sexta-feira, 12 de maio de 2023

'Sonho chinês' de Xi não é para todos


 Wu Di é casado, tem um segundo filho a caminho, possui um apartamento em Pequim e um carro financiado, graças a um emprego bem remunerado no setor de tecnologia. À sua maneira, ele realizou o "Sonho Chinês".

 

Ele conseguiu, inclusive, superar as restritivas regras de residência da China para se mudar da província de Shandong (leste) para a capital, perto do bairro de classe média de Shangdi.

"As coisas estão indo muito bem", diz Wu, de 33 anos, com um sorriso.

Sua ascensão na pirâmide social da agitada e competitiva capital chinesa andou de mãos dadas com a liderança do presidente Xi Jinping.

Há dez anos, Xi revelou seu "Sonho Chinês", uma grande visão para restaurar a influência global do país por meio de um esforço coletivo para prosperidade, poder e glória, liderado pelo Partido Comunista.

Entre suas conquistas, destaca ter tirado dezenas de milhões da pobreza com uma economia vibrante, graças à tecnologia, as cadeias de suprimento industriais e a energia incansável de 1,4 bilhão de pessoas. Isso trouxe novas liberdades e oportunidades para a população, assim como desafios inesperados para um partido que prioriza o controle e a sobrevivência.

"Cada pessoa tem seus próprios ideais, aspirações e sonhos", disse Xi em um discurso em 29 de novembro de 2012, pouco depois de se tornar secretário-geral do partido.

"Na minha opinião, realizar o grande rejuvenescimento da nação chinesa é o maior sonho chinês", declarou.

Agora, porém, enquanto o presidente se prepara para um terceiro mandato sem precedentes, alguns veem esse sonho se esvair.

Mesmo no pacato bairro de Shangdi, a ansiedade espreita por trás dos sinais da opulência. Lá, os trabalhadores se preocupam com a exaustão, o aumento do custo da moradia e da criação dos filhos, ou com a pressão social para se casar. Tudo isso em uma economia sobrecarregada pela pandemia da covid-19.

As expectativas de futuro estão mudando, o que pode ter profundas implicações para o poder na China.

"As pessoas querem coisas diferentes do que queriam antes", comenta Anna Chen, de 29 anos.

- Contos tecnológicos -

Na última década, enormes prédios de escritórios transformaram Shangdi de um subúrbio comum em um marco no mapa tecnológico da China.

A área fica perto das ruínas do Antigo Palácio de Verão destruído por soldados britânicos em 1860, uma lembrança do "Século de Humilhação" da China diante das nações ocidentais que ainda fere Pequim.

Muitos dos novos residentes de Shangdi trabalham para gigantes da tecnologia como Baidu, Kuaishou e Didi Chuxing, empresas que dominam a vida cotidiana no país mais populoso do mundo e que agora superam muitos de seus concorrentes ocidentais.

Com seus óculos de aro de metal, camiseta escura e calça de moletom, Sheldon Zhang, de 31 anos, usa o uniforme de uma geração de jovens profissionais da tecnologia que emergem como alguns dos mais cosmopolitas e com melhor formação da história chinesa.

Zhang abandonou a faculdade e cofundou uma "startup" aos 20 e poucos anos. Hoje, é um "designer de experiência do usuário" em uma grande empresa de Internet, que brinca com robótica e Inteligência Artificial em um emprego para "o benefício futuro da humanidade".

Lugares como Shangdi são centros de impulso para Inteligência Artificial, computação quântica, sensores e chips de informática destacados como essenciais para a próxima fase do desenvolvimento chinês no plano quinquenal do partido. Mas, da indústria, advertem para um "inverno" no setor ante a campanha de Pequim para conter essas grandes empresas, temendo que tenham um poder excessivo sobre os consumidores.

O crescimento da receita em empresas como Alibaba e Tencent está se desacelerando, e aumentam as demissões no setor.

E a economia da China cresceu apenas 0,4% no segundo trimestre deste ano, seu pior desempenho desde o início da pandemia.

"Sem uma explosão em novas tecnologias, podemos começar a desacelerar, ou retroceder", afirma Zhang.

- Choque de realidade -

Alguns já sentem o frio do inverno.

Li Mengzhen, especialista em estratégia de uma plataforma de vídeos curtos, diz que os trabalhadores da indústria já se autodenominam "trabalhadores digitais".

"Nossa situação é bastante semelhante à dos trabalhadores migrantes na década de 1990", diz esta jovem de 27 anos.

"Nossos programadores são como as pessoas que trabalhavam em máquinas de costura, ou aparafusando parafusos (...) Seu trabalho é facilmente substituível", acrescenta.

