quarta-feira, 19 de abril de 2017

Delações revelam obras que nasceram para a corrupção


Formação de cartel e propinas explicam aumento no custo das obras públicas
O Porto de Mariel, em Cuba, a Arena Corinthians, em São Paulo, o Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, a Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, a criação da Sete Brasil. Cresce a lista de projetos que teriam nascido para alimentar o esquema de pagamentos ilegais acertado entre políticos e executivos da Odebrecht, segundo depoimentos de sócios e ex-executivos da companhia ao Ministério Público Federal (MPF). São custos vultosos - Jirau, que não foi construída pela Odebrecht, custou R$ 19 bilhões - que poderiam ter sido reduzidos ou nem realizados não fossem as negociações focadas no repasse de propinas.
O economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, destaca que a perda anual em decorrência dessas transações ilícitas é bilionária.
- O TCU (Tribunal de Contas da União) tem um estudo que mostra que o sobrepreço médio cobrado nas obras de infraestrutura no Brasil é de 17%. Essa fatia representa apenas as perdas diretas. É um enorme volume de investimentos que, até hoje, não se transformou em ativos produtivos. São ganhos adiados - afirma ele.
Estudo da Inter.B mostra que, em 2015, o Brasil investiu R$ 134 bilhões em infraestrutura, já em valores atualizados pelo IPCA, índice que mede a inflação. Um sobrepreço de 17% nesse valor, representaria, hoje, o equivalente a uma perda de R$ 22,78 bilhões. Só do aporte do setor público, que foi de R$ 58,8 bilhões naquele ano, a mordida beira R$ 10 bilhões.
- Imagina o que o Brasil poderia fazer com esses R$ 10 bilhões em dez anos? Esse sobrepreço tem duas explicações principais: a cartelização dessa indústria e a concorrência direcionada, com base em pagamentos de propina, editais manipulados e outras práticas. Infelizmente, a política no Brasil se move com a captura de nacos (dos recursos) do Estado - destaca o economista, lembrando que o sobrepreço se desdobra em novos gastos, como desperdícios ao longo da obra, atrasos na entrega de empreendimentos e projetos.
DÍVIDA SUPERA INVESTIMENTO
O gigantismo das cifras impressiona. A Sete Brasil foi criada em 2010 com a promessa de bater US$ 27 bilhões em investimentos, permitindo a construção de 28 sondas para exploração de petróleo nas camadas do pré- sal. Ano passado, a empresa entrou em recuperação judicial. Ao todo, o investimento chegou a R$ 8,3 bilhões no período, mas as dívidas com bancos e outros fornecedores alcançaram mais que o dobro do valor investido: R$ 19,3 bilhões. Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial, pondera que, ainda que as informações trazidas à tona pelas delações da Odebrecht impressionem, são de apenas uma empresa. - Não dá para ter ideia da extensão do dano. A naturalidade com que os delatores descrevem as negociações é assustadora. As irregularidades, acrescenta Netto, manipulam os preços cobrados por toda a cadeia. - Se todas as obras de infraestrutura em 15 anos tivessem tido preço real, talvez o Brasil tivesse hoje um déficit primário bem menor. Em 2016, ficou negativo em R$ 154,2 bilhões - diz ele.

Por Glauce Cavalcanti, em O Globo

________________


Para saber mais sobre o livro "Respiração, voz e dicção", clique aqui.



Para saber mais sobre o livro "Comunicação estratégica", clique aqui.