Poluição fina está ligada a 830 mil mortes de fetos por ano, diz pesquisa
Um estudo que calculou o impacto das partículas de poluição fina na
saúde gestacional sugere que a inalação de ar com esse tipo de material está
relacionada à morte de mais de 800 mil fetos por ano.
Conduzida por cientistas da China e dos EUA, a pesquisa
cruzou dados de natimortalidade (partos de fetos mortos) com medições da
qualidade do ar em 54 países em desenvolvimento para entender a relação entre
um problema e outro.
Num artigo publicado na revista
"Nature Communications", o grupo investigou o impacto das partículas
de poluentes com menos de 2,5 micrômetros (chamadas de PM2.5) nas taxas dessas
mortes de fetos. Da pesquisa, saiu uma fórmula: para cada 10 microgramas de
concentração dessas partículas por metro cúbico de ar que uma mulher grávida
respira, o risco de sua gestação terminar em uma morte perto do nascimento
aumenta em 11%.
A partir dessa relação estabelecida, os cientistas,
liderados por Tao Xue, da Universidade de Pequim, usaram mapeamentos de
qualidade do ar em 137 países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, para
estimar a relação entre a poluição fina e a natimortalidade. Nesses locais,
onde ocorrem 98% das mortes perinatais do mundo, é onde ocorrem os 830 mil
casos projetados pelo estudo. Considerando a margem de erro da estimativa, os
números ficam entre 540 mil e 1,08 milhão.
Para o Brasil, os partos de natimortos atribuídos à
poluição estão na casa dos milhares por ano. Na simulação apontada pelos
pesquisadores como a mais representativa, o Brasil aparece com 2.165 mortes
anuais atribuíveis ao problema (considerando a margem de erro, é um valor entre
1.060 e 3.329).
Essa estimativa levou em conta o ano-referência de
2015, considerando proncipalmente os locais em que a concentração de PM2.5
supera 10 microgramas por metro cúbico com frequência.
O Brasil preocupa por ter um grande número de mortes
ligadas ao problema, mas em termos percentuais não está entre as piores nações
desenvolvimento. As mortes perinatais no país atribuíveis à poluição fina são
cerca de 9%.
O lugar mais crítico do mundo para o problema é a
Índia, que além de ter população enorme possui muitas cidades grandes
extremamente poluídas. Ali, 52% das mortes de fetos estão ligadas à qualidade
do ar, totalizando mais de 215 mil casos estimados por ano.
Os mecanismos biológicos pelos quais a poluição fina
eleva o risco de natimortalidade não foram objeto direto do estudo, mas o
pesquisadores elencam algumas possibilidades.
"Em primeiro lugar, partículas finas do ambiente
podem atravessar diretamente a barreira placentária e desencadear lesões
hipóxicas [por asfixia] ou imunomediadas [por inflamações], que podem causar
danos embrionários irreversíveis", escrevem Xue e seus coautores. "As
anormalidades placentárias são mais freqüentemente encontradas em natimortos do
que em nascidos vivos, e têm sido consideradas como possíveis mecanismos para
explicar as mortes fetais."
Uma das vias de dano que as partículas finas podem
causar é a chamada "metilação de DNA", processo químico que provoca
mutações genéticas, explicam os cientistas.
'Tragédia
negligenciada'
Todas esses problemas já haviam sido relatados na
literatura médica, disse o pesquisador, mas até agora não existia ainda uma
estimativa global da escala que o problema possui. Os pesquisadores defendem
que os números divulgados agora deixam claro que o investimento em políticas de
combate à poluição teriam um impacto grande na saúde gestacional.
"A ONU considera o impacto global da
natimortalidade uma tragédia negligenciada", afirmam os autores.
"Entretanto, essa questão tem recebido pouca atenção. Por exemplo, a
natimortalidade não foi incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
nem é rastreada pelo estudo Global Burden of Disease (GBD), que contava apenas
nascidos vivos."
Xue e colegas defendem que o problema se torne um
indicador mais importante nas metas de progresso para saúde nos próximos anos.
O
Globo (com adaptações)
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