Mundo chega a 8 bilhões de habitantes na próxima semana
Estimativas da ONU atualizadas em julho projetam que no próximo dia 15, uma terça-feira, o mundo alcançará seu novo bilhão de habitantes. A marca vem acompanhada de avanços significativos, mas também do aprofundamento de desigualdades que transparece nos números.
É o que o demógrafo
brasileiro José Eustáquio Alves chama de fosso demográfico: "Há uma grande
parte do mundo onde a população está diminuindo, envelhecendo e com taxa de
fecundidade baixa; outra segue crescendo muito, com alta fecundidade e 'bolhas
de jovens'."
A desigualdade entre
continentes e mesmo dentro deles faz com que cada país vivencie a
superpopulação global de forma distinta. Para alguns, as cifras prenunciam
diminuição da mão de obra economicamente ativa, para outros o desafio é lidar
com o "boom" habitacional sem dispor de infraestrutura.
Ao longo das últimas
cinco décadas, indicadores importantes melhoraram ao redor do planeta. A
expectativa média de vida global cresceu —de 57,6 para 73,4 anos—, e a
mortalidade infantil caiu —de 93,4 a cada mil nascidos vivos para 26,7. Mas a
média diz pouco sobre a realidade de cada parte do globo.
Os exemplos se avolumam.
Quatro dos cinco países nórdicos —Islândia, Finlândia, Noruega e Suécia— estão
entre as dez nações com menor mortalidade infantil, todos abaixo de 2 mortos a
cada mil nascidos vivos. Já na Nigéria, morrem 70 a cada mil crianças nascidas
vivas, de acordo com números da ONU.
O país da Costa Oeste
da África tem recebido cada vez mais atenção dos especialistas. Hoje o sexto
mais populoso do mundo —desbancou o Brasil neste ano—, a Nigéria, mostram as
projeções atuais, pode superar EUA, Paquistão e Indonésia e se tornar a
terceira nação mais populosa do mundo em 50 anos.
Uma das mais afetadas
pela crise climática no continente, convive com o desafio de acomodar tamanha
população diante de eventos que diminuem cada vez mais o tamanho de áreas
habitáveis. E, não bastasse a mortalidade infantil, nigerianos têm a segunda
menor expectativa de vida do planeta: apenas 53,9 anos.
O volume
populacional, em boa parte, deve-se à taxa de fecundidade. Com cinco
nascimentos por mulher, a Nigéria tem uma das taxas mais altas do mundo. Na
média global, o índice atual é de 2,3 nascimentos por mulher, cifra que
corresponde a pouco mais da metade do observado há cinco décadas, 4,4.
Na China, o desafio é
o oposto. Por décadas o país mais populoso do mundo, a potência asiática entrou
em decréscimo populacional neste ano, indica a ONU, e tenta agora reverter o
cenário. Com taxa de fecundidade de 1,1 (menos da metade da mundial), o país,
que por muito tempo incentivou o controle populacional por meio da chamada
política do filho único, quer hoje famílias mais amplas.
Bela Hovy, chefe de
publicações da divisão de população das Nações Unidas, credita à queda global
da taxa de fecundidade um dos principais avanços das últimas décadas. Mas
lembra como a questão ainda é um desafio para partes significativas do globo.
"Países da África Subsaariana devem contribuir com mais da metade do
crescimento populacional até 2050 [quando, diz a ONU, chegaremos a 9,6
bilhões]. Há um grande desafio para países menos desenvolvidos atingirem um desenvolvimento
sustentável."
Mas o principal
desafio ecoado pela marca de 8 bilhões talvez seja, para Hovy, a solidariedade
global. "Se garantirmos ajuda para que esses países atinjam metas como
acesso a saúde materna e mais educação a mulheres [49,7% da população global],
será possível pensar em diminuir o crescimento populacional."
Helena Cruz
Castanheira, demógrafa da divisão de população da Cepal (Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe), chama a atenção para o período de transição
demográfica que quase todo o mundo vivencia —a fecundidade cai, assim como a
mortalidade, e, por óbvio, a expectativa de vida aumenta, fazendo com que haja
uma boa parcela de população com idade economicamente ativa.
Mas aí também mora a
desigualdade. "A transição demográfica é uma janela de oportunidade para
desenvolvimento socioeconômico, mas isso não é automático. É preciso que
ocorram transformações sociais significativas: acesso a educação e distribuição
de riqueza. Se todas as mulheres estão fora da força de trabalho, ou se não há
alta produtividade, a janela de oportunidade apenas se fecha."
Há 11 anos, quando,
para as estimativas da época, o mundo completou 7 bilhões, muitos dos desafios
colocados à mesa eram os mesmos de hoje. Mas se destacava a dúvida sobre a
capacidade de o planeta produzir recursos para sustentar, com qualidade, tanta
gente.
Questionado sobre se
já temos uma resposta, Hovy resume: "Temos tecnologia e recursos
renováveis para um futuro sustentável. A maior questão é a vontade política. O
padrão atual não é sustentável. Se não mudarmos nosso modo de agir, teremos
desafios ainda maiores para suportar até 10 bilhões de pessoas."
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