quarta-feira, 12 de março de 2014

O poder local – tornar os sonhos realidade



A história política brasileira registra quase exclusivamente momentos de ditadura, com raríssimas e efêmeras brisas de liberdade e democracia. 

Ao contrário das democracias, os sistemas ditatoriais impõem extrema concentração e a característica centralização do poder. 

Na concentração o executivo se agiganta adquirindo uma superestrutura hipertrófica. O inverso se passa com o legislativo e o judiciário que atrofiam, passando a adereços do sistema, completamente servis aos desejos e caprichos do executivo. Naturalmente isto só acontece pela pressão nada sutil de fuzis e baionetas. 

Na centralização os estados e municípios passam a ter existência meramente formal. Participam apenas nos estreitos limites permitidos pelo poder central. Todas as decisões são unilaterais, tomadas exclusivamente pela União, ignorando completamente as verdadeiras demandas regionais e locais. 

No plano político os partidos são extintos ou controlados, entidades civis colocadas na clandestinidade e as liberdades sucumbem a um sem número de órgãos de repressão. 

No plano econômico os grandes grupos nacionais e internacionais são privilegiados, lançando à marginalidade largas parcelas da população. As obras monumentais, faraônicas, verdadeiros elefantes brancos oriundos de sonhos megalomaníacos, criando um universo-pesadelo para a população. 

No seio da sociedade é operada uma traumática concentração de renda, com os indicadores sociais lançando-nos às últimas posições dos anuários estatísticos da Organização das Nações Unidas.

Na cultura desanca o processo de colonização que valoriza a produção artística alienígena em detrimento da local, como forma de diluir as referências culturais da comunidade, tornando-as dóceis, submissas, subservientes ao estabelecido.

Massifica-se pela televisão uma produção que ignora as desigualdades regionais, formatando uma estética esterilizada, lúdica e onírica, mas de conteúdo desprezível que anuvia o pensamento, embota o senso crítico.


Confinado pelo poder central a uma redoma de vidro, neste contexto, o município foi literalmente vilipendiado. Todos os seus poderes foram reduzidos, quando não simplesmente eliminados.

Mas é interessante observar que prefeitos e vereadores, por estarem mais próximos da população, são as autoridades mais solicitadas e tensionadas. E passam por um purgatório arcando com a responsabilidade por tudo o que aconteça.

Sem poder e recursos para atender as demandas sociais, a eles – desde sempre - só resta a alternativa de perambular pelos corredores dos ministérios em Brasília, pires estendido na mão, ávidos que a sorte os contemplem com migalhas caídas da mesa farta.

A redemocratização impôs um novo movimento e muito foi conquistado. No plano político jamais se gozou de tamanhas prerrogativas.

Já no final da ditadura, diversos municípios - não obstante as limitações de toda ordem, promoviam criativas e produtivas gestões administrativas, reincorporando a comunidade ao processo de gerenciamento municipal.

As ditaduras se alimentam de autoritarismo e centralismo, excluindo a vontade das maiorias e das minorias, atendendo exclusivamente aos setores poderosos e organizados.

As democracias se embebedam de liberdade, descentralização e participação.

É este respeito às maiorias, a necessidade de incorporar todos, de buscar uma participação mais larga e intensa que faz com que o espaço físico onde as pessoas vivem seja priorizado.

Tanto os estados como a União são figuras abstratas, distantes da população. Já o município é o espaço onde se mora, estuda, diverte e trabalha. Presidente da República, Governadores, deputados e senadores raramente são vistos fora da televisão. Os prefeitos e vereadores estão bem perto, num endereço que todos conhecem, ao alcance da mão.

Exatamente esta proximidade abre a possibilidade da participação se tornar efetiva, fiscalizando os atos de governo, dificultando e impedindo os desvios e corrupção.

O mundo contemporâneo passa por intensas modificações. Há tempos os países europeus promovem a unificação através da Comunidade Econômica Européia. A Ásia e a África entabulam negociações, e a América do Norte institui o NAFTA, integrando Canadá, EEUU e México. Só na América do Sul o MERCOSUL experimenta a sina da inoperância populista-caudilhesca-messiânica. Todavia, parece ser inexorável o caminho das nacionalidades em direção aos blocos econômicos, consolidando a globalização.

Não parece haver aí certa contradição? Se é verdade que o aprofundamento da democracia implica em municipalidades fortes e orgânicas, não seria também verdadeiro afirmar que a globalização esmaga as unidades nacionais e as comunidades locais? 

A experiência européia (muito à frente neste processo de unificação) mostra o contrário. Hoje existem naquele continente, com espaço e identidade definidos, comunidades locais com apenas 50 habitantes.

Não resta dúvida que a tendência pelo fortalecimento dessas comunidades e das municipalidades é uma consequência do avanço, da modernização e da democratização das sociedades.

Mas também é verdade que - para que tenhamos um município com todos os seus vetores resultando numa estrutura harmônica - demandará tempo e aprendizagem.

Quase todos os agentes políticos ainda recorrem à práticas e métodos desabonadores, retomando velhas e carcomidas manobras eleitoreiras, como o curral eleitoral, a compra dos votos, o clientelismo, a ignominiosa política das cestas básicas e bolsas-miséria...

Sem qualquer pudor recorrem ao nepotismo, a uma atitude de semi-deuses, se acreditando donos da comunidade. Administram o patrimônio público como se fora uma extensão da administração que exercitam em suas fazendas particulares.

Como raramente se valem de discussões com a comunidade, ao final dos mandatos, os vínculos de sustentação das obras e projetos – ainda que importantes, não suportam a mínima oscilação. Os novos administradores abandonam então o iniciado na gestão anterior, para dar início às "suas" obras. Um escandaloso e injurioso desperdício de recursos humanos, materiais e financeiros. As conquistas e sacrifícios ocorridos no passado são solenemente ignorados... daí vem o abjeto “nunca antes na história deste país ...”

Por outro lado, embrutecida por décadas de ditadura, tráfico de influência, serviços estatais inexistentes ou deficientes, a comunidade foi progressivamente perdendo o vigor. Suas entidades e organizações se fragilizaram e se tornaram presas fáceis, massa de manobra para interesses escusos. Esta conjuntura é o alto preço que ainda pagamos pelas décadas de arbítrio. É longo e penoso o caminho que nos conduzirá à sociedade que queremos. Mas como dizem os orientais “uma caminhada de mil quilômetros se inicia com o primeiro passo”.

E muito já caminhamos. Prefeitos, vereadores e comunidade de diversos estados já trabalham em produtiva harmonia, alcançando índices de progresso e desenvolvimento que os projetam até mesmo no exterior. Ainda que as dificuldades se apresentem quase intransponíveis, muito se produz quando se manifesta vontade política, know how e compromisso. De todas as definições, talvez a que melhor expresse nosso ideário seja a inscrita nos versos de Rodoux Faugh: “Isto dará certo porque é uma aspiração que me move, e por isto labuto diuturnamente, incansavelmente, obstinadamente...”.

Para fazer é necessário desejar, tensionar as forças para o salto, para o desafio, para a conquista. Vontade política é estar motivado, ousar, transpor os obstáculos para viabilizar o projeto em vista; é transformar os sonhos em realidade.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+