sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Cabe responsabilização de parecerista que não seguir jurisprudência pacificada do TCU?



É ônus do TCU indicar sua jurisprudência pacificada com base em sólida metodologia

 

Parecerista pode ser pessoalmente responsabilizado se deixar de considerar jurisprudência pacificada pelo TCU. O entendimento integra a razão de decidir do Acórdão 13.375/2020, recebido com grande preocupação pela comunidade jurídica, especialmente pelos advogados públicos, que agora se veem obrigados a reconhecer jurisprudência pacífica do TCU e segui-la fielmente para não serem responsabilizados.

No caso concreto, pregoeira e assessor jurídico do Município de Jacobina (BA) foram sancionados por restringirem indevidamente a competitividade em pregão, realizado em 2014, para contratação de serviço de transporte escolar.

O edital exigia a vistoria da totalidade dos veículos necessários ao cumprimento do contrato para qualificação técnica. Segundo o TCU, esta exigência contraria súmula 272 do Tribunal[1] e 'farta jurisprudência' sobre o assunto.

Porém, os precedentes mencionados no voto são posteriores a 2014, quando o pregão foi realizado (Ac. 656/2016; Ac. 2939/2018; Ac. 2098/2019). O relatório lista julgados para refutar o argumento da defesa de que a 'linha jurisprudencial não seria consensual à época do certame', mas nenhum deles tem similaridade com os fatos, versando sobre aquisição de imobiliários ou materiais para manutenção de bens imóveis, construção de novo campus universitário, construção ou ampliação de sistema sanitário e construção de escola.

Tampouco esses precedentes se conectam com a questão jurídica de fundo, versando sobre a exigência de visita técnica por profissional específico da empresa licitante (Ac. 2179/2011; Ac. 2669/2013; Ac. 1215/2014), a exigência de visita técnica em um único dia ou datas e horário pré-definidos (Ac. 1172/2012; Ac. 147/2013; Ac. 2669/2013) ou ausência de previsão da substituição da visita técnica por declaração (Ac. 1955/2014; Ac. 656/2016). Os mesmos problemas se verificam com os precedentes do voto.

Em exercício simples de pesquisa de jurisprudência com base em 37 acórdãos com conexão ao caso concreto, apreciados pelo TCU até cinco anos antes do certame[2], constatou-se que não havia jurisprudência pacificada no TCU sobre a exigência de vistoria veicular para fins de qualificação técnica, credenciamento ou habilitação.

A exigência de vistoria veicular para fins de qualificação técnica surgiu como uma prática administrativa voltada a contornar problemas de qualidade e quantidade de veículos de transporte escolar, recorrentes nos pequenos municípios beneficiados pelo Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar.

Em 2012, é editada a súmula 272 do TCU, treinando o olhar dos auditores para esta questão. Porém, a súmula jamais foi aplicada e nos dois casos em que se reconheceu a ilegalidade da vistoria durante o certame, não houve responsabilização (Ac. 1557/2012; Ac. 2874/2013). Ademais, o relatório de auditoria da política pública (Ac. 1614/2013) não apresentou qualquer recomendação ou determinação sobre o assunto.

O reconhecimento da jurisprudência pacificada pelo TCU não é tarefa simples, devendo ser orientada pela Nova LINDB e pelo CPC.

É ônus do TCU indicar com clareza a sua jurisprudência pacificada, preferencialmente na forma de súmulas. O CPC é bastante claro em conferir essa responsabilidade aos Tribunais.

O ônus de dizer a jurisprudência pacífica não pode ser transferido ao particular e nem aos advogados públicos, que jamais poderão ser responsabilizados por deixar de reconhecê-la ou desconsiderá-la (tipificação assim fere a reserva de lei).

O reconhecimento da jurisprudência pacífica deve ser guiado por metodologia sólida, com amostra composta pela similaridade com o caso concreto e a questão jurídica em debate, e que sejam situados à época dos fatos.

Mais importante que reconhecer a jurisprudência pacificada, busca inglória em qualquer Tribunal, é trabalhar para a boa fundamentação das decisões.


[1] Súmula 272 do TCU: '[n]o edital de licitação, é vedada a inclusão de exigências de habilitação e de quesitos de pontuação técnica para cujo atendimento os licitantes tenham de incorrer em custos que não sejam necessários anteriormente à celebração do contrato'.

[2] Busquei no sistema de pesquisa disponibilizado pelo TCU acórdãos apreciados pelo Plenário entre 1º de janeiro de 2009 e 1º de janeiro de 2014 com as palavras-chave ['transporte escolar' habilitação competitividade veículo].

Por Juliana Bonacorsi de Palma, no Jota  


Juliana Bonacorsi de Palma - Professora da FGV Direito SP. Mestre e doutora pela Faculdade de Direito da USP e LL.M. pela Yale Law School.


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