segunda-feira, 4 de julho de 2016

Criatividade é algo que se aprende para viver

Para Fabio Fernandes, presidente e diretor geral de criação da F/Nazca Saatchi & Saatchi, o momento mais sublime é o ponto zero, o papel branco, onde tudo ainda é possível. Importante é levar em conta que mensagem original não surge a partir dela própria, da vontade em si de fazer algo novo apenas. Isso é o que ele considera egocentrismo publicitário, prática da qual diz ter se livrado quando era “novo o suficiente para ser idiota e achar que o publicitário e seus sonhos são a razão de existir da publicidade”. Antes de tudo vem a marca anunciada, a estrela da comunicação, que orienta os instintos. Fabio segue sendo um dos melhores, há muitos anos. Um dos motivos deve ser nunca ter perdido o friozinho na barriga a cada desafio profissional.

Bom senso e obediência não combinam com criatividade. É o que disseram Picasso e Raul Seixas. Você concorda?
Fabio – Quem sou eu para discordar de Picasso ou Raul Seixas? Por outro lado acho que, na atividade publicitária, o momento criativo se divide em dois: o da criação propriamente dita, onde um certo caos, o descompromisso, a ausência total de senso de ridículo ou de autocensura devem prevalecer, e um segundo momento, onde devemos criar algum discernimento mais consciente para avaliarmos a adequação das ideias às necessidades culturais e comerciais do cliente e do produto que vamos anunciar. É a velha discussão sobre se a publicidade é arte ou apenas cultura popular. Eu acredito na segunda hipótese e entendo que temos até talentos artísticos, mas a serviço de algo muito diferente das intenções de um artista.
Nasce-se criativo ou desenvolve-se a habilidade ao longo da vida?
Fabio – Acho que todo mundo nasce com potencial para ser criativo. Mas alguns não limitam, ou ao contrário desenvolvem melhor a criatividade nos primeiros anos de vida – mas para viver, nunca com o objetivo racional de ser criativo. Algumas pessoas ficam mais criativas que outras porque têm menos medo de se expor, porque acham que se expressam melhor quando trazem um ponto de vista diferente, porque são mais críticas que a média, ou porque simplesmente descobrem que falar, agir, se vestir, contar histórias, piadas, cantar, tocar um instrumento, escrever, pensar diferente, faz a gente se destacar, em alguns casos, existir. Nessa lógica, usar a criatividade pode ser um meio de sobrevivência: a arma de uma espécie mais fraca para superar outra espécie mais forte em fundamentos que, habitualmente, são considerados mais importantes ou marcantes à primeira vista.
Criatividade se ensina?
Fabio – Não. Você pode dar ferramentas para que uma pessoa use e pratique melhor sua criatividade inata. Até porque ela pode estar voltada para as mais diferentes atividades, e nem sempre uma pessoa criativa para as artes plásticas, por exemplo, saberá canalizar essa criatividade para a propaganda ou para a literatura. Mas, como acredito que todo ser humano nasce criativo, ensinar criatividade pode ser o simples exercício de ajudar a criança na idade mais tenra, dando a ela instrumentos e apoio para que desenvolva autoconfiança suficiente para nunca se autocensurar, nunca se acreditar incapaz. Por outro lado, trabalhar na busca pela criatividade nos ensina também. Ensina que nenhuma palavra, nenhum ponto de vista, nenhuma imagem jamais esgota ou esgotará tudo o que um assunto ou um tema pode suscitar.
Como você desenvolveu o seu olhar criativo para o mundo?
Fabio – Sendo chato. Inconformado com as versões oficiais. Sendo curioso, intrigado, inquieto, insatisfeito comigo mesmo. E querendo ser engraçado o tempo todo.
Quando e por que decidiu ser redator?
Fabio – Quando descobri que existia essa especialidade no negócio da criação publicitária. Como sou incapaz de desenhar qualquer coisa, por mais básica que seja, entendi que minha habilidade para contar histórias, escrever poemas, músicas, crônicas, poderia me ajudar a me expressar na atividade que decidi abraçar. Modestamente, acho que escrevo bem. Mas o meu negócio é criar, inventar, pensar coisas que não foram feitas ainda. A redação foi o meio que usei para chegar a isso.
Quando descobriu que era bom no que fazia?
Fabio – Quando comecei a notar que muitas pessoas achavam isso. Sempre desconfiado, demorei bastante a admitir que eu era realmente bom. Passei muito tempo achando que não saberia fazer o próximo. Mas, à medida que ia conseguindo fazê-lo bem, ia sendo elogiado pelos colegas, pelos clientes, destacado nas premiações internacionais, fui relaxando e passei a aproveitar ainda mais aquele que é o momento mais sublime pra mim: o ponto zero, o papel branco, onde tudo ainda é possível. Aquele oceano de possibilidades que existe antes de uma ideia.
Como é seu processo de criação: silêncio, barulho, meditativo, metódico, caótico?
Fabio – Só consigo ter ideias sabendo para que elas vão servir. Por que aquela mensagem precisa existir, para quem, quando. Não consigo cumprir a tarefa de preencher um espaço vago, um compromisso com um calendário ou um veículo. Para mim, se vamos falar, temos que saber por que vamos falar. Isso é fundamental para poder falar da melhor maneira jamais falada no mundo. O resto é errado. Também é por essa razão que trabalho muito ao lado do planejamento. E dos clientes. Uma mensagem original não surge a partir dela própria, da vontade em si de fazer algo novo apenas. Isso é egocentrismo publicitário, prática da qual me livrei quando era novo o suficiente para ser idiota e achar que o publicitário e seus sonhos são a razão de existir da publicidade. Evidente que é a marca anunciada a estrela da sua comunicação. É ela quem tem que orientar os seus instintos. É por ela que o consumidor tem que se apaixonar, desejar, pagar mais. A comunicação, a publicidade, é o meio que usamos para que essa relação se estabeleça e esses sentimentos aflorem. Então, eu ouço muito. Ouço os problemas da marca, ouço as críticas dos consumidores, ouço e penso junto sobre como posicionar e como mostrar o lado mais fotogênico e verdadeiro daquela marca para aquele consumidor. Nessa fase eu luto. Luto e reluto como louco. Discuto, discordo, falo um monte de bobagens. Sei que um briefing que nasce diferente vira um produto final diferente. Então, antes de tudo, é aí que eu crio.
Criar sozinho é melhor ou você gosta de grupos de brainstorming?
Fabio – Adoro trabalhar em equipe. Adoro ouvir outras ideias que eu nunca pensaria sozinho. Adoro usar meu talento para fazer curadoria e pequenas (ou grandes, às vezes) reformas a partir de um insight que outra pessoa teve. Surfo nas melhores e nas piores ideias. Acho que todas merecem umas cinco versões antes de serem totalmente abandonadas. No mínimo, viram piadas que nos divertem durante o processo de criação. Por outro lado, adoro plateia. Quando conto alguma coisa que pensei olho detidamente para os meus interlocutores. Pela expressão que vão fazendo, tenho uma capacidade meio que de repentista, de ir mudando na hora o tom, o texto, alguma situação, que sinto que agrada mais ou menos. Quando eu crio, todo mundo é meu diretor de criação, menos eu mesmo.
Criatividade é algo natural para você, ou é sofrido? Causa ansiedade? Tira o sono?
Fabio – É tudo ao mesmo tempo. Algumas vezes é só uma coisa ou outra. Outras vezes não é nada disso. Nunca é igual, nunca é a mesma coisa, o mesmo jeito, o mesmo sentimento. O que permanece sempre é uma certa incerteza de que dessa vez eu vá conseguir me superar de novo. E um friozinho no estômago, que o dia que você perde é porque virou tão fácil fazer que você está apenas se repetindo.
Qual o papel da vaidade para o bom criativo?
Fabio – É tudo, desde que usada corretamente. Pode destruí-lo quando acha que está acima de tudo, pode ser o estímulo cotidiano que faz você buscar mais e melhor como se fosse a primeira vez.
Você é vaidoso? Quando isso é uma vantagem, e quando isso atrapalha?
Fabio – Sou. A vaidade é boa quando você é movido por ela acreditando que só a vitória, o sucesso do seu trabalho (que inclui obrigatoriamente o sucesso de para quem e com quem você trabalha) vai realimentar a sua autoestima.
Mas atrapalha quando você é tolo o suficiente para estragar qualquer noção de realidade, de trabalho em grupo, de necessidade de saber ouvir e respeitar os outros. Ou seja, quando você se leva a sério e passa a acreditar que merece se achar o máximo. O bom vaidoso não é o que se acha lindo. É o que se acha feio.
O que é ser criativo, pra vc?
Fabio – É saber que nunca foi o suficiente.
Qual o seu critério para contratar pessoas para trabalhar com você?
Fabio – Serem melhores do que eu em algum aspecto. Ou em todos.
O que inspira você?
Fabio – O que eu não conheço, o que eu nunca vi, o que eu nunca pensei que fosse possível, o que eu odeio não ter pensado antes. E a vida cotidiana, corriqueira. As coisas extremamente simples, desapercebidas, injustiçadas pelas câmeras fotográficas, pelos artistas, pelo olhar comum.
O que não bloqueia, o que bloqueia?
Fabio – A pressão, o prazo. O que me bloqueia: o ambiente de medo e de desconfiança.
O que você faria se não trabalhasse em propaganda?
Fabio – A música é a única coisa em que eu penso quando me fazem essa pergunta. Sempre quis ser cantor, guitarrista, compositor. Mas não sei se teria algum sucesso. Na verdade, penso muito no que mais eu poderia fazer, toda vez que estou frustrado, decepcionado, triste, por qualquer razão, com a minha profissão. Mas gosto demais do que eu faço e nunca encontro um lugar para fugir. Acho, sinceramente, que eu teria feito alguma falta ao negócio da propaganda, mas não vejo nenhuma outra atividade que tenha se ressentido da minha ausência. Posso responder ainda de outra maneira. Se eu não trabalhasse em propaganda, provavelmente não seria feliz. E seria mediano em algo que eu desconheço.
O que você faz quando não está trabalhando?
Fabio – Minha família é o meu reduto mais querido e seguro. Quando não estou trabalhando só penso em estar com meus filhos, minha mulher e com amigos queridos que me trazem uma visão de mundo diferente da que eu vivo no meu dia a dia. De resto, adoro sol, mar, viajar, uma Skol, um vinho, música e, supremo prazer, conversar sem parar.
O que lhe interessa no cinema, na literatura?
Fabio – Tudo. Literalmente tudo.
O que leu e assistiu recentemente? Por que gostou? Ou por que não gostou?
Fabio – Neste momento estou lendo três livros: Madrugada Suja, do escritor português Miguel Sousa Tavares; Killing Bono, do Neil McCormick – hoje crítico musical, foi amigo de escola e teve um início de carreira paralelo ao do vocalista do U2 e que odeia não ter conseguido ser o próprio Bono Vox – engraçado e ácido; e Sonho Grande, que conta a trajetória de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Acabei de ler um livro que comprei despretensiosamente e amei cada uma de suas 720 páginas. É do Stephen King e se chama Novembro de 1963. Mistura realidade, história, política, viagens no tempo e ficção ao contar a aventura de um cara que tenta evitar que Lee Oswald assassine Kennedy. Fascinante.
Que pessoas criativas inspiraram você ao longo da vida?
Fabio – Pablo Picasso e Raul Seixas. (risos)
Por CLAUDIA PENTEADO, na Época Negócios
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A expressão latina “castigat mores ridendo” que, numa tradução livre poderia significar “rindo se corrige a moral” é uma locução que parece ter sido moldada para justificar a peça teatral “O juiz”. 

No texto, o autor utiliza a comédia para desvelar a farsa em que acabou se constituindo o poder judiciário num país imaginário, denominado Banânia, que, evidentemente, nenhuma semelhança guarda com o Brasil de hoje e, muito menos, com a porção latina do continente americano. 

A farsa, no teatro grego antigo, ao contrário do que muitos apregoam, não é uma forma dramática nova e sim uma variação da comédia. Apenas acentua as situações onde predominam o ridículo e o cômico, exatamente os eixos estruturantes sobre os quais Antônio Carlos desenvolveu a trama. Por sua vez, a palavra “comédia” é originária do grego “komoidia”, e seu sentido lato é folia, divertimento. A comédia grega está ligada ao inusitado, ao pitoresco, ao excêntrico. É franca e, mesmo, obscena. A confusão - de não poucos - é identificá-la tão somente com o sorriso fácil e a alegria despretensiosa. Porque pode despertar reações tão opostas como o desprezo e a arrogância. 

A partir da idade média, com a Commedia dell’Arte, o gênero passou a se constituir no preferido dos artistas para conduzir a crítica política e social, de modo a manterem-se protegidos da censura e da repressão governamental. 

Na peça “O juiz”, Antônio Carlos aborda questões latentes em autores como Aristóteles (Política), John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil), e Montesquieu (O Espírito das Leis) e que alavancaram o estado moderno e a democracia contemporânea para denunciar – com muito humor e irreverência – a propalada independência dos poderes, o sistema de freios e contrapesos, e a nefasta prevalência do judiciário quando os demais poderes, executivo e legislativo, são, deliberadamente, fragilizados. Uma das personagens da peça chega a se sublevar contra um dos principais ensinamentos de Rui Barbosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. 

Assim é que, na trama teatral, uma múmia ressuscita de seu milenar sarcófago para transformar um índio no presidente da mais alta corte judiciária do país. O terrível plano é instituir uma ‘república’ onde tão somente as corporações e os partidários do poder tenham vez. Nas palavras do presidente do Supremo Tribunal Nacional, o cacique indígena Morubixaba, um dos protagonistas da peça, “O império que estamos estruturando está acima de tudo e de todos. E aqui, no reino deste novo universo do trabalhadorismo, preside um juiz que potestade alguma poderá corromper, além, naturalmente, de todas as associações, sindicatos, corporações, grupos de interesses e organizações civis, políticas e populares comprometidos com os altos interesses de nosso projeto ideológico popular-progressista-desenvolvimentista, a mais nova vertente do messianismo sebastianista”. 

Fatos e episódios ridículos e burlescos são enfocados desnudando a realidade caudilhesca e autoritária das autoridades do continente. Cenas e quadros - de intenso humor e fina ironia – personificam a essência da sátira, num jogo dramático que corrobora a tese de que a melhor maneira de modificar a realidade é revelar o quanto ela é absurda, kafkiana, e rir, gargalhar, divertir-se com a situação, pois que, assim, os costumes políticos e sociais estarão sendo ‘castigados’. 

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