sábado, 26 de maio de 2018

Expansão da infraestrutura é chave para crescimento



Debate promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae) questiona falta de planejamento e investimento em setor estratégico para a economia do País
'O usuário precisa do melhor serviço ao menor custo possível. Está faltando no Brasil a soberania do usuário' RAUL VELLOSO, ECONOMISTA 'O setor privado tem segurança para entrar em um negócio de concessão? Não' CESAR BORGES, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONCESSIONÁRIAS DE RODOVIAS (ABCR)

O XXX Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), reuniu governadores, economistas, juristas e representantes do Governo Federal nos dias 10 e 11 de maio, no BNDES. Os debates giraram em torno de duas vertentes: a necessidade urgente de uma retomada dos investimentos em infraestrutura de transportes e uma proposta de equacionamento da previdência pública, como forma de assegurar aos governos fôlego financeiro suficiente para voltarem a investir no setor, atuando como indutores e garantindo, assim, êxito nos futuros projetos de concessões.

Houve consensos em relação à falta de projetos de infraestrutura e planejamento de longo prazo, à urgência da retomada dos investimentos públicos independente da agenda eleitoral de curto prazo e à melhora da atratividade para o investimento privado no setor, incluindo aprimoramento de governança e regulação. O problema, conforme os economistas convidados, é que o País enfrenta recessão econômica e crise fiscal, o que inviabiliza novos investimentos públicos no setor.

Apesar do cenário sombrio, o Fórum injetou otimismo ao debate, com proposta dos economistas Raul Velloso e Leonardo Rolim, para resolver o impasse do investimento em meio à crise. O estudo aponta ser possível equacionar a previdência pública por meio da criação de fundos de pensão e, com isso, abrir espaço orçamentário nas contas de todos os entes públicos para que os governos voltem a investir, além de desanuviar o ambiente para investimentos privados em geral.

À frente da direção do Fórum pelo segundo ano consecutivo, o economista Raul Velloso trouxe para discussão números que mostram o panorama drástico da infraestrutura de transportes no País, ref letindo a queda acentuada dos investimentos públicos no setor. Tais investimentos, que chegaram a representar 10,5% do PIB em 1975, caíram para 1,8% do PIB em 2017, o menor da história, conforme dados da Instituição Fiscal Independente, do Senado. 'O investimento público simplesmente desapareceu no Brasil', disse Velloso, autor do estudo 'Infraestrutura de transporte: atratividade para o capital privado é a chave de tudo'.

A queda levou a uma correlata redução do investimento privado, o que explica a atual deterioração das rodovias e ