segunda-feira, 2 de junho de 2014

O exoesqueleto e a Copa

 Nicolelis: Chute inicial na Copa é 'passo simbólico para pacientes com paralisia'

Miguel Nicolelis (BBC)
Miguel Nicolelis comanda um esforço internacional para criar o exoesqueleto
 
No dia 12 de junho, quando o Brasil estrear na Copa do Mundo contra a Croácia, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis terá em mente uma preocupação maior do que o resultado da partida.
 
Nicolelis está à frente do projeto da construção de um exosqueleto que pode ser controlado com a mente - e será na abertura do Mundial que o invento será exibido ao mundo, quando um paciente usando a máquina dará o chute inicial do campeonato.

A vestimenta robótica é voltada para paraplégicos. O objetivo é fazer com que os pacientes voltem a andar.

Apesar do ceticismo em torno da missão, o cientista está tranquilo e confiante. Em entrevista à BBC Mundo, ele diz que um dos oito pacientes que estão sendo treinados para a demonstração já conseguiu fazer o exoesqueleto chutar uma bola.

"Mas este será apenas o primeiro passo simbólico", afirma.

BBC Mundo - Como funciona o exoesqueleto?

Miguel Nicolelis - É uma vestimenta robótica que pode ser controlada pela atividade cerebral do paciente, captada por meio de uma touca com sensores aplicados ao couro cabeludo. Ele ainda dá um retorno tátil ao usuário quando começa a a se movimentar. Sinais gerados por sensores são transmitidos para um vibrador aplicado ao braço do paciente. Dessa maneira, quando o exoesqueleto pisa no chão, o vibrador estimula a pele.

Assim, o paciente começa a interpretar o estímulo no braço como um sinal de que o exoesqueleto encostou no chão. O mesmo ocorre quando a perna do paciente está no ar, se movendo. A flexão do joelho gerada neste movimento é transmitida ao braço do paciente por uma sequência de estímulos vibratórios. Com a prática, o cérebro passa a associar os movimentos a essa vibração, e o paciente começa a desenvolver uma sensação de que está caminhando novamente.

O que vai acontecer no dia 12?

Nicolelis - Não posso dizer nada porque nem sei ainda as especificações da demonstração, só que será um dos oito pacientes que estamos treinando. Ele têm mais de 20 anos. O mais velho tem por volta de 35 anos, mas não temos ainda nenhuma definição além disso.

Como é esse treinamento?

Nicolelis - Começamos o treinamento em novembro, num simulador em um laboratório em São Paulo. Todos se mostraram capazes de realizar a atividade mental necessária para movimentar o exoesqueleto. Nos últimos dias, os primeiros quatro pacientes entraram no exoesqueleto e deram seus primeiros passos.

Há dez dias, o primeiro paciente conseguiu chutar uma bola como havíamos planejado. Então, do ponto de vista científico, clínico e tecnológico, já cumprimos os objetivos que nos propusemos: o exoesqueleto esta sendo controlado por atividade cerebral e está dando retorno na forma de sinais para o paciente.

Agora, estamos trabalhando na fase final do treinamento dos pacientes. Mas quero enfatizar que é só o começo. Nossa proposta sempre foi criar essa tecnologia e fazer a demonstração na abertura da Copa. No entanto, o evento é apenas o primeiro passo simbólico dessa nova abordagem para cuidar de pacientes com paralisia grave.

Que mensagem o senhor quer passar às bilhões de pessoas que assistirão à demonstração?

Nicolelis - Que a ciência e a tecnologia podem ser agentes de transformação social e podem ser usadas para aliviar o sofrimento e as limitações de milhões de pessoas mundo afora. Neste caso específico da paralisia, estamos chegando muito perto de oferecer soluções terapêuticas para que esses pacientes. Assim, se houver investimentos e apoio político, esse tipo de tecnologia pode melhorar dramaticamente a qualidade de vida destas pessoas.

Essa demonstração passará uma imagem positiva do Brasil?

Nicolelis - Esta é também a nossa intenção: mostrar um outro Brasil ao mundo. Mostrar que aqui também se pode fazer grandes projetos científicos com grande impacto humanitário e que existe um outro país além do estereótipo, que poucos conhecem. Um país que cresceu muito nos últimos anos, melhorou a vida de muita gente, mas que ainda pode fazer coisas muito impressionantes não só para os brasileiros, mas para todo o mundo.

Como funciona o instituto que o senhor criou em Natal e que muitas pessoas na América Latina ainda não conhecem?

Nicolelis - O Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra é uma tentativa iniciada há dez anos de usar neurociência de ponta como agente de transformação social da periferia de Natal e de uma outra comunidade chamada Macaíba.

É um modelo completamente diferente de fazer ciência, onde ela está a serviço de questões sociais locais. Nesses locais, não só desenvolvemos atividades de pesquisa, mas também mantemos escolas de educação científica para mais de 1.500 crianças no momento, além de realizar atendimento materno-infantil e pré-natal, com mais de 12 mil consultas por ano. Assim, mostramos que grandes empreendimentos científicos podem ser deslocados para regiões pobres no Brasil e no exterior e incentivar seu desenvolvimento social.

Algumas pessoas criticam seu projeto ao dizer que a demonstração pode acontecer, mas que a tecnologia só estará disponível daqui a muitos anos. Como o senhor responde a isso?

Nicolelis - Não fui criticado por nenhum cientista que respeite ou que tenha conhecimento profundo da área em que nos trabalhamos. O mesmo ocorreu há quinze anos, quando criamos no laboratório a área de interface cérebro-máquina.

Na época, algumas pessoas disseram que jamais chegaríamos ao ponto em que estamos hoje. Para ter esse exoesqueleto disponível no futuro, temos que começar em algum lugar, e é exatamente cientistas do mundo inteiro que fazem de nossa equipe estão fazendo: demonstrando que o conceito é factível.

A ciência progride assim. Evidentemente, ele pode ser aperfeiçoado daqui em diante, mas ninguém imaginava que chegaríamos a uma solução em quinze meses, que foi o temos que nos tivemos para realizar esse projeto. E achamos que a Copa era uma ótima oportunidade de fazer isso. Será um fio de esperança para milhões de pessoas.