outros. Mas, do ponto de vista da presa, a questão é de vida ou morte. A presa tem um incentivo muito maior para fugir do que o predador tem para capturá-la. No caso dessa doença, é a mesma coisa. Nós somos a presa. Temos a percepção clara de que nossa vida pode estar em jogo.

Por Sérgio Teixeira Jr., na Revista Época







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