segunda-feira, 4 de abril de 2016

Qual indicador prevê melhor o futuro da economia?



1. Introdução
A complexidade de uma economia seria a explicação para a divergência nos níveis de renda entre países ricos e países pobres que não é esperada por vários modelos tradicionais de crescimento econômico. Ao contrário, tais modelos têm como hipótese a convergência da renda dos países.  Por complexidade econômica, Hidalgo (2015) entende a diversidade de “capacidades” de um país, medida pela diversidade e sofisticação de sua estrutura produtiva. Tais capacidades incluem desde habilidades específicas no mercado de trabalho (que são de difusão difícil e estão contidas em redes de profissionais), até direitos de propriedade e regulação. Como tais capacidades não podem ser exportadas ou importadas (non-tradable), elas se concentram no espaço geográfico, gerando a desigualdade entre regiões ricas e pobres.
Em uma tentativa de medir esse conjunto de capacidades, foi criado o Índice de Complexidade Econômica (ECI) por pesquisadores do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) e do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard. Em especial, este esforço tem sido capitaneado pelos pesquisadores sul-americanos César Hidalgo e Ricardo Hausmann, cujo trabalho é introduzido aqui.
O Índice tem se mostrado bem-sucedido em prever o crescimento da economia de diversos países no médio e no longo prazo, superando a previsão de modelos baseados em indicadores de educação ou instituições/governança, duas das principais variáveis usadas nas últimas décadas para explicar o crescimento econômico.
Embora seja de formulação recente (2009) e exija para seu cômputo grandes bases de dados, há paralelismos em sua lógica com o trabalho de teóricos do desenvolvimento do século passado, como Wassily Leontief (matriz insumo-produto), Béla Balassa (vantagem comparativa revelada) e Albert Hirschman (encadeamentos para frente e para trás).
Hidalgo e Hausmann (2009) argumentam que a complexidade de uma economia seria capaz de prever que tipos de produto ela poderá produzir no futuro, porque novos produtos dependeriam substancialmente das capacidades já acumuladas em um país referentes a diversos fatores de produção, do capital humano ao respeito pela lei. No entanto, a construção do Índice desconsidera quaisquer detalhes específicos relativos a essas variáveis, que estariam na verdade refletidas na diversidade e sofisticação da estrutura produtiva de um país. Por sua vez, como proxy dessa estrutura produtiva são usados dados de comércio internacional, em especial a vantagem comparativa revelada.
Neste texto, introduzimos na próxima seção a visão de produtos como “cristais de imaginação”, que fundamentam a ênfase dos criadores do Índice na diversidade e sofisticação da estrutura produtiva como preditivas do crescimento. A seguir, detalhes do cálculo do Índice de Complexidade Econômica são apresentados. A seção 4 discute resultados e aplicações, inclusive para o caso brasileiro. A seção 5 traz o espaço de produto (product space), uma atraente ferramenta de visualização de uma economia apresentada pelos criadores do Índice. Uma última seção discute política industrial.

2. Prosperidade e imaginação
Hidalgo (2015) descreve a economia como um sistema em que as pessoas acumulam conhecimento para criar produtos, que, por sua vez, podem aumentar nossa própria capacidade de acumular mais conhecimento.
Como indivíduos, não seríamos tão mais capazes do que nossos ancestrais, mas como sociedade sim. As sociedades modernas são aquelas que conseguiriam acumular muito conhecimento produtivo ao distribuí-lo entre os seus membros. Assim, o progresso e a prosperidade dos países ricos não seriam fruto da inteligência individual de moradores inteligentes, mas do fato de tais sociedades possuírem grande diversidade de knowhow recombinado para criar uma grande variedade de produtos, e de produtos melhores (Hausmann et al., 2011).
A desigualdade no mundo decorreria da “finitude” dos homens e das redes por eles formadas, que limitam a possibilidade de acumular e transmitir conhecimento1, tornando este conhecimento acumulado no espaço. Os produtos que produzimos e consumimos nada mais seriam do que expressões deste conhecimento.
Nesse sentido, as exportações de um país, usadas no Índice de Complexidade Econômica, revelariam não somente informação sobre capital ou trabalho presente nele, mas, mais importante, sobre a capacidade que sua população tem de criar objetos que antes eram apenas imaginados (na terminologia particular de Hidalgo, “cristais de imaginação”). A prosperidade de um país, a médio e longo prazo, seria determinada não pela sua capacidade de comprar, mas pela sua capacidade de criar produtos.
Ilustrativamente, em 2012, o Brasil teria tido um saldo positivo na balança comercial com a China de mais de US$ 7 bilhões.  No entanto, o país teria tido uma “balança da imaginação” deficitária, pois o Brasil exporta principalmente minério de ferro e soja, e importa da China eletrônicos, químicos e metais processados. Hidalgo faz uma provocação em relação ao argumento, popular em países em desenvolvimento, de que a exportação de matéria-prima para países que exportam produtos mais elaborados seria um ato de exploração. Defendendo que a criação de valor decorre não da atividade extrativa, mas da imaginação, seriam os exportadores de matéria-prima os “exploradores”. Tratando do seu país natal, Hidalgo afirma que o Chile exploraria a imaginação de inventores como Michael Faraday e Nikola Tesla, que permitiram que produtos feitos a partir do cobre (principal produto da pauta de exportação chilena) tivessem valor (HIDALGO, 2015):
Produtores de petróleo como Venezuela e Rússia exploram a imaginação de Henry Ford, Rudolf Diesel, Gottlieb Daimler, Nicolas Carnot, James Watt e James Joule ao estarem envolvidos no comércio de uma gosma gelatinosa preta que era virtualmente inútil até a invenção de motores de combustão.
Segundo Hidalgo, a diferença entre riqueza e desenvolvimento econômico residiria na distinção entre “geração de valor” e “apropriação de compensação monetária”. O desenvolvimento não se basearia na capacidade que uma economia tem em consumir, mas na capacidade que sua população tem em transformar sonhos em realidade: a capacidade de produzir (não de comprar). Tal ênfase parte do entendimento de que a economia seria um “sistema que amplifica os usos práticos do conhecimento”2.

Desigualdade e divergência: o papel de redes de conhecimento
A concentração, em apenas algumas partes do mundo, da capacidade de produzir produtos sofisticados, como motores de avião e dispositivos de memória, não é óbvia. Hidalgo (2015) ressalta que vários modelos econômicos, para ele excessivamente otimistas, supunham que a produção de qualquer produto poderia ser estimulada apenas pela demanda e por incentivos.  Segundo o autor, no entanto, o fundamental para compreender tal desigualdade no mundo seria o acúmulo de conhecimento em redes de profissionais: para produzir algo, é necessário aprender.
O papel desse acúmulo não é trivial. Pelo contrário, o conhecimento seria tão “pesado” que seria muito mais fácil, ilustrativamente, retirar lítio do deserto do Atacama e enviá-lo para a Coreia do Sul para produzir bateria de celulares do que enviar cientistas coreanos ao Chile para ensinar mineiros a produzir as baterias.
A difusão do conhecimento seria difícil porque o aprendizado seria “social” e “experiencial” (HIDALGO, 2015):
A natureza experiencial e social do aprendizado não apenas limita o conhecimento que indivíduos podem conquistar, mas também enviesa a acumulação de conhecimento para o que já está disponível nos lugares onde esses indivíduos residem. Isso implica uma acumulação de conhecimento que é geograficamente enviesada.
Vasconcelos (2013) explica que o valor do conhecimento decorre de ele ser non- tradable, isto é, não poder ser comercializado como um bem físico. Ao contrário, a transferência de conhecimento estaria ligada à noção de “conhecimento tácito”, que decorre da própria experiência de trabalho, de anos de aperfeiçoamento e da convivência com profissionais mais experientes.
Tal desigualdade daria ensejo à quantificação das capacidades produtivas de um país, que reflete as diferenças de conhecimento.  É este o propósito do Índice de Complexidade Econômica (ECI).  Para, Britto et al. (2014), economias complexas seriam as economias com elevado nível de conhecimento relevante, presente em amplas redes de pessoas e organizações, capazes de gerar uma diversidade de produtos intensivos em conhecimentos. Já economias menos complexas teriam redes de interações menores e mais simples, com nível baixo de conhecimento e capazes apenas de produzir poucos produtos e produtos mais simples.
Para Hausmann (2012), um indicador de complexidade seria útil não apenas para explicar a “Grande Divergência” na renda per capita de países ricos e pobres, mas também a convergência que alguns países têm conseguido nas últimas décadas (como China e Índia), enquanto outros grandes emergentes ficam para trás (como a Nigéria).

3. O Índice de Complexidade Econômica (ECI)
Como o conhecimento é difícil de mensurar, são necessárias expressões que forneçam informações indiretas sobre a localização onde o conhecimento está presente (Hidalgo, 2015). Essas expressões podem ser patentes, produção industrial ou, na versão mais comum do Índice de Complexidade Econômica, o comércio internacional.
Nesta seção, apresentamos a intuição de como funciona o cálculo do Índice. O Índice de Complexidade é calculado para países (ECI) e para produtos (PCI).
Entendendo a complexidade econômica de um país como a diversidade e sofisticação da estrutura produtividade, um ponto de partida para mensurá-la seria a diversidade de produtos ali feitos.
Já o indicador da complexidade de um produto parte do conceito de ubiquidade, medida de quantos países produzem um determinado bem. Intuitivamente, bens mais ubíquos, produzidos em muitas localidades, seriam menos complexos (exemplo: algodão é mais ubíquo do que aparelhos de radiologia).
Entretanto, nem a diversidade de um país ou a ubiquidade de um produto são suficientes para medir sua complexidade. É possível que um país produza muitos produtos, mas sem sofisticação. É possível ainda que um produto seja pouco ubíquo apenas por ser raro (como urânio), e não por conta do nível de conhecimento de sua produção.  A medida de diversidade é corrigida pela ubiquidade, e vice versa.
Assim, no Índice, a medida de diversidade de um país A é corrigida de acordo com a ubiquidade dos produtos produzidos em A, e corrigida também de acordo com a diversidade presente em países que exportam o mesmo produto. Analogamente, a medida de ubiquidade de um produto B é corrigida pela diversidade de produtos dos países que o exportam, bem como de acordo com a ubiquidade de outros produtos produzidas pelos países que exportam B.
Em verdade, a matriz “país-produto” que gera o Índice de Complexidade considera apenas os produtos que um país possui vantagem comparativa revelada (VCR), conforme o conceito de Balassa (1965). Existe vantagem comparativa revelada quando a participação de um produto na pauta de exportação de um país é maior do que a média internacional (grosso modo, sua participação no comércio mundial). É o caso do minério de ferro ou da soja no Brasil, por exemplo.  Há ainda uma correção para atenuar o impacto de flutuações de preço, com o uso da média dos três anos anteriores a um determinado período. Para quem quiser conhecer mais sobre a formulação matemática do Índice, recomenda-se a leitura de Hausmann et al. (2011).
Hidalgo e Hausmann (2009) defendem que o Índice de Complexidade Econômica vem suprir uma lacuna da pesquisa empírica, considerando que a teoria econômica já atribuía à complexidade papel no crescimento econômico desde a mão invisível de Adam Smith até as teorias de crescimento endógeno de Romer (1990) e Grossman e Helpman (1991).
A lógica por trás do índice é a mesma exposta na seção anterior, que agora recapitulamos:  a prosperidade de um país vem de sua capacidade de criar. Em verdade, este é um conjunto de capacidades de sua população, difícil de difundir no espaço, e que é refletida na diversidade e na sofisticação de sua estrutura produtiva. No Índice, como exposto acima,  a diversidade e a sofisticação da estrutura produtiva, por sua vez, são medidas de acordo com a vantagem comparativa revelada, seguindo as noções de diversidade e de ubiquidade.
Para ilustrar tal lógica, Vasconcelos (2013) reproduz o exemplo de Felipe et al. (2012), que compara Canadá e Vietnã. Inicialmente, o Canadá tem menos diversidade do que o Vietnã: possuía vantagem comparativa revelada em 893 produtos, contra 902 do Vietnã. Os produtos do Canadá são menos ubíquos: na média produzidos em 20 países, contra 25 do Vietnã.  Adicionalmente, o Índice de Complexidade Econômica contempla ainda uma outra interação: a diversidade  dos países que também produzem, ou melhor, têm vantagem comparativa, nestes produtos. O resultado é que em 2013 o Canadá possuía um Índice de Complexidade Econômica de 0.70 (33º entre 186 países), com uma pauta exportadora que inclui em grande medida carros e produtos ligados ao transporte;  máquinas e equipamentos; e produtos químicos. Já o Vietnã tinha um ECI que, embora em alta, era de -0.27 (71º), refletindo uma pauta em que tem grande peso produtos têxteis e vestuário. O Canadá teria uma economia mais complexa, com redes de profissionais e instituições mais capazes de trazer prosperidade.
Desta forma, o Índice confirmaria a crítica de Leontief ao uso exagerado na economia de índices agregados, que desconsideram informação sobre indústrias específicas (Hidalgo, 2015).  Leontief se baseava nas famosas matrizes insumo-produto que lhe renderam um dos primeiros prêmios Nobel em Economia (1973). Já o Índice, contrariamente a essas matrizes, não possui informações ligando diferentes setores. Entretanto, os dados de comércio internacional teriam como vantagem a disponibilidade para muitos países e um amplo período de tempo, além de serem muito mais desagregados: são milhares de produtos, enquanto as matrizes de Leontief se baseiam em algumas dezenas de indústrias (Hidalgo, 2015).
A próxima seção traz outros resultados do índice e analisa suas aplicações, com ênfase no Brasil.

4. Resultados e aplicações
Hausmann e Hidalgo (2011) defendem que o Índice de Complexidade Econômica (ECI) foi capaz de explicar 75% da variação da renda em 75 países de sua amostra. O Índice teria poder explicativo muito maior do que um conjunto de indicadores de governança e qualidade de instituições do Banco Mundial (Worldwide Governance Indicators, WGI) e do que indicadores de educação. Um exemplo ilustrativo seria a trajetória de Gana e da Tailândia: o primeiro investiu mais em educação, enquanto o segundo, com uma estrutura produtiva mais complexa, cresceu mais.
Em verdade, o próprio ECI já refletiria também essas variáveis (instituições e educação). No caso da educação, ao contrário dos indicadores de provas padronizadas, o ECI seria capaz inclusive de refletir habilidades como criatividade e capacidade de trabalhar em equipe, essenciais para complexidade econômica (Hidalgo, 2015). O próprio uso de dados de comércio internacional poderia absorver a qualidade da governança e de instituições, uma vez que até a exportação de frutos frescos requer uma aduana minimamente eficiente, bem como conformidade com padrões sanitários ou fitossanitários internacionais. Seus criadores defendem também que o Índice de Complexidade Econômica refletiria também o capital social presente em um país, o que inclui valores culturais (Hidalgo, 2015).
Concretamente, não é o Índice de Complexidade Econômica por si que apresenta grande poder preditivo, mas o resíduo de uma regressão entre o Índice e a renda per capita dos países. Esse resíduo indica países que estão vivendo acima de suas capacidades, por possuírem renda per capita alta em níveis relativos, quando se leva em conta a sua estrutura produtiva. Por outro lado, indica também países com potencial para crescer, ou seja, aqueles que ainda possuem uma renda relativamente baixa para uma estrutura produtiva razoavelmente desenvolvida.  O resíduo seria preditivo da trajetória dos países em médio e longo prazo (HIDALGO, 2015):
É interessante notar que a complexidade econômica não prevê o crescimento econômico acuradamente para escalas de tempo pequenas, de menos de cinco anos. Esses tendem a ser dominadas por flutuações causadas por períodos de crise, mudanças nos preços dascommodities, e em alguma extensão variações das taxas de câmbio. Durante períodos de tempo mais longo (dez a quinze anos), a complexidade econômica é altamente preditiva do crescimento econômico futuro, significando que essas medidas capturam informação da capacidade de uma economia de gerar renda no longo prazo.
Hausmann (2012) exemplifica a lógica da comparação da renda per capita com a complexidade usando os casos de Grécia e Índia. Em 2013, estes países tinham ECI próximos: 0.27 para Grécia (48º do mundo) e 0.26 para a Índia (50º). No entanto, a Grécia é significativamente mais rica do que a Índia em termos per capita. Mesmo em 2014, anos depois do início da grave crise grega, o país possuía uma renda per capitaque era a 44ª do mundo, quatro vezes maior do que a indiana (125ª do mundo apenas, segundo dados do FMI).
De fato, a Índia tem crescido velozmente, enquanto a Grécia se encontra em uma crise prolongada desde 2009. A discrepância da renda per capita em relação aos índices de complexidade indicaria que a Grécia está vivendo acima do que seria possível no futuro, enquanto a Índia possuiria enorme potencial de crescimento. Para Hidalgo (2015), o conjunto de produtos que um país exporta seria altamente preditivo do nível futuro de sua renda porque indica o conhecimento presente em uma sociedade hoje que contribuirá para o seu nível de prosperidade amanhã. Em Hidalgo e Hausmann (2009), a ligação entre complexidade e crescimento, como no caso da Índia, é atribuída ao potencial que um país tem no futuro de desenvolver todos os produtos que são factíveis para o seu conjunto de capacidades.
Já o Brasil possuía em 2013 um índice de 0.15, o 56º do mundo. Este seria um avanço de 21 posições desde 1964, mas um retrocesso de impressionantes 32 posições desde 1993 (20 anos antes) ou de 13 posições desde 2003 (10 anos antes), que coadunaria com a tese de desindustrialização da economia brasileira. Trata-se de trajetória oposta à da China, que em 1994 estava quase 20 posições atrás do Brasil, mas nos últimos 20 anos saltou quase 30 posições, chegando ao 22º maior índice de complexidade. Os dois países praticamente trocaram de lugar em duas décadas.
Para Hausmann (2012), a convergência que China ou Índia tem experimentado ocorreu porque a produção em cadeias globais de valor permitiu que países menos desenvolvidos fossem pouco a pouco entrando na produção de bens mais sofisticados, permitindo que as capacidades fossem se acumulando. Este processo gradual seria vantajoso, uma vez que seria difícil dar um grande salto de uma vez de uma estrutura pouco complexa para uma muito complexa.
Em 2013, os dez países com maior Índice de Complexidade Econômica, seriam, em ordem, Japão, Suíça, Alemanha, Suécia,      Reino Unido, República Tcheca, Coreia do Sul, Finlândia, Áustria e Singapura. Na América Latina, estariam na frente do Brasil: México (23º), Panamá (44º), Uruguai, (52º), Argentina (53º), Colômbia (54º) e Costa Rica (55º). Outros emergentes que também estão na frente do Brasil incluem China (22º), Tailândia (29º), Malásia (34ª), Rússia (38º), Turquia (40º), África do Sul (45º), Filipinas (49º), e Índia (50º).

Gráfico 1 – Posição do Brasil no ranking de complexidade econômica – 1964-2013
Fonte: The Observatory for Economic Complexity (OEC). Disponível em: http://atlas.media.mit.edu/en/.

Em 2013, o Brasil estava na mesma colocação que estava 40 anos antes – vide gráfico acima. Neste sentido, a perda de complexidade da economia brasileira a estaria tornando menos “adaptável”, com menor potencial para usar uma nova habilidade (Britto et al., 2014). Britto et al. afirmam que a perda de competitividade da indústria brasileira nos últimos anos foi concentrada nas indústrias manufatureiras de média de tecnologia (MMT) e de baixa tecnologia (MBT).
Já Vasconcelos (2013) analisa o período quando a complexidade da economia brasileira esteve crescendo, concluindo que tiveram grande importância os períodos do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), do milagre econômico e do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).  Tais períodos teriam sido bem sucedidos, não em investir nas vantagens comparativas do país, mas em mover a estrutura produtiva ao centro do espaço de produtos – conceito que será apresentado a seguir.  Por ora, o centro do espaço de produtos é onde estariam os produtos mais sofisticados, com maior potencial de encadeamento (a la Hirschman).
Segundo o Atlas de Complexidade Econômica de 2011, os produtos mais complexos pertenciam aos grupos de máquinas e equipamentos ou química (como utensílios que fazem uso de radiação ou raios-X), enquanto os produtos menos complexos eram commodities como petróleo bruto, minério de estanho, algodão e grãos de cacau.
Para o Brasil, o portal DataViva3, criado por uma série de organizações e com o apoio do Governo de Minas Gerais, traz uma grande quantidade de informações para estados e municípios. Em 2014, as economias mais complexas seriam as de São Paulo (com ampla margem), Rio de Janeiro e Amazonas, enquanto as menos complexas as de Bahia, Pará e Santa Catarina4. O Gráfico 2, abaixo, relaciona os dados de complexidade de 2014 com os dados o PIB per capita em 2013.

Gráfico 2 – Índice de Complexidade e PIB per capita, por unidade federativa.

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do DataViva e do IBGE.

O Gráfico revela que, embora o índice de complexidade seja muito similar para os estados brasileiros (com a exceção do outlier São Paulo), o PIB per capita diverge muito. As unidades federativas (UF) destacadas são algumas daquelas que, segundo a lógica apresentada anteriormente, teriam maior ou menor potencial para crescer no médio e no longo prazo, de acordo com a sua posição em relação à linha de regressão.
Nesse sentido, as UF que teriam menor potencial para crescer no futuro, por já terem um nível de renda elevado face à sua estrutura produtiva, seriam o Distrito Federal e estados muito dependentes decommodities como o Rio de Janeiro (petróleo), Espírito Santo (petróleo e minério de ferro) e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul (soja, carne). Por outro lado, se esperaria crescimento mais acelerado, no médio e longo prazo, para cinco estados nordestinos: Piauí, Maranhão, Alagoas, Paraíba e Ceará, que possuem um PIB per capita bem abaixo de outros estados com complexidade semelhante.  Note que isto não quer dizer que estes estados liderariam o crescimento do país, mas teriam grande potencial para convergir partindo de seus níveis atuais de PIB per capita, que são muito baixos.
Gráfico análogo é apresentado abaixo para países, enfatizando a posição do Brasil, e de Grécia e Índia, países comparados anteriormente.

Gráfico 3 – Índice de Complexidade e renda per capita (log) por país – 2008


Fonte: Hausmann et al. (2011).

5. O espaço de produtos
Os criadores do Índice de Complexidade Econômica também apresentaram outra interessante ferramenta para analisar a economia de um país: o espaço de produtos, disponível para dezenas de países na página do Atlas de Complexidade Econômica. Ainda de acordo com os dados de comércio exterior, o espaço de produtos permite visualizar a estrutura produtiva de uma economia em apenas uma figura. No espaço, cada ponto corresponde a um produto, que pode estar ligado a um outro ponto, ou a vários outros pontos, de acordo com a probabilidade que os produtos têm de serem exportados conjuntamente (o que reflete a conexão na produção deles). Assim, produtos mais complexos tendem a ter várias ligações e se situar no meio do espaço, como máquinas e equipamentos, químicos e metais processados, enquanto commoditiestendem a ficar na periferia do espaço.
O espaço de produtos é o mesmo para todos os países, e foi gerado computacionalmente a partir dos dados de comércio exterior, sem que tenha sido necessário fazer qualquer hipótese a respeito dos produtos ou das indústrias. O que muda, de país para país, é o destaque dado para os produtos em que existe vantagem comparativa: eles aparecem coloridos e serão tão maiores quanto maior for o seu peso no comércio. As cores diferentes se referem a indústrias diferentes, escolhidas pelos pesquisadores que o criaram (ex: tons de azul se referem a máquinas ou eletroeletrônicos, a cor rosa se refere a químicos).
As Figuras 1 e 2 apresentam o espaço de produtos da economia brasileira em 1963 e em 2013.
Figura 1 – Espaço de produtos – Brasil (1963)

Fonte: The Observatory for Economic Complexity.

Figura 2 – Espaço de produtos – Brasil (2013)

Fonte: The Observatory for Economic Complexity.

Neste período, a estrutura produtiva foi migrando ao centro do espaço de produtos, ilustrando a vantagem comparativa em produtos mais complexos, como caminhões e tratores. No entanto, um dos principais produtos do país (revelado pelo tamanho do ponto) é a soja, em cor bege e abaixo, um produto que seria periférico, com poucas conexões com outros produtos e baixo potencial para desenvolver novas indústrias.  Já a Figura 3 apresenta o espaço de produtos da China em 2013.

Figura 3 – Espaço de produtos – China (2013)

Fonte: The Observatory for Economic Complexity.

A página do Atlas mantida pelo Observatório de Complexidade Econômica do MIT, bem como o DataViva para o caso brasileiro, permitem visualizar com detalhes o espaço de produto de vários países.

6. Considerações finais: complexidade e política industrial
Com base em instrumentos como o Índice de Complexidade Econômica e o espaço de produtos, a pesquisa em complexidade daria ensejo a prescrições de política industrial que lembram muito a pesquisa de autores considerados heterodoxos, apesar de ter       florescido em centros como MIT e Harvard.
Hidalgo e Hausmann (2009), explicitamente retomando as ideias de Albert Hirschman, defendem uma estratégia de desenvolvimento que promova produtos de modo a criar incentivos para o acúmulo de mais capacidades. Essas capacidades adicionais poderiam sucessivamente trazer mais produtos e mais capacidades. Isso equivaleria, no espaço de produtos, a tentar chegar mais próximo do núcleo, por meio do caminho menos arriscado, conforme as vantagens comparativas reveladas atuais. Conforme o espaço de produtos, a ênfase em commodities levaria a becos praticamente sem saída.  Já Hausmann (2012) defende uma política industrial que invista em indústrias mais parecidas com as que  existem em um país.

A discussão sobre política industrial no Brasil esteve repleta de controvérsias nos últimos anos, com destaque para temas como a política de “campeões nacionais” e a desindustrialização. Instrumentos como o Índice de Complexidade Econômica ou o espaço de produtos permitiriam uma análise mais criteriosa sobre os setores de nossa economia, o que poderia ser útil até mesmo para aqueles que defendem uma política industrial mais agressiva e menos horizontal (o que tende a ser mais caro à “heterodoxia”). Para qualquer ponto de vista neste debate, a pesquisa sobre complexidade de Hidalgo e Hausmann, aqui apresentada, parece promissora por fornecer para a discussão insumos com bases mais empíricas.


Por Pedro Fernando Nery - Doutorando e Mestre em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado da área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência.