terça-feira, 7 de março de 2017

Quando a incompetência faz morada


Ela ainda está entre nós
Quatro anos após Dilma Rousseff reduzir o custo de energia na marra, passivos ainda pesam no bolso dos consumidores
Na maior parte de sua vida pública, a expresidente Dilma Rousseff acumulou experiências no setor elétrico. Depois de cinco anos como secretária de Minas e Energia no Rio Grande do Sul, ela foi alçada ao ministério do setor pelo presidente Lula, em 2003, onde redesenhou o modelo do sistema nacional de energia. Sua exposição na pasta garantiu passagem para a Casa Civil e pavimentou o caminho para sua eleição como presidente em 2010. No Palácio do Planalto, Dilma lançou, em 2012, sua maior ação voltada ao setor: a redução de 20%, na média, das contas de luz.
Preparada com a orientação do marqueteiro João Santana, a proposta seria o grande legado de Dilma, de olho na reeleição, em 2014. A petista venceu a disputa eleitoral, mas a medida tornou-se um entulho normativo, que demandou uma série de remendos e cujos efeitos são sentidos até hoje no bolso dos consumidores residenciais, comerciais e industriais. No capítulo mais recente das tentativas de ajustar a desordem provocada pela decisão de 2012, a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) definiu que nove transmissoras serão indenizadas em R$ 54,4 bilhões ao longo dos próximos oito anos – valor que pode subir a R$ 62,2 bilhões após correções.
A fatura será repassada aos brasileiros. O pagamento entrará em vigor a partir de julho e deve aumentar a conta de luz em 7,17%, em média. O valor que chegará ao consumidor depende de uma série de fatores, como o custo de geração de energia e outros subsídios, sendo definido por cada distribuidora. Pelas projeções da Aneel, o aumento da tarifa nos Estados deve variar entre 1,13% e 11,45%. Na reunião que definiu o reajuste, o diretor-geral da Agência, Romeu Donizete Rufino, disse que a indenização é uma decisão do governo e que a Aneel apenas “disciplina” o que foi acertado.
Anunciada em rede nacional de rádio e televisão pela presidente Dilma Rousseff, a Medida Provisória 579 teve o apoio de grandes empresários e entidades setoriais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e tornou-se lei no início de 2013. O texto propunha adiantar a renovação das concessões para geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia que venceriam, na maior parte, em 2015. Em contrapartida, as empresas tiveram de aceitar redução de tarifas, de 20%, em média. O governo se comprometeu a arcar com as indenizações por investimentos em estruturas e equipamentos feitos entre junho de 2000 e o final de 2012 das empresas que aderissem à proposta.
O problema é que investimentos das transmissoras realizados antes desse período não tinham sido totalmente amortizados e não puderam ser quitados via tarifa. A lei estabelecia que esse grupo passaria a receber as indenizações a partir de 2013, mas com as restrições orçamentárias do governo federal, o pagamento não saiu.
O passivo deixou as companhias numa situação delicada e se traduziu em maior insegurança jurídica ao setor. “A falta de pagamento influenciou diretamente nos leilões”, afirma Mario Miranda, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate). “As empresas que participaram passaram a exigir uma taxa de retorno maior.” 
Uma portaria de abril de 2016 do Ministério de Minas e Energia definiu que as indenizações às transmissoras começariam a ser pagas a partir deste ano, até 2025, e que essa conta seria repassada aos consumidores, mas a Aneel só bateu o martelo sobre o tema poucos dias antes do Carnaval. O atraso acumulado desde 2013 gerou uma correção dos valores e acrescentou ao menos R$ 35,2 bilhões aos R$ 20 bilhões que as empresas deveriam receber originalmente. Ainda que não ideal, a decisão é vista como justa pelas transmissoras. “O número a que a Aneel chegou é menor do que as empresas calculavam”, afirma Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “Elas estão perdendo, mas considerando tudo o que aconteceu, receber já é alguma coisa.”
Para o presidente executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Edvaldo Santana, a indenização prejudicará a competitividade da indústria em um momento bastante duro da economia. “Para alguns segmentos, esse aumento chegará a até 40%”, afirma Santana. “Não é possível expandir e criar empregos diante de tais condições.” O grupo, assim como outras associações, avalia entrar na Justiça contra o reajuste, sob a alegação de que a conta da indenização às transmissoras não pertence ao consumidor, mas ao governo. “O argumento básico é o da ilegalidade, pois a indenização autorizada não é o que está previsto em contrato”, diz Santana, que foi diretor da Aneel durante o mandato de Dilma.
CONTA SALGADA A fatura de indenização às transmissoras é apenas mais um dos efeitos colaterais do voluntarismo da ex-presidente sobre os bolsos dos consumidores. A ideia original da MP 579 era aproveitar a proximidade do fim das concessões para atacar uma queixa da indústria sobre o alto custo da energia, em especial num momento de desaceleração do setor. A medida estava baseada em três itens: desoneração de encargos sociais, antecipação da prorrogação das concessões e um subsídio extra de R$ 3,3 bilhões do governo à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo cujo objetivo é universalizar o acesso à luz.
O problema é que o plano foi malfeito, provocando uma série de questionamentos sobre as regras de indenização e ruídos de comunicação do governo com as partes envolvidas. Nem todas as geradoras aderiram à iniciativa, por não aceitar rever os contratos de venda de energia para as distribuidoras a um valor menor. “Para que o preço da energia fosse baixado, tinha que ter a adesão de todos”, diz Fabio Cuberos, gerente de regulação da consultoria Safira Energia. Quando os contratos antigos começaram a chegar ao fim, as distribuidoras passaram a receber menos energia das geradoras que não aderiram ao plano.
A diferença teve de ser comprada no mercado à vista, a um valor mais caro. Somado a isso, a falta de chuvas em 2013 demandou o acionamento das termelétricas e pressionou ainda mais o custo da energia. Para garantir que a tarifa não subisse aos consumidores, o governo injetou R$ 20 bilhões entre repasses às distribuidoras e indenizações às empresas que aderiram ao plano. Com um custo pesado ao Tesouro, o preço da energia, medido pelo IPCA, fechou 2013 com uma queda de 16%. A situação do setor elétrico ficou ainda mais preocupante em 2014, ano de eleição.
O regime de chuvas não tinha melhorado e o consumo disparou no começo do ano devido ao forte calor. As distribuidoras, que estavam comprando energia mais cara das geradoras, precisaram adquirir mais R$ 1,8 bilhão em eletricidade para atender a demanda. Para piorar, o governo atrasou o repasse da ajuda prometida, prejudicando ainda mais as empresas. A liberação aconteceu apenas em março, e foi de R$ 1,2 bilhão. Já em fevereiro, as distribuidoras compraram mais R$ 3,5 bilhões em energia, e a situação dos reservatórios das hidrelétricas continuou preocupante. As distribuidoras tiveram mais problemas de caixa devido a diferenças em compras de energia realizadas no ano anterior.
O governo tentou solucionar novamente através do repasse de R$ 4 bilhões vindos do Tesouro e contratação de dois empréstimos no mercado, um de R$ 11,2 bilhões em abril e outro de R$ 6,6 bilhões em agosto, além de novas rodadas de leilões de energia. Apenas em 2014, a fatura extra do setor elétrico que recaiu sobre o governo federal somou R$ 54,8 bilhões, entre subsídios e indenizações. Mesmo assim, a energia fechou o ano com uma alta de 17% (leia quadro com o histórico das indenizações). Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2014 constatou a ineficácia da medida, afirmando que o custo para sustentar a redução superaria os benefícios. Na época, o TCU alertou que a sustentabilidade do setor estava em risco devido à dependência dos aportes do Tesouro e à necessidade das distribuidoras por empréstimos.
Em 2015, logo após a reeleição de Dilma, a redução afundou de vez. O ajuste fiscal iniciado pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, congelou o repasse de R$ 9 bilhões em subsídios e autorizou o repasse integral para as contas. O resultado foi um avanço de 51% no preço da energia. A conta também trouxe impactos para a Eletrobras, cujas subsidiárias tiveram de aderir ao plano do governo. A estatal teve três anos seguidos de prejuízo e precisou contar mais tarde com um aporte do governo federal. A situação começou a se normalizar em 2016, com a melhora dos reservatórios e o fim do tarifaço do ano anterior.
Para os especialistas, a aventura de baixar as tarifas por decreto estava fadada a dar errado desde o começo, e a resolução dos problemas das transmissoras é apenas parte do problema. “Quando a MP veio, ela não foi boa para ninguém. A maioria que aceitou estava ligada à Eletrobras”, diz Cuberos, da Safira Energia. “Quem estava no setor à época sabia que a conta não fechava.” Ainda é cedo para prever se as consequências e as faturas de cobranças relacionadas à MP chegaram ao fim. No radar, há algumas indenizações às geradoras que ainda não foram pagas. “A situação só deve melhorar em 2024 ou 2025”, diz João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia. “A partir daí devemos ver alguma queda de tarifa.”
Por Ivan Ryngelblum, na Revista Isto É Dinheiro


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Giordano Bruno, o homem executado na fogueira do Santo Ofício por revelar que o universo é infinito
17 de fevereiro de 1.600 é uma data fatídica. Neste dia, um herege foi executado no Campo das Flores, em Roma. Giordano Bruno foi aprisionado, torturado e, após dois julgamentos, condenado a morrer na fogueira do Santo Ofício. Seu crime? Acreditar na ideia de que o universo é infinito, de que ao redor de cada estrela gravitam planetas, e na concepção de que cada planeta irradia vida.

Ex monge dominicano, nos oito anos em que padeceu na prisão foi submetido a todo tipo de violência e opressão para que se retratasse, renegando suas convicções. O brutalizaram em vão. A congregação católica não logrou o êxito que obteria, poucos anos depois, com Galileu Galilei. Este, para não morrer na fogueira, teve que, de joelhos, abjurar toda a sua consistente obra científica e filosófica.

A ortodoxia da Igreja Católica de então concebia a terra como um planeta único no universo, resultado da intervenção direta de Deus. Um axioma que – em hipótese alguma – poderia ser questionado.

Mas, Giordano Bruno descortinou, antes da invenção do telescópio, a infinitude do universo. E que na imensidão do cosmos, existia não um, mas um número infinito de planetas. Sendo assim – questionaram os guardiões da fé – “cada planeta teria o seu próprio Jesus? Heresia! Blasfêmia! Sacrilégio! ”.

Suas ideias, formulações e livros foram proibidos, incinerados e incluídos no Index Librorum Prohibitorum, o Índice dos Livros Proibidos. 

Num ato de misericórdia, os condenados, antes de arderem no fogo da santa fogueira, eram estrangulados e mortos. Mas com Giordano Bruno foi diferente. Suas formulações representavam uma ameaça de tal dimensão aos alicerces da doutrina católica que a sentença estabeleceu que morresse diretamente em decorrência das chamas, línguas de fogo e labaredas originárias da fogueira. Seu pecado? Declarar que a terra não era o único planeta criado por Deus.

Este é o esteio de onde emerge a peça teatral “Giordano Bruno, a fogueira que incendeia é a mesma que ilumina”.

A trama se desenrola no intervalo entre a condenação do filósofo italiano e a aplicação da pena de morte. A ficção contextualiza o ambiente de transição entre a baixa idade média e a idade moderna. O ambiente de ‘caça às bruxas’, o absolutismo e o autoritarismo políticos, a corrupção endêmica, o feudalismo e a ascensão da burguesia, a ortodoxia e os paradigmas religiosos, o racionalismo e o iluminismo compõem o substrato por onde se movimentam as personagens da peça.

O conselheiro do papa Clemente VIII, o octogenário Giovanni Archetti, comanda - do Palácio do Vaticano - uma intrincada rede de corrupção e, através dela, planeja desposar a mais bela jovem da Europa, Donabella de Monferrato. A formosa mulher admira e integra um grupo de seguidores de Giordano Bruno. Para convencê-la acerca do matrimônio, o poderoso velhaco tenta ludibriá-la e mente, afirmando que promoverá a revisão do julgamento do famoso filósofo, anulando a pena de morte imposta. Sem ser correspondido, o poderoso Giovanni Archetti ama Donabella, que é amada pelo noviço Enrico Belinazzo, um jovem frade de corpo atlético que, por sua vez, é amado pelo vetusto padre Lorenzo, o diretor do seminário. 

De modo que conflitos secundários são explorados evidenciando os paradigmas da baixa idade média, os fundamentos dos novos modelos, dos novos arquétipos que surgiam em oposição ao poder do imperador do Sacro Império, do Papa e dos reis; o ocaso do feudalismo, suplantado pela burguesia que emerge como a nova classe dominante; a degeneração da política e a degradação moral e dos costumes. 

Adentre este universo povoado por conflitos, disputas, cizânias e querelas. Um enredo que, lançando mão de episódios verídicos da narrativa histórica, ambienta novelos densos e provocativos instigando os leitores a responder se o autoritarismo e a corrupção que vincaram o interim entre os séculos XVI e XVII não seriam equivalentes – em extensão, volume e vilania - aos verificados nos dias de hoje.
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