sábado, 12 de outubro de 2019

SANEAMENTO - NOVO MARCO LEGAL PARA SAIR DO ATRASO




Quase mil contratos de obras que estão paralisadas correspondem a cerca de R$ 13,5 bilhões, a maioria no Nordeste

Na tentativa de melhorar o estado crítico do saneamento básico no país, onde quase 40 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e mais de cem milhões não contam com coleta de esgoto, o poder público e o setor privado iniciaram em setembro debates em audiências públicas sobre um novo marco legal que permita corrigir a área mais atrasada da infraestrutura. A base das discussões é o Projeto de Lei 3.261/2019, que estabelece novo conjunto de regras para o saneamento básico no Brasil, em substituição à Medida Provisória 868/2018, que perdeu validade antes mesmo de ser votada pelo Congresso. O novo texto altera a Lei do Saneamento Básico (Lei n° 11.455/07) e abre caminho para a exploração desses serviços pela iniciativa privada.

Mapeamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que, de 718 obras de infraestrutura em atraso, 429 são da área de saneamento. Já uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) indica que existem quase mil contratos de obras nessa área que estão paralisadas, número que corresponde a cerca de R$ 13,5 bilhões em contratos, a maioria no Nordeste.

Embora os fatores desses atrasos estejam relacionados a problemas técnicos nos projetos e a questões legais e ambientais, entre outros, o maior e principal é mesmo a falta de recursos. De R$ 11 bilhões, em média, destinados para o setor nos últimos anos - cifra considerada insuficiente apenas 20% se referem a aportes do setor privado. Os 80% restantes são recursos públicos.

Deste montante, entretanto, R$ 7 bilhões são absorvidos apenas por cinco Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco). Os RS 4 bilhões restantes precisam ser divididos entre o resto do país. Ou seja, na opinião de especialistas, trata-se de uma alocação de recursos desigual e perversa.

“Os recursos são tão poucos que é quase impossível acreditar que vamos atingir a meta de universalização em 2033, traçada pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Mesmo no melhor cenário não temos perspectivas de chegar a isso”, afirma Édison Carlos, presidente-executivo do Trata Brasil, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento e na proteção dos recursos hídricos.

Para Carlos, mesmo que o atual modelo venha a ser mudado, abri n- do mais espaço para a iniciativa privada, a meta de universalizar o acesso aos quatro serviços do saneamento (água, esgoto, resíduos e drenagem) deverá ser atingida só em 2040. “E já se fala até em 2060.”

Christianne Dias, diretora-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), avalia que, para atingir a meta, seriam necessários pelo menos R$ 20 bilhões por ano em investimentos, recursos que o poder público não tem. Para 2020, por exemplo, o orçamento do governo federal destinou 21 % menos do que havia sido previsto pelo Ministério do Desenvolvimento Regional no início deste ano, caindo de R$ 835,5 milhões para R$ 661 milhões.

A previsão de aperto nas verbas federais vai na contramão das necessidades para reduzir os problemas no saneamento básico. Mantido esse ritmo, uma parcela significativa da população ainda permanecerá sem água encanada e sem coleta e tratamento de esgoto em 2050.

Segundo o chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Saneamento, do Ministério do Desenvolvimento Regional, Geraldo Melo Corrêa, para universalizar o setor, seriam necessários RS 597,8 bilhões até 2033. Esta cifra, que não considera recursos necessários para manutenção e modernização de redes já existentes, é tão significativa que só seria possível alcançá-la mediante aportes do setor privado. “Precisamos de uma articulação urgente e efetiva entre a iniciativa privada e o poder público para resolver os problemas, aumentar a competição e garantir a qualidade e eficiência”, diz o deputado federal Evair de Melo (PP-ES), que preside a Comissão Especial instalada na Câmara.

Para ele, o Brasil tem neste momento a oportunidade de atrair capital privado para melhorar “o quadro caótico, estagnado e atrasado do saneamento básico brasileiro”. Ele acredita que a aprovação do novo marco regulatório permitirá destravar o interesse do setor privado nas empresas municipais e estaduais de saneamento, consideradas por ele “amadoras, despreparadas e sem condições técnicas e financeiras” para prestar esse serviço essencial para a população.

Sobre a possibilidade de o novo marco legal abrir caminho para a privatização de empresas municiais e estaduais de saneamento, o presidente-executivo do Trata Brasil afirma que isso não deve ocorrer. “Não acredito que isso possa ocorrer, por exemplo, no Nordeste e nem no Sul.Talvez em alguns municípios do Sudeste e do Norte. O problema é que para as boas companhias, as que estão com suas contas fiscais arrumadas, sempre haverá possíveis compradores. Mas para as que têm hoje um quadro fiscal complicado, ou para as de municípios pequenos e afastados, acredito ser difícil conseguira atenção de parceiros privados ou potenciais investidores.”

Os críticos ao projeto do novo marco legal alegam que as empresas privadas vão querer operar apenas nos grandes centros urbanos, onde os seus investimentos seriam mais rentáveis, deixando cidades menores e mais afastadas de lado. Em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, seus principais controladores já manifestaram interesse em privatizar suas companhias de saneamento.

É o caso da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae). João Doria, governador paulista, disse em meados do ano que a melhor opção para a Sabesp seria mesmo privatizá-la. Para ele, a venda do controle da Sabesp poderia render pelo menos R$ 20 bilhões.

Outros Estados também manifestaram interesse. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fez estudos de viabilização da Cedae, da Companhia de Águas e Esgotos do Estado de Rondônia (Caerd) e da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa).
Por VIadimir Goitia, na Revista Valor Setorial / Noticias
Do Correio Braziliense Online



Para saber mais, clique aqui