quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

O grande salto para trás

 


É sério notar que há resistências políticas à vacina, evidente sintoma do retrocesso

 

Paul Ormerod, em “O Efeito Borboleta”, descreve uma inspiradora experiência que Brian Arthur e dois matemáticos russos traduziram em elegantes equações. Já falei dela aqui no Valor. De uma urna, que contém uma quantidade não conhecida de bolas, é retirada uma da cor azul, que é reposta, só que ao lado de outra da mesma cor. Embora os efeitos sejam ínfimos, isto eleva as chances de a próxima bola retirada ser também azul, independentemente da proporção original entre azuis e brancas. Este efeito é um feedback positivo. Não é o que vemos no Brasil do século XXI. 

 

Tenho acompanhado a avalanche de textos acerca da involução em diferentes segmentos da sociedade, além das diversas naturezas de retrocessos econômicos. Os resultados intrigam e são também explicados por uma fatídica equação. “Quando o assunto é racismo, o Brasil sempre volta à quadra u m”. Assim Miriam Leitão começou sua coluna no Globo de 24 de outubro. Atualizada, ela conta as idas e vindas das políticas de combate ao racismo, se é que há alguma. E ela tem razão. Sinto na cor da (própria) pele. Dois dias depois, o professor Thiago Amparo, desta feita na Folha de São Paulo, relatou pesquisa da UFSCar, em que policiais negros, mesmo gratos por fazerem parte da tropa, temem seus colegas quando estão de folga, sem farda. 

 

Voltar uma, duas ou mais quadras não é “privilégio” apenas do racismo. O professor Jorge Zaverucha, no Globo de 26 de dezembro, aponta que mesmo o regime democrático teve mais retrocessos que avanços. Não acho que chegue a tanto. A possibilidade de eleição, até de antidemocratas, e dois processos de impeachment em menos de 25 anos indicam que ainda não retrocedemos, mas chegamos a um perigoso ponto de inflexão. 

 

Na economia a situação é mais contundente. Entre 2011 e 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu, no máximo, 2,2%, contra mais de 30% do PIB global. Como a população brasileira aumentou muito mais que 2,2%, a renda per capita teve uma queda brutal, o que nos afastou de um padrão razoável de bem-estar. É péssima a notícia. A economia tende a manter-se em desequilíbrio quando seus resultados não são promissores, isto é, quando o encolhimento é o lugar comum. Isto aumenta o oportunismo nas relações políticas. 

 

A estabilidade da moeda, inteligentemente conseguida no curto governo Itamar Franco, foi toscamente trocada pela possibilidade de reeleição em cargos do Executivo. Os custos desse nocivo (e caro) equívoco são pagos com repulsivas crises políticas e permanente instabilidade das contas públicas. Fernando Henrique Cardoso (FHC) é ele mesmo testemunha (arrependida) da bobagem que articulou. É um cenário que nos empobrece, sob todos os aspectos, e coloca em risco o objetivo alcançado, que foi o fim da inflação doentia. Também ajudou a consolidar um emblemático padrão de negociação política, o “é dando que se recebe”, que insiste em ficar por aí, e piorado. 

 

Os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), que proporcionaram uma inaudita política de inclusão, deixaram um rastro de maracutaias, termo daquela época, além do desrespeito aos ditames das regras orçamentárias, que viraria moda, não fosse a vigilância do Tribunal de Contas da União, ou de parte dele. E o impeachment de uma chefe do Executivo parece não ser o fim desse longo período. 

 

A gestão da pandemia, aqui e alhures, conduz a dois quadros terrivelmente opostos. De um lado, a união de forças, recursos financeiros e, em especial, de esforços científicos, mostram que há disponível um conjunto de instrumentos que podem minimizar e até prevenir os graves danos da covid-19. O distanciamento social e a descoberta de vacinas em horizonte inferior a 10 meses ilustram esses esforços. 

 

De outro lado, porém, surge a estreiteza política, que prefiro chamar de criadouro de feedbacks negativos. É mal antigo, agravado por agora. Não há limites para desprezar o recurso econômico mais valioso da humanidade, o conhecimento, talvez nossa principal fonte de riqueza. O número de mortos com a covid-19 seria bem menor se o distanciamento social não tivesse sido negligenciado. Mais sério ainda é notar que há resistências políticas à vacina. É um evidente sintoma do retrocesso, do retorno à quadra 1. 

 

Até na expectativa de vida o cenário é de recuo. Estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), citados no Estadão de 28 de dezembro, destacam que em um ano o Brasil perderá o que alcançou em seis. A pandemia da covid-19 é a principal explicação para número tão desproporcional. Contudo, a elevada quantidade de jovens mortos pela violência, inclusive a policial, já sinalizava a tendência apontada em tais estudos. 

 

A violência, muito a propósito, é uma das variáveis sobre a qual o retrocesso seria até um elogio. Segundo o mesmo Ipea, a taxa de homicídios, entre 2007 e 2017, cresceu 33,1% e 3,3% para negros e não negros, respectivamente. E esses números apenas pioram. 

 

O cenário é de escassez, acentuada pelos já sistemáticos feedbacks negativos. E não fiz referência aos estonteantes retrocessos ambientais, que exigem um artigo especial. A tendência é de fique mais restrito o acesso ao comércio exterior, dados os efeitos danosos sobre a imagem brasileira. As necessidades são bem maiores que os recursos disponíveis. O orçamento tem sérias restrições, o déficit fiscal avança a taxas crescentes e o ritmo de geração de empregos é muito lento. 

 

São circunstâncias que exigem perspicácia e capacidade de persuasão para convencer que é essencial fazer mais com menos, principal significado de produtividade. Só que isso não se faz com atitudes extremas ou com uma estratégia do tipo tit for tat. Como o jogo político tende a ser repetido infinitas vezes, a cooperação, mesmo entre opostos, é também um bom caminho para reconciliar os interesses divergentes. 

 

E as perspectivas econômicas são cada vez mais obscuras. 2021 ainda será marcado pela pandemia. A política liberal, um ponto positivo do governo atual, foi precocemente transformada em um “me engana que eu gosto”. As falas presidenciais não escondem isso. O caso recente da Ceagesp e os pífios resultados das promessas de privatização dão o tom dessa transformação, que ficará mais nítida com o aproximar das eleições de 2022. 

 

Desde a redemocratização, o processo de escolha, sobretudo para os cargos do Executivo, tem sido, grosso modo, na modalidade de “o menos pior”, entre 1990 e 2017, ou “não tem tu, vai tu mesmo”, em 2018. FHC talvez seja a rara exceção — no primeiro governo. Os resultados, claro, foram desastrosos. É dando que se recebe, somado com o menos pior, multiplicado pelo me engana que eu gosto e elevado a não tem tu, vai tu mesmo, não é outra coisa que não o grande salto para trás, que é a integral do longo ciclo de sucessivos feedbacks negativos. Fatídica equação.

 

A estabilidade da moeda foi toscamente trocada pela possibilidade de reeleição em cargos do Executivo.

 

Por Edvaldo Santana, no Valor Econômico  


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