quinta-feira, 3 de maio de 2018

Hora da verdade para 'nossas' empreiteiras?



Uma batata quente está pulando de gabinete em gabinete no TCU desde o fim de março, quando a secretaria responsável pela fiscalização das obras investigadas pela Operação Lava-Jato recomendou que as quatro maiores empreiteiras do país fossem proibidas de fazer qualquer negócio com o poder público por até cinco anos.

O processo, iniciado em 2013, investiga um contrato de US$ 800 milhões para prestação de serviços à Petrobras no exterior. A Odebrecht já admitiu que o negócio foi obtido mediante propina, acertada com o então deputado Eduardo Cunha e o então candidato a vice-presidente, Michel Temer. Os dois dizem que é tudo mentira.

Além da gorjeta para os políticos, a empresa contou com a solidariedade das principais concorrentes. Andrade Gutierrez e OAS teriam feito a chamada proposta de cobertura, como é conhecido o lance fictício inserido no processo licitatório para simular uma competição que nunca existiu. A Camargo Corrêa, segundo o TCU, também fez parte do arranjado, mas na última hora acabou não apresentando sua "proposta".

Flerte com o calote sugere que calvário chegou ao clímax

Os auditores concluíram que as quatro devem ser condenadas por
fraude à licitação. O relatório foi encaminhado ao relator, Vital do Rêgo, mas ele declinou de avaliar o caso, por ter sido mencionado na delação da Odebrecht. Após sorteio eletrônico, a batata caiu no colo do ministro Aroldo Cedraz, mas ele também não quis saber do assunto - seu filho apareceu na delação do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC. Um novo sorteio terá que ser feito para definir o próximo felizardo.

Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez sempre encabeçaram o ranking da revista "O Empreiteiro", que elenca as construtoras mais poderosas do país. Boa parte desse prestígio foi construído graças a grandes obras públicas, que ficarão fora do horizonte das empresas se a inidoneidade for confirmada.

A estiagem de contratos com o governo começou com a eclosão da Lava-Jato, há quatro anos, mas o calvário das gigantes da construção parece se aproximar do clímax, no momento em que Odebrecht e Andrade passam a flertar seriamente com o calote e, quem sabe, com a recuperação judicial, como já fez a OAS.

Na semana passada, as duas empresas se depararam ironicamente com a mesma cifra: R$ 500 milhões. A Odebrecht precisava dessa quantia para quitar títulos emitidos no exterior e não conseguiu. A rival teve o mesmo montante bloqueado pelo TCU.

Inimaginável até pouco tempo atrás ver empresas que sempre navegaram nos oceanos das dezenas (até centenas) de bilhões peregrinando pela banca com o pires na mão por conta de R$ 500 milhões.

No caso da Andrade, a decisão do TCU, considerada "desastrosa", foi anunciada alguns dias antes do vencimento de um compromisso de R$ 1,2 bilhão em bônus. Até a noite de segunda-feira, data do vencimento, não havia notícia de que a empresa tinha conseguido quitar a dívida.

Apesar dos esforços para venda de ativos, da criação de inovadores programas de conformidade e dos cortes de despesas, a sobrevivência das maiores construtoras do país depende de um acerto de contas definitivo com o Estado. O problema é que a boa vontade necessária para que isso aconteça está em falta nos dois lados do balcão.

Quando perceberam que a Lava-Jato era pra valer - cada uma a seu tempo -, as empresas correram para fechar um acordo de leniência com o Ministério Público Federal. Primeira a assinar, a Camargo prometeu devolver R$ 700 milhões. A Andrade, logo depois, ofereceu R$ 1 bilhão.

Acontece que esses valores foram definidos em uma conta de padeiro, e as empresas sabiam disso. Também sabiam que os demais órgãos de controle do Estado exigiriam mais dinheiro para fechar a leniência, mas se fizeram de mortas. Passaram a procrastinar intencionalmente os processos, na esperança de que o acordo com o MPF prevalecesse sobre os demais.

A estratégia aguçou a ira dos técnicos dos órgãos de controle. Mesmo sendo fãs confessos de Deltan e sua trupe, fiscais do TCU e da CGU trabalham com a faca nos dentes para legitimar seus acordos. Há, inclusive, quem defenda que alguma empreiteira grande quebre para "dar o exemplo".

Nesse contexto, a negociação fica praticamente interditada. No caso da Andrade, o litígio chegou ao ponto de a empresa procurar o STF para evitar uma condenação futura no TCU. Na sessão da semana passada, a empresa ouviu poucas e boas de alguns ministros. "Como é possível estar colaborando e litigando ao mesmo tempo?", desafiou Bruno Dantas. Ele voltou a alertá-la que o acordo com o MPF não será suficiente.

Enquanto o impasse persiste, muita gente perde o emprego. Entre 2013 e 2017, Andrade e a Odebrecht demitiram, juntas, quase 250 mil colaboradores. A Camargo dispensou 20 mil pessoas no mesmo período.

Há quem diga que as grandes obras continuarão sendo necessárias e que outras empresas podem fazer o serviço. Não é bem assim. Foi a expertise desenvolvida pelas principais construtoras do país ao longo de anos que as levou a atender quase 20% do mercado sul-americano, para ficar só nesse exemplo. A exportação de engenharia pesada é para quem pode e não para quem deseja.

Espera-se, portanto, que essa capacidade não seja completamente perdida. Da mesma forma, é importante que todo o ressarcimento possível seja feito, para que a sociedade pare de fazer cara feia sempre que ouvir o nome de uma empreiteira ou o sobrenome de um empreiteiro.

Ainda não está claro, porém, se as empresas estão fazendo tudo o que podem para acertar os ponteiros com o Estado. A estratégia, ao que parece, continua considerando a melhor equação financeira possível, em detrimento de um acordo definitivo e uma desejável virada de página.

O quadro atual mostra que a leniência passou de necessária a urgente para as empreiteiras. A merecida reputação de excelência já recebeu o carimbo vermelho da corrupção. Que a fama de más pagadoras não venha para botar tudo a perder.

Murillo Camarotto, no Valor Econômico





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