Embora tenha um salário decente, ela teme que comprar uma propriedade em Shangdi, onde os apartamentos alcançam, facilmente, os 100.000 iuanes (US$ 14.100) por metro quadrado, esteja para sempre fora de seu alcance.

"Deixamos nossas casas para trabalhar em Pequim (...) mas não podemos dizer que somos pequineses", desabafa Li.

É um mal-estar que se espalha entre sua geração. Muitos deles entram em uma espiral de tédio e terminam na contracultura do "não fazer nada", abandonando esse ciclo interminável de trabalho em busca de metas impossíveis da vida urbana.

A insistência da China em uma política de "covid zero" reduziu o crescimento e tornou ainda mais difícil encontrar um emprego, ou mesmo mantê-lo.

O desemprego entre os jovens nas zonas urbanas bateu recordes este ano, atingindo o pico em julho, com quase 20% da população entre 16 e 24 anos desempregada, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas.

Ainda assim, a nova cultura urbana oferece brechas.

Em um café no sul de Shangdi, Feng Jing explica, sorridente, que acaba de deixar seu emprego em uma plataforma audiovisual para se tornar instrutora de ioga.

"Sou alguém que busca a liberdade", diz a mulher de 30 anos. "Não me sinto presa ao dinheiro, ou a outras ideias preconcebidas", completou.

- Valores familiares -

No "Love Park" do distrito, as crianças correm umas atrás das outras, vigiadas por estátuas de pedra com inscrições do passado comunista da China.

"Estabilizar o baixo nível de natalidade, aumentar a qualidade da população de recém-nascidos" entoa um monumento dedicado à política de planejamento familiar imposta no final da década de 1970 para conter o crescimento populacional e que proibiu muitas famílias de ter mais de um filho.

O governo agora incentiva as famílias a terem até três filhos para reverter a crise demográfica que pode obrigar as minguantes e esgotadas novas gerações a arcar com os custos de centenas de milhões de idosos.

Este pode ser o maior desafio do "Sonho Chinês" e ameaça condicionar os gastos do Estado para fornecer cuidados de saúde e pensões aos cerca de 400 milhões de pessoas com mais de 60 anos até 2040.

Se a tendência continuar, a população da China atingirá seu pico no final da década antes de entrar em um declínio "sustentável", segundo a Academia Chinesa de Ciências Sociais, ligada ao Estado.

Isso pode infligir “consequências sociais e econômicas extremamente desfavoráveis” ao país, adverte.

Até agora, as tentativas de impulsionar a taxa de natalidade com incentivos fiscais e reembolsos do custo do cuidado infantil não tiveram eco.

"Um filho já é caro o suficiente", desabafou um pai, que pediu para não ser identificado.

Outros questionam a "necessidade"de se casar, ou ter filhos, uma posição radical em uma sociedade patriarcal marcada por uma grande pressão para se começar uma família.

Na contramão disso, Anna Chen afirma que seu objetivo é trabalhar o suficiente para viajar pelo mundo e ajudar seus pais na velhice.

"Já tem gente suficiente no mundo", disse ela à AFP, também usando um pseudônimo, para evitar represálias de sua empresa.

"E, do jeito que a sociedade está se desenvolvendo, você pode viver bem sem casamento, ou filhos", acrescenta.

- Construir o sonho para os outros -

À sombra de um prédio de apartamentos de luxo, Wang Yufu, de 70 anos, tenta escapar do calor do meio-dia do verão em Pequim.

Ele se mudou da província de Jiangsu (leste) para a capital mais ou menos na época em que Xi revelou seu "Sonho Chinês". Alegre e discreto, ele lidera uma equipe de trabalhadores migrantes que cuidam das áreas verdes de Shangdi.

Wang ganha cerca de 6.500 iuanes (US$ 917) por mês, um valor bem maior hoje do que quando chegou.

A rápida urbanização da China nas últimas quatro décadas se deve à mão de obra migrante. Dados oficiais indicam que há cerca de 290 milhões de pessoas deslocadas do campo para a cidade, muitas delas dedicadas à construção da China moderna, com empregos de baixos salários. Os rígidos requisitos de residência e o elevado custo de vida impedem a maioria, porém, de se estabelecer nas cidades que ajudaram e ajudam a construir.

Terminada a pausa para o almoço, Wang convence sua equipe a voltar ao trabalho. Para ele, as coisas estão melhores do que há uma década, mas os grandes sonhos ainda são dos outros: "Pessoas como nós nunca poderão comprar uma casa aqui".

AFP, Matthew Walsh


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