segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Por que proteger a propriedade intelectual?


Quando se analisa o patrimônio das empresas, é fácil perceber que parte considerável do valor delas é composto por bens intangíveis, como patentes, marcas e conhecimento exclusivo da empresa. Tais criações intelectuais são objeto de direito de propriedade, de forma a assegurar ao criador a exclusividade da utilização de seu trabalho por pelo menos um determinado período de tempo, garantindo a ele reconhecimento e benefícios financeiros.
Os principais produtos intelectuais protegidos por lei são as patentes (patents), as marcas (trademarks) e os direitos autorais (copyrights). As duas primeiras estão disciplinadas no Brasil por meio da Lei nº 9.279, de 1996. Os direitos autorais são tratados na Lei nº 9.610, de 1998.
A marca, entendida como “sinais distintivos visualmente perceptíveis”, está disciplinada a partir do artigo 122 da Lei nº 9.279. Podem ser protegidas, por exemplo, marcas de produtos, serviços ou certificações.
Os direitos autorais se aplicam a obras tais como textos de obras literárias, obras dramáticas, composições musicais, obras de desenho ou programas de computador (a relação completa está no artigo 7º da Lei nº 9.610).
A patente, objeto deste texto, é concedida ao autor de invenção ou modelo de utilidade. Conforme artigos 8º e 9º da Lei nº 9.279, são patenteáveis a invenção “que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial” e o modelo de utilidade que seja “objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação”.
Atualmente, o prazo de vigência de uma patente é regulado pelo art. 40 da Lei nº 9.279, que dispõe que a “patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito”. Cabe ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fazer a concessão de novas patentes.
A questão que se faz é: por que deve haver proteção às criações intelectuais? Afinal, ao conceder o direito de propriedade, mesmo que por um determinado tempo, o que se está fazendo é garantir poder de mercado ao autor da criação, ou seja, criou-se um monopólio que tem sustentação legal.
Menell e Scotchmer (2007) explicam que a principal justificação para a propriedade intelectual nasce de um problema econômico: uma falha de mercado que impede o oferecimento de um nível eficiente de inovação.
Em outras palavras, o conhecimento que gera inovação tem as características de um bem público, ou seja, é indivisível, porque o consumo do conhecimento por parte de um indivíduo ou de um grupo social não prejudica o consumo deste mesmo conhecimento pelos demais integrantes da sociedade, e é não-excludente, porque é difícil impedir que outro indivíduo usufrua do conhecimento.
Isso faz com que o custo marginal para um novo usuário de um determinado conhecimento tenda a zero, o que inviabiliza para o criador da inovação a apropriação de lucro, uma vez que o conhecimento está disponível sem custo para todos que queiram utilizá-lo. Essa situação acaba com os incentivos para os agentes investirem em novos conhecimentos. Para resolver essa falha de mercado, criou-se a patente, que é um monopólio jurídico temporário para quem criar uma inovação, garantindo ao autor da invenção condição de obter retorno para os recursos investidos no processo de geração da nova tecnologia. A patente permite que o conhecimento deixe de ser um bem público e ganhe características de um bem privado.  (Dosi, Marengo e Pasquali, 2007).
Sem direitos de propriedade sobre a inovação, o inventor tenderia a manter seu trabalho em segredo, de forma a tentar lucrar com aquilo, antes que o público se apropriasse de sua ideia. Com direitos de propriedade claros e efetivos, o inventor não terá medo que sua ideia seja roubada. Podendo disseminar seu trabalho, com o devido retorno financeiro pela sua utilização por terceiros, o inovador contribui com um processo dinâmico que propiciará mais inovação.
Esse mesmo raciocínio se aplica ao inovador que precisa de capital para desenvolver sua ideia. Na ausência de patentes, o inovador teria receio de apresentar sua ideia a um financiador, com medo de que sua ideia fosse roubada. Por outro lado, o financiador, por não conhecer o projeto, também tem receio de aplicar seu dinheiro em algo que não conhecesse. Esse dilema foi descrito na literatura da Análise Econômica do Direito (Cooter e Schäfer, 2012) como the double trust dilemma of innovation.
No entanto, nem tudo é perfeito. A criação de uma patente, como todo monopólio, traz uma ineficiência embutida. O inventor, por ter poder de mercado, pode colocar o preço para a utilização de seu produto em um valor bem acima do ótimo social. Na prática, isso significa que a inovação será disseminada, mas não tanto quanto poderia ser.
Conforme explicam Cooter e Ullen (2012), a calibragem do efeito do monopólio conferido pela patente é feita por meio de duas variáveis: a duração da patente; e a maior ou menor amplitude do que se entende por novidade, o que tem reflexo na concessão de uma nova patente.
Imagine duas invenções próximas, mas não totalmente iguais. Se as regras de concessão de patentes forem bem restritas, no sentido de que é difícil comprovar uma novidade, a primeira invenção (a que conseguir a patente primeiro) abarcará os direitos de ambas as novidades. Isso significa que o incentivo dado é para a velocidade, ganha tudo quem conseguir primeiro criar uma invenção.
Já uma regra maleável, que permite facilmente classificar um invento como uma novidade, faria com que cada invenção no exemplo acima recebesse uma patente. Dessa forma, os lucros seriam divididos. O incentivo nesse caso é para a existência de pesquisas complementares, cada uma a seu tempo.
Relativamente à duração da patente, uma vez que esse instrumento legal cria um monopólio temporário, a pergunta que surge é: qual o tempo correto para a duração de uma patente de forma a gerar mais bem-estar para a sociedade? O trade-off envolve a disputa entre criatividade e disseminação.
À medida que a duração da patente aumenta, a sociedade se beneficia da inovação, mas esse benefício marginal diminui com o incremento dessa duração. Pelo lado dos custos, quanto maior a duração, mais custos sociais existirão por conta na diminuição da disseminação de ideias. A resposta da sociedade a longas patentes vem com a canalização de esforços para a descoberta de substitutos.
Na igualdade de benefício marginal com custo marginal, temos o que seria a duração ideal de uma patente. Obviamente não é nada prático estabelecer uma duração distinta para cada área de conhecimento ou cada tipo de inovação. O tempo de 20 anos estabelecido pela lei brasileira aplica-se a todas as invenções e é o mesmo tempo praticado por vários países.
Feita essa introdução à Economia da Propriedade Intelectual, pode-se começar a discorrer sobre diversos embates e discussões que a área propicia, inclusive em questões internacionais. No entanto, deixamos essa extensão para um futuro texto.
Fernando Meneguin - Doutor em Economia. Consultor-Geral Adjunto/Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal.