terça-feira, 3 de novembro de 2015

Em tempos de impeachment e “golpismo”, o que é verdade e o que é mentira?



  Por Allan Coelho Duarte 
A conjuntura atual é conturbada. A economia vai mal, a política nem se fala. Em tempos de crise fiscal e instabilidade no Congresso, propagam-se falácias e teorias descabidas acerca do futuro do país. Há quem clame por mudança e quem brade “golpismo”.
Mas, afinal, quem assume em caso de queda da presidente da República? Por quais meios ela pode ser destituída? É real a possibilidade de um impeachment? E a cassação pelo TSE? Quais os riscos que o desenrolar de tal processo poderia trazer para o país? Qual o papel do povo brasileiro e como a opinião pública influencia no processo?
A seguir, tentarei responder a cada uma dessas questões.
Hipótese 1: Impeachment
As buscas no Google combinando as expressões “impeachment” e “quem assume” cresceram cerca de 350% neste ano. As pesquisas sobre o vice-presidente, Michel Temer, também dispararam, demonstrando que há grande interesse público acerca do tema. No entanto, o que é verdade e o que é mentira?
Em primeiro lugar, cabe esclarecer que o impeachment consiste em processo instaurado com base em denúncia de crime de responsabilidade contra certas autoridades, como o presidente da República, o vice-presidente, ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Especificamente no caso do presidente da República, o art. 85 da Constituição Federal de 1988 define que são crimes de responsabilidade os atos que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra: a existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do País; a probidade na administração; a lei orçamentária; e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Ademais, o parágrafo único do art. 85 afirma que os crimes supracitados serão definidos em lei especial, que também estabelecerá o processo de julgamento. Essa norma já existe, é a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que define inúmeras hipóteses, amplas e genéricas, de crimes de responsabilidade, como, por exemplo, “infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária”, “permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública” ou mesmo “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Ora, resta claro que tanto a Constituição quanto a Lei nº 1.079, de 1950, deixaram significativo espaço para interpretações acerca do que se enquadra no conceito de crime de responsabilidade. Assim, a perda de apoio político e social certamente facilita a deflagração do processo, uma vez que, conforme acima exemplificado, não é difícil, ao contrário do que muitos propagam, encontrar uma justificativa jurídica válida para abertura do processo.
Até porque, quanto a isso, a Constituição e a Lei permitem que qualquer cidadão faça a denúncia contra o presidente da República por crime de responsabilidade perante a Câmara dos Deputados, à qual caberá a admissão da acusação e a consequente abertura do processo de impeachment mediante voto de dois terços de seus membros, ou seja, 342 deputados federais dos 513 existentes (Constituição Federal, art. 51, I). Não há demais exigências. A Lei permite, em seu art. 16, até mesmo que os documentos comprobatórios da denúncia não sejam apresentados inicialmente, exigindo apenas a indicação do local onde estes possam ser encontrados futuramente.
Portanto, caso a Câmara considere que as artimanhas utilizadas pelo Tesouro Nacional – com consentimento da presidência da República, para artificialmente inflar os cofres públicos, mediante atraso no repasse de bilhões aos bancos públicos nos últimos anos – se enquadram em qualquer um dos itens da Lei nº 1.079, de 1950, que definem os crimes de responsabilidade, haverá justificativa jurídica mais que válida para início do processo, desde que seja obtido o quórum de dois terços naquela Casa. Até porque, conforme acima exposto, diante da vastidão conceitual deixada pelo legislador constitucional e infraconstitucional, a decisão de se enquadrar uma prática como crime de responsabilidade é, acima de tudo, política.
Ou seja, as “pedaladas” podem, sim, configurar subsídios mais que suficientes para abertura de um processo de impeachment. Acerca do tema, vale destacar que cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) apenas apreciar anualmente as contas do presidente da República, mediante a emissão de parecer prévio, conforme ocorreu recentemente, quando o órgão, em votação unânime, ofereceu parecer orientando pela rejeição das contas. Pronto, o TCU não tem mais nenhum papel direto no julgamento das contas presidenciais, que deverá ser feito pelo Congresso, conforme inciso IX do art. 49 da Constituição.
No entanto, ao contrário do que se propaga, a rejeição das contas, que sequer exige quórum qualificado, não deflagra a abertura do processo de impeachment. Apenas pode servir de justificativa para a abertura de um processo, que só será instaurado, não custa repetir, com aprovação de dois terços da Câmara. Ademais, não necessariamente o Congresso precisa rejeitar as contas da presidente para que existam subsídios para um impeachment. A abertura de um processo e a eventual cassação do mandato presidencial são atribuições do Poder Legislativo que não estão obrigatoriamente interligadas a tal rejeição. Conforme anteriormente exposto, se os deputados federais considerarem que as pedaladas fiscais ou quaisquer outros atos do governo são contrários, por exemplo, à dignidade, à honra e ao decoro do cargo de presidente da República, pode ser deflagrado o impeachment, conforme item 7 do art. 9º da Lei nº 1.079, de 1950.
A partir daí, é com o Senado. Se a Câmara oficializar a acusação ao chefe do Poder Executivo, este será suspenso das suas funções (e terá metade de sua remuneração cortada) imediatamente após a instauração do processo pelo Senado1. No caso de crime de responsabilidade quem decide é o Senado. O único papel do Supremo Tribunal Federal (STF) é ceder seu presidente, que presidirá o julgamento do acusado. Entretanto, quem condena são os senadores, mediante voto de dois terços de seus membros, ou seja, 54. Em caso de condenação, a presidente da República ficará oito anos impossibilitada de exercer qualquer exercício de função pública2. Não poderá nem mesmo realizar concurso público. E isso sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. 3
O rito previsto na Lei de Crime de Responsabilidade e na Constituição é esse. Exigências extras, como as definidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que estabelecem, por exemplo, a formação de uma comissão especial para analisar previamente o pedido de impeachment, são determinações processuais previstas no art. 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que é uma resolução e, portanto, também é norma primária, hierarquicamente no mesmo nível que qualquer lei ordinária ou complementar. A diferença é apenas que, precipuamente, uma resolução disciplina assuntos políticos e administrativos internos da respectiva Casa Legislativa. Dessa forma, a decisão liminar do STF de suspender tais ritos aparentemente invadem assuntos interna corporis do Legislativo e exaltam um excesso de intervencionismo do Judiciário. A Câmara não está descumprindo o ordenamento jurídico. As exigências legais e constitucionais, como o quórum de dois terços para a abertura do processo, continuarão tendo de ser atendidas. A Casa apenas regulamentou, de forma legal, o rito da matéria antes da votação de mérito, o que acontece também, por exemplo, com as Medidas Provisórias, regulamentadas pela Resolução nº 1, de 2002-Congresso.
Mas, após todo o rito processual ter sido cumprido, se realmente ocorrer a perda do mandato, quem assume? O art. 79 da Constituição afirma que é o vice-presidente da República, a quem caberá completar o tempo de mandato do impeachmado.
Porém, no caso de cassação também do vice, o presidente da Câmara dos Deputados não se torna presidente da República. O que ocorre é que o art. 80 da Carta Magna diz que, em caso de impedimento ou vacância do presidente e do vice, serão sucessivamente chamados ao exercício da presidência o presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado e o do Supremo Tribunal Federal. Mas esse exercício é apenas temporário. Se realmente houver vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República, há realização de novas eleições, conforme art. 81 da Constituição.
Nesse caso, se as vacâncias ocorrerem nos dois primeiros anos do mandato, ou seja, até o fim de 2016 se considerarmos o mandato presidencial em curso, haverá novas eleições diretas para presidente e vice, noventa dias após a abertura da última vaga; porém, se as vacâncias se derem nos dois últimos anos (2017-2018), as eleições para ambos os cargos serão indiretas, ou seja, não serão os cidadãos que votarão, mas os parlamentares que compõem o Congresso, e ocorrerão dentro de trinta dias após a última vacância. Por fim, sobre o tema, vale ressaltar que os eleitos, em quaisquer das hipóteses analisadas, não serão empossados para um novo mandato de quatro anos, mas apenas para governar durante o tempo que faltava para que os impeachmados cumprissem seus mandatos. É o chamado “mandato-tampão”.
Hipótese 2: Cassação do mandato pelo TSE
Quem nunca recebeu uma corrente de Whatsapp ou Facebook conclamando o povo brasileiro a votar nulo nas eleições, pois, caso mais da metade da população assim o fizesse, não haveria eleitos e teria de ser convocado um novo pleito. Lembram-se disso? Pois é, podem esquecer de uma vez por todas.
A confusão se dá devido ao art. 224 do Código Eleitoral afirmar que, se a nulidade atingir mais da metade dos votos do país nas eleições presidenciais, estaduais ou municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcará dia para nova eleição. Todavia, essa nulidade a que se refere nossa legislação não é o voto nulo ou em branco, os quais sequer entram no cômputo dos votos totais ou para determinação do quociente eleitoral. Eles são simplesmente ignorados, como se nunca tivessem existido. Portanto, ao contrário do que as citadas correntes dizem, em tese, se o País inteiro votar nulo ou em branco e apenas uma pessoa votar em um candidato, este será eleito, sem necessidade de novas eleições.
Essa nulidade a que diz respeito o art. 224 supracitado tem grande relevância para nosso estudo. Ela se refere à constatação de alguma fraude no processo eleitoral, como, por exemplo, compra de votos ou recebimento de recursos ilegais durante a campanha. Em tais hipóteses, a Lei é clara ao afirmar que deverão ser convocadas novas eleições se a nulidade abarcar mais de 50% dos votos.
Entretanto, o TSE considera que esse dispositivo se aplica para candidatos eleitos em primeiro turno4, uma vez que, em tal caso, a decretação, pela Justiça Eleitoral, da nulidade dos votos do candidato vencedor já significa que houve a nulidade de mais da metade dos votos válidos. Em razão do silêncio normativo acerca de quando a nulidade englobar menos de 50% dos votos válidos no primeiro turno, ou seja, quando o candidato tiver sido eleito no segundo turno, o TSE vinha aplicando o entendimento de que o segundo mais votado deveria assumir, se este tivesse maioria absoluta dos votos em primeiro turno, após se considerar a exclusão dos votos anulados do universo dos votos válidos; ou, caso o segundo mais votado não tivesse obtido maioria absoluta após as anulações, o entendimento de que deveria haver um novo segundo turno entre os dois candidatos mais votados no primeiro, excluído o cassado5.
Alguns Governadores estaduais devem seus mandatos a tal decisão. No ano de 2009, o TSE decidiu cassar os diplomas do governador do Maranhão, Jackson Lago, e de seu vice, Luiz Carlos Porto, acusados de terem comprado votos e abusado do poder econômico durante a campanha eleitoral. Concomitantemente, foi decido que a segunda colocada nas eleições, Roseana Sarney deveria ser empossada, juntamente de seu vice, João Alberto, uma vez que, após exclusão dos votos nulos de Jackson Lago, ela tinha maioria absoluta dos votos válidos no primeiro turno. O mesmo ocorreu na Paraíba, também em 2009, quando o mandato do então governador, Cássio Cunha Lima, foi cassado pela Justiça Eleitoral, que deu posse ao segundo colocado, José Maranhão.
Outro exemplo é o do ex-governador do Tocantins, Marcelo Miranda, e de seu vice, Paulo Sidnei, que haviam sido eleitos em primeiro turno nas eleições de 2006, mas tiveram seus mandatos cassados em 2009, por abuso de poder político. Conforme o entendimento da Justiça Eleitoral supracitado, o segundo colocado geral não assumiu, já que houve nulidade de mais da metade dos votos válidos, uma vez que Marcelo Miranda tinha sido eleito em primeiro turno, ou seja, com mais de 50% dos votos válidos. Assim, foi realizada nova eleição, que foi indireta, realizada pela Assembleia Legislativa do Tocantins, já que faltavam menos de dois anos para o término do mandato do cassado.
Ocorre que o TSE atualmente investiga, em quatro processos distintos, a entrada de doações ilegais à campanha do PT na eleição presidencial de 2014. Nesse caso, havendo declaração de nulidade dos votos dados à presidente Dilma Rousseff e a consequente perda de mandato, diferentemente dos casos de crime de responsabilidade, não há que se falar em autorização de abertura de processo pela Câmara ou em julgamento pelo Senado, tudo se resolve no âmbito do Poder Judiciário. Ademais, uma vez que a presidente não obteve mais de 50% dos votos válidos em primeiro turno e, considerando que o candidato Aécio Neves teria a maioria absoluta votos já em primeiro turno se os votos direcionados à candidata do PT fossem anulados (Dilma obteve 41,59% e Aécio 33,55% dos votos válidos em primeiro turno. Logo, excluindo-se o percentual da presidente, Aécio teria 57,43% dos votos válidos), levando em consideração a supracitada jurisprudência do TSE, este poderia ser empossado sem a realização de novas eleições.
No entanto, cumpre informar que a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, acrescentou § 3º ao art. 224 do Código Eleitoral, para impedir que o entendimento do TSE acima explanado continuasse a se propagar. De acordo com o novo parágrafo, a decisão da Justiça Eleitoral que implique no indeferimento do registro, na cassação do diploma ou na perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados, afastando, assim, casos similares aos anteriormente examinados.
Porém, especificamente em relação às últimas eleições presidenciais, tal dispositivo poderia ser inócuo, pois foi aprovado apenas em 2015. À primeira vista, o parágrafo acrescido ao Código não modifica o processo eleitoral propriamente dito, devendo, portanto, ser aplicado de imediato, o que impediria a posse de Aécio em caso de cassação da presidente pela Justiça Eleitoral. Todavia, caso o STF decida que ocorreu, sim, alteração do processo eleitoral, a mudança terá de respeitar o princípio da anterioridade eleitoral, o qual, nos termos do art. 16 da Constituição, define que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Nesse sentido, não custa lembrar que a decisão acerca da aplicação ou não do princípio da anterioridade eleitoral costuma ser controversa e polêmica. Recentemente, o STF decidiu que a Lei da Ficha Limpa alterava, sim, o processo eleitoral e, consequentemente, não poderia ser aplicada às eleições do ano de sua publicação, 2010. O detalhe é que o STF só tomou essa decisão após a nomeação do Ministro Luiz Fux, que desempatou a votação (que foi de seis a cinco), a favor do respeito ao princípio da anterioridade. Logo, fica claro que existem divergências de interpretação entre os Ministros do Supremo acerca do que altera, ou não, o processo eleitoral.
Portanto, existe um problema de complexidade jurídica que permite que o TSE tente aplicar a jurisprudência anterior ou altere seu entendimento, já absorvendo a mudança legislativa realizada, o que seria o mais prudente. Se o TSE tentar manter o seu entendimento em situações de cassação similares, antes da alteração do Código Eleitoral, o caso deverá ser decidido pelo STF.
No caso de cassação do mandato, novamente, não há assunção definitiva ao poder do presidente da Câmara ou de qualquer outro. Se cassados os mandatos tanto da presidente quanto de seu vice, deverá haver a convocação de novas eleições, diretas ou indiretas, dependendo de a cassação se efetivar nos dois primeiros ou nos dois últimos anos do mandato; ou a posse do segundo colocado, Senador Aécio Neves, juntamente de seu candidato a vice, Senador Aloysio Nunes. Qual entendimento irá prevalecer dependerá da decisão do TSE acerca da aplicação, ou não, da jurisprudência até então utilizada pelo Tribunal, e da decisão do STF, sobre a validade do princípio da anterioridade eleitoral para o caso.
Desfecho
Seja qual for o desfecho desse imbróglio, o país sairá indiscutivelmente deteriorado da atual crise política e se encontrará em um horizonte ainda mais incerto. A definição do que se qualifica como crime de responsabilidade, em razão da amplitude do ordenamento jurídico aplicável e do poder decisório do Poder Legislativo na questão, tem um viés político muito significativo. Ademais, caso o TSE venha a optar por manter a jurisprudência até então utilizada e dê posse ao segundo mais votado nas eleições de 2014, estará ignorando uma mudança legislativa recente e legitimando um governo que, de fato, não foi eleito pela maioria dos brasileiros, o que abriria caminho para uma agrura política sem precedentes.
Portanto, uma vez que o Legislativo costuma se guiar pelo “clamor das ruas” e o TSE não tem uma linha de atuação absolutamente definida em caso de cassação do mandato presidencial, a manifestação popular terá papel importantíssimo na definição dos rumos do país, tanto na potencial deflagração de um processo de impeachment quanto nas ilações posteriores, no caso de uma condenação.
Apesar de, à primeira vista, poder parecer sedutora a ideia de simplesmente se derrubar o governo atual e se buscar uma nova ordem neste momento de crise política, econômica e social, os cidadãos pátrios precisam refletir e avaliar as repercussões de um possível impeachment. Precisamos assumir nossa responsabilidade como eleitores. Entender o relevante papel social que existe no voto e que a crítica deve também ser prévia a este e não apenas posterior. Não podemos apenas culpar presidentes e parlamentares e solicitar a queda destes quando não mais estiverem satisfazendo os nossos próprios desejos egoístas. Ao contrário, nos cabe assumir que eles são, sim, reflexo e representantes de seus eleitores, por mais que a nossa tendência seja imediatamente a de negar tal realidade perturbadora. Afinal, foram eleitos com milhares, ou milhões, de votos. Obviamente, não deve preponderar a irresponsabilidade de quem seja culpado pelo cometimento de crimes, mas deve existir uma análise séria e meticulosa do que é culpa de fato e do que é impaciência, egocentrismo e sede de benefícios individuais em detrimento do bem comum.
O Brasil tem apenas 27 anos de democracia. Nesse intervalo, foram quatro presidentes eleitos por voto popular, direta e democraticamente: Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O primeiro foi deposto por corrupção em 1992. Os outros dois sofreram ameaças de cassação: FHC sofreu 17 denúncias solicitando o seu impeachment e perdeu grande parte do apoio popular durante o seu segundo mandato quando fez reformas duras, mas necessárias; já Lula recebeu 34 denúncias, especialmente durante o “mensalão”, em 2005. Assim, caso confirmado o impeachment de Dilma, esta seria a deposição do segundo presidente da República – entre quatro, em um curtíssimo intervalo de tempo, principalmente se ponderado perante o parâmetro de tempo da História.
A mensagem que isso transmite é a de uma democracia ainda pouco consolidada. Composta por políticos impossibilitados de governar a médio e longo prazo, seja por erros próprios ou pelas exigências individualistas de uma população extremamente impaciente, incapaz de arcar com as consequências de um governo eleito democraticamente que não mais a agrada e que, por isso, pressiona seus governantes a agirem pensando apenas em aumentar sua popularidade no curto prazo para garantir a vitória nas próximas eleições. Ou seja, há problemas nas expectativas, nos incentivos e nas ações tanto dos representantes quanto dos representados.
Conclusão
Diante de todo o exposto, é possível concluirmos que:
1) O impeachment é uma opção viável, resguardada constitucional e legalmente. Para se deflagrar o processo, basta que dois terços dos deputados federais decidam que algum ato da presidente da República se enquadra em alguma das vastas hipóteses de crime de responsabilidade. Após deflagração do processo, caberá ao Senado julgar a presidente, necessitando de voto de dois terços de seus membros para confirmar a condenação. Se o impeachment se efetivar, o vice deve assumir. Caso este também seja impeachmado, deverão ser convocadas novas eleições diretas, se o processo finalizar nos primeiros dois anos do mandato presidencial (até o final de 2016), ou indiretas, se o processo finalizar nos dois últimos anos (a partir de 2017). O presidente da Câmara dos Deputados não é sucessor definitivo do presidente da República;
2) A cassação do mandato da presidente e do vice-presidente da República pelo TSE também é uma opção juridicamente válida. Caso o Tribunal decida que houve abuso de poder econômico, compra de votos, recebimento de recursos ilícitos ou quaisquer outras ilegalidades durante a campanha, poderá declarar a nulidade dos votos. Se tal hipótese se confirmar, o TSE terá de decidir se convoca novas eleições, adotando o novo dispositivo incluído no Código Eleitoral neste ano de 2015, ou se tenta invocar a anterioridade eleitoral e mantém a jurisprudência até então utilizada e dá posse ao segundo mais votado, Senador Aécio Neves. Se prevalecer o último entendimento por parte do TSE, a decisão final acerca do tema, após recurso, caberá ao STF;
3) Uma vez que a previsão de impeachment é constitucional, legal e só ocorrerá se houver apoio da maior parte da população, em razão desta conduzir as ações dos parlamentares, não há que se falar em “golpismo”. O tratamento legal e constitucional pouco objetivo acerca do crime de responsabilidade e do processo de impeachment deixa a cargo do Legislativo definir quando deve ocorrer a cassação de um mandato presidencial, se tornando um equivalente manco, porém semelhante, ao voto de desconfiança, ou censura, previsto em regimes parlamentaristas, o que deixa o regime presidencialista nacional mais flexível e ágil para responder à opinião pública. Ocorre que os congressistas são guiados pela vontade do povo, que, muitas vezes, como nos mostra a História, é inconsequente e autocentrada. Logo, o país terá sua democracia e suas instituições políticas cada vez mais fortalecidas à medida que sua população passar a ser mais crítica, tanto em relação aos atos de seus governantes quanto aos seus próprios.
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1 Lei nº 1.079, de 1950, art. 23, § 5º.
2 A Lei, em seu art. 2º, fala em cinco anos. No entanto, esse trecho foi revogado pela Constituição Federal de 1988, que, no parágrafo único de seu art. 52, afirmou que o impedimento é de oito anos.
3 Constituição, art. 52, parágrafo único, e Lei nº 1.079, de 1950, art. 80, parágrafo único.
4 Acórdão 21.320, relator Min. Luiz Carlos Madeira, 09. 11.2004.
5 Consulta 1.657/PI, relator Mln. Eliana Calmon, 19.12.2008.