quinta-feira, 12 de junho de 2014

O buraco negro que na educação separa qualidade de quantidade II


Quando o assunto é educação, as avaliações e os indicadores tem enfatizado nossa indigência.

As pesquisas – sejam as efetuadas pelo MEC, sejam as promovidas por organismos internacionais - registram a mediocridade em que se encontra o sistema de ensino brasileiro, sobretudo, no que se refere à qualidade.
Cerca da metade dos alunos brasileiros situados na faixa etária dos 15 anos, estão no chamado nível 1 de alfabetização, indicador estabelecido pela Unesco para classificar a performance dos estudantes. Neste patamar estão aqueles que mal conseguem efetuar leitura e interpretação de textos.

O Todos pela Educação¹ estima que 34% dos alunos que chegam ao 5º ano de escolarização ainda não conseguem ler. E mais: 20% dos jovens que concluem o ensino fundamental, e que moram nas grandes cidades, não dominam o uso da leitura e da escrita.
A meta de alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade continua uma miragem, longe de ser alcançada. Quanto ao IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica criado em 2007 para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino - amargamos, numa escala de 0 a 10, uma pontuação de 4,6; com o governo aspirando alcançar a média 6 somente no ano de 2022.

Em uma pesquisa de 2009, o IBOPE identificou que o analfabetismo funcional de pessoas entre 15 e 64 anos é de 28%.
Não acabou. Em 2009, apenas 10% dos estudantes no 9º ano do fundamental tinham aprendizado adequado em matemática. A evolução desse quesito entre 2007 e 2009 foi de apenas um ponto percentual, e cinco estados ficaram estagnados.


No questionário da Prova Brasil² de 2009, entre as respostas dos professores, só 33% de quase 160 mil docentes afirmaram ter conseguido desenvolver mais de 80% do conteúdo curricular na sala de aula. Na sala de um em cada cinco professores, os alunos deixaram de ver pelo menos 40% da matéria esperada durante o ano letivo.
Com um quadro tão desolador, o resultado não poderia ser diferente: entre 65 países avaliados no quesito educação (PISA), o Brasil ocupa a 53ª posição. 

A situação é insustentável: metade dos alunos brasileiros com bom aproveitamento acadêmico, que desde sempre estiveram na escola, não dominam a língua pátria e são incapazes de extrair dos textos seus significados. Passam quase dez anos na escola regular sem quase nada aprender. É uma pantomina em que todos se enganam mutuamente: o estado presta contas divulgando inaugurações de ‘novas’ e ‘mais modernas’ escolas, os pais contentam-se com um espaço onde possam encostar os filhos, qualquer espaço - desde que distante da violência das ruas [como se isso fosse possível] - e os alunos acomodam-se na ignorância, que não exige esforço, estudo, trabalho... E o país amplia a distância que o separa do bloco desenvolvido.
Para construirmos uma nova realidade para a educação, urge entendermos o caos em que nos encontramos. É o primeiro passo, identificar com precisão nossos problemas para que tenhamos condições de encará-los de frente, estabelecendo políticas, diretrizes e estratégias que os conformem aos objetivos e metas necessários. Para criar um país desenvolvido, em que as oportunidades e a justiça sejam patrimônio de todos, será preciso muito mais.

As edificações destinadas ao ensino carecem de reformas, adequações e principalmente, um novo conceito. Estes espaços devem ser reconcebidos. As salas de aula convencionais não mais respondem às necessidades contemporâneas. O espaço em que interagem professor e aluno deve se ampliar para todo o espaço de convivência comunitária. As ruas, praças e demais logradouros e equipamentos públicos devem ser extensões de nossas salas de aula. Todo o ambiente que nos envolve deve ser utilizado como salas de aula, laboratórios de pesquisas e oficinas de aprendizagem. A realidade é que a escola sempre funcionou como uma instituição externa à sociedade. Sobretudo neste momento em que a violência urbana as tem tangido para o isolamento. Muralhas de concreto armado, cercas eletrificadas, sistemas de monitoramento eletrônico, cães de guarda... vultosos investimentos que deveriam se destinar à área pedagógica, são carreados para o setor de segurança.
 
De igual modo, os conteúdos ministrados estão defasados, mostram-se inteiramente inadequados. Os assuntos são tratados de forma cartesiana e mecânica, de modo que não exercem fascínio, não encantam os alunos. Agrava o quadro o sistema adotado de remuneração dos professores: salários miseráveis que retiram de um dos principais atores deste processo, o estímulo. Pior, afeta de maneira irremediável a autoestima dos educadores.

Mesmo nas searas onde se obtêm êxitos e vitórias, como o programa social que incentivou a matrícula de 98% de crianças entre 6 e 12 anos, envergonha a alma nacional saber que 731 mil crianças ainda estão fora da escola (IBGE).
Apesar dos crescentes investimentos, as conquistas acontecem numa velocidade muito aquém das necessidades.  Nos idos de 1940, a taxa de analfabetismo se situava em torno de 65,1% da população com mais de 15 anos de idade. No ano de 2000, esta taxa era de 13,6%. São indicadores vergonhosos, mas sinalizam que é possível avançar quando há vontade política e determinação.

O congresso acaba de aprovar o PL 8035/10, o Plano Nacional de Educação, estipulando 20 metas para os próximos dez anos, entre elas a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto - PIB - em educação: um mínimo de 7% do PIB no quinto ano de vigência da futura lei; e 10% do PIB ao fim do período de dez anos. Ajudará? Na atual toada, não.
Imagine, caro leitor, a seguinte situação: o tanque de combustível do automóvel furado e o sabe-tudo discursando: “mais gasolina; coloquem mais gasolina; entreguem-me mais recursos; com mais dinheiro para adquirir combustível, alcançaremos nosso destino”.

É o que vem ocorrendo no país. A corrupção sangra a nação, numa hemorragia capaz de nos levar rapidamente a óbito. Não estancando a sangria, não combatendo a corrupção, não trancafiando os larápios na cadeia, esses 10% do PIB destinados à educação, acabarão nos paraísos fiscais, untando de ouro e safira os nababos que – qual ratazanas – corroem o tesouro público.
A palavra de ordem é qualificação da gestão, não outra.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos.

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¹Todos pela Educação: Movimento da sociedade brasileira cuja missão é contribuir para que até 2022 - ano do bicentenário da Independência - todas as crianças e jovens tenham Educação Básica de qualidade
²Prova Brasil (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar – Anresc): trata-se de uma avaliação censitária envolvendo os alunos da 4ª série/5ºano e 8ªsérie/9ºano do Ensino Fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e federal, com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas. Participam desta avaliação as escolas que possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nas séries/anos avaliados, sendo os resultados disponibilizados por escola e por ente federativo.