quarta-feira, 23 de junho de 2021

Lei de licenciamento esbarra em controvérsias

 


Única convergência é que nova legislação precisa tornar processo mais simples, racional e rápido

 

A lei de licenciamento ambiental que tramita no Congresso tem uma única convergência e uma dezena de controvérsias. Todas as partes concordam que a lei deve garantir simplificação e racionalização dos processos, além de prazos mais breves para o licenciamento. Há três pontos críticos no texto que está no Senado, na visão de ambientalistas. O primeiro é a licença por adesão e compromisso, entendida como um autolicenciamento do empreendedor. O segundo nó é delegar decisões a órgãos estaduais sem regulamentos federais mínimos. Por fim, a dispensa de licenciamento a atividades com potencial de dano.

Esses pontos foram debatidos há alguns dias no webinar 'Mudanças na lei de Licenciamento Ambiental: é necessário aprofundar o debate', promovido pela Fundação FHC. O texto do projeto de lei que dispõe sobre o licenciamento ambiental foi discutido pela ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, por Suely Araújo, ex-presidente do Ibama (20162018), e pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), ex-ministra da Agricultura e a atual relatora do projeto.

A Câmara aprovou em maio a proposta que altera os procedimentos para o licenciamento ambiental (PL 3279/04) e o texto seguiu para análise no Senado. Foram 300 votos a favor e 122 contra. É um projeto de grande complexidade e impacto econômico, que desperta lobbies e controvérsias.

A discussão sobre a lei do licenciamento ambiental foi iniciada em 2004 pelo ex-deputado constitucionalista Fabio Feldmann. Desde então surgiram mais de duas dezenas de textos. 'Acho importante não só modernizar o licenciamento como as práticas de gestão ambiental pública no Brasil', defende Izabella Teixeira. 'Mas modernizar não significa criar um regime geral de exceção do licenciamento com forte ênfase em aspectos como autolicenciamento, uma novidade até então não debatida do ponto de vista legal, técnico e de procedimentos. '

'O processo estabelecido na Câmara se revela absolutamente insuficiente. Não houve construção nem consulta, não se dialogou, não negociou, não se entendeu a dimensão dos problemas que estão sendo apontados', seguiu a exministra. 'Não se negociou com a sociedade para criar convergência. O PL remete a uma situação de insegurança jurídica. '

'Este projeto tramita no Congresso há 17 anos. Passou da hora de fazermos a lei do licenciamento', rebate a senadora Kátia Abreu. 'Não podemos sonhar que o controle absoluto de tudo vai proteger. Não vai. Vai provocar a ilegalidade e a corrupção. '

A senadora 'vê com simpatia' a ideia de uma agência reguladora de meio ambiente, uma agência nacional de licenciamento. 'As agências têm o mérito de normatizar o país inteiro', defendeu. No desenho que tem em mente, a agência 'teria pessoas eleitas, com mandato para ter independência e distanciamento das corporações'.

Suely Araújo listou o que considera oito retrocessos do texto da Câmara. Os problemas mais graves do licenciamento não estão nas atividades agropecuárias, mas nos projetos de infraestrutura.

O texto prevê Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC). 'Este tipo de mecanismo tem sido adotado por alguns Estados, mas para empreendimentos de baixo impacto, de baixo risco e muito repetitivos', explica Suely Araújo. No caso do Distrito Federal, por exemplo, a LAC tem sido adotada combinada com o zoneamento ecológico e econômico, que faz um planejamento de longo prazo e do território. À licença mais simples é admitida em situações excepcionais.

A LAC é a única forma de licença que não tem entrega de estudo de impacto ambiental. 'Na forma como está no texto, a LAC vira uma excrecência jurídica, é o único termo que encontro pra descrever o que foi escrito na Câmara. Vira um relatório de caracterização do empreendimento, que, pelo texto, nem sequer será conferido. É uma ficha na internet, que o empreendedor vai preencher e o órgão ambiental nem sequer vai conferir o que está lá', diz Suely, hoje pesquisadora sênior do Observatório do Clima, rede de ONGs voltada à temática climática.

'O problema é que se elimina o coração do licenciamento, que é a avaliação de impacto', segue ela, uma especialista no tema. 'O problema não é a licença, que é um papel. O problema é o estudo que se faz, e que vai virar exceção. Isso gera o autolicenciamento. '

Um levantamento feito no Distrito Federal mostrou que das 2. 000 licenças hoje em curso, só dez têm Estudo de Impacto Ambiental, as outras 1. 990 estão em LAC. 'Isso significa implodir a avaliação de impacto no país, inclusive para atividades industriais' Na prática, segundo ela, órgãos ambientais não saberão que tipo de efluente líquido ou gasoso está sendo emitido, como foi definido o projeto de instalação de uma indústria, se ela deveria estar naquele local ou a 100 metros de distância. O texto, considera Suely, 'da forma que está abrange desde a indústria da periferia de uma zona industrial até uma Belo Monte'.

'Estamos voltando a uma época em que tínhamos no polo industrial de Cubatão [SP], crianças nascendo todos os dias com anencefalia em função do impacto da poluição industrial nas gestantes', diz ela. 'O licenciamento tem problemas, precisa ser corrigido, mas não pode ser tido como a 'Geni', responsável por todos os problemas do país', diz ela, citando a canção de Chico Buarque 'Geni e o Zepelim'.

Suely rebateu os argumentos que projetos de estradas e linhas de transmissão de energia ficam anos paradas aguardando licenças do Ibama. Citou o caso da pavimentação dos 400 km que faltam da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho e já foi asfaltada nas duas pontas. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) entregou o Estudo de Impacto Ambiental há dez anos, mas não foi aceito. 'Levaram dez anos para entregar outro EIA e falavam que a licença tinha problemas no Ibama. Não estava, não havia EIA. Estava parado no Dnit, que não se interessava pelo asfaltamento da rodovia, porque a hidrovia é mais barata para transportar carga. '

Os ambientalistas dizem que, embora o licenciamento venha sendo debatido desde 2004, o texto aprovado pela Câmara só foi liberado para o público quatro dias antes da votação.

Outro ponto complicado é que o texto delega ao licenciador uma série de decisões, sem previsão de parâmetros nacionais, diz Suely. 'Isso trará mais corrupção. ' O Ibama, diz, concede 600 licenças ao ano. 'Qualquer secretaria estadual dá vários zeros a mais do que isso. '

Acrítica é que o texto transfere a Estados e municípios a definição do que precisa ou não ser licenciado. Na interpretação ambientalista, torna exceção o que deve ser licenciado - o projeto ganhou o apelido de 'a boiada das boiadas'. Entendem ainda que criará uma guerra ambiental entre Estados.

Kátia Abreu discorda, embora diga que 'órgão ambiental virou lugar de arrecadar dinheiro para corrupção'. Ela se coloca a favor da estadualização e municipalização das licenças, com órgãos públicos fortes de controle, como o Ministério Público Estadual e Federal. 'A maioria é honesta, acredito eu. '

Para Izabella Teixeira, 'o recado político que vem do Congresso e da sociedade, com todas as suas contradições, é que precisa sim, urgentemente, equacionar a questão do licenciamento. Temos que aperfeiçoar a lei. '. 'É o momento de negociar. Temos que construir soluções e que não levem a um quadro de intensa judicialização', continua a exministra. 'Seria a pior receita. '

Outro ponto polêmico do texto é a dispensa de muitas atividades e empreendimentos como estações de tratamento de esgoto. 'Claro que estação de tratamento de esgoto é importante. O país está na Idade Média de tratamento de esgotos. É vergonhoso o que temos. Coletamos só uma parte e tratamos metade? É superimportante ter estação de tratamento de esgoto', diz Suely.

'O que não quer dizer que ela pode ser instalada em qualquer local. É preciso ver a tecnologia que irá usar para tratar os efluentes, ver se pode ser construída em determinado local. Pode ter licença simplificada, mas licença tem que ter. Não pode estar na lista de isenção', pontua a ex-presidente do Ibama.

Outro problema é o texto ser vago e permitir ameaças ambientais nas lacunas. 'O texto menciona dispensa para melhoramentos de infraestrutura préexistente. Esta redação genérica abrange desde melhorias em um bueiro de rodovia até o alteamento de uma hidrelétrica do Madeira, alerta Suely Araújo.

Ela também disse que os dispositivos que tratam das populações indígenas e quilombolas são inconstitucionais. 'O texto diz que só terão atenção no licenciamento se estiverem em terras indígenas homologadas e terras quilombolas tituladas. Mais de 80% das terras quilombolas não estão tituladas. O texto chama a judicialização', alerta.

Em sua fala, a senadora Kátia Abreu descreveu a corrupção que contamina o processo de licenciamento, a falta de transparência e agilidade dos órgãos ambientais.

Suely Araújo concorda. 'Tem que ter transparência e regras claras. 100% do licenciamento tem que estar na internet, com exceção do sigilo industrial. A solução é muita transparência. Ajuda a controlar a corrupção. '

Para Izabella Teixeira, a área ambiental tem que 'reconhecer suas insuficiências e a necessidade de mudança. Não é agindo como se tudo fosse intocável. Tem que encontrar soluções', ponderou. 'Ninguém aqui está dizendo que não se deve fazer aperfeiçoamento do licenciamento, mas o PL que está colocado é insuficiente. '

'O Brasil discute sempre direitos, mas não discute deveres. O empreendedor, a sociedade civil, a Justiça têm direitos e deveres', seguiu a ex-ministra do Meio Ambiente. 'O licenciamento, a avaliação de impacto ambiental é um instrumento de democracia. Temos que entender como colocar tudo isso nos desafios contemporâneos do Brasil e não passar a régua', afirmou Izabella.

Tanto Izabella como Suely reconhecem que o setor agropecuário não é o problema ao licenciamento ambiental. 'A ideia não é ter que tirar licença específica se alguém planta soja e quer mudar para cana-de-açúcar', diz Suely. 'O licenciamento das atividades agropecuárias merece debate a parte, pata fixar quais os casos que realmente necessitam de licença. '

A senadora Kátia Abreu listou estradas que devem 'fazer curvas' para contornar terras indígenas ou 'onde faltam alguns quilômetros de pavimentação porque tem umas cavernas no caminho'. Disse: 'Temos que ter pragmatismo de produção e sustentabilidade ou vamos perder esta parada. Porque os parlamentares do Senado querem aprovar do jeito que está. Alguns nem sabem qual é o projeto direito, mas estão 'por aqui' da estrada que não pode asfaltar, da licença que não sai, da ferrovia que travou', alertou.

Suely rebateu: 'Uma avaliação do Tribunal de Contas da União mostra que, em estradas e linhas de transmissão, o Ibama cumpre prazos em 75% dos casos. Na maioria dos processos de não cumprimento, a causa foi estudos mal feitos pelos empreendedores. '

'É preciso transparência e regras claras; 100% do licenciamento tem que estar na internet", defende Suely Araújo

'O licenciamento, a avaliação de impacto ambiental é um instrumento de democracia", diz Izabella

Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico   / 


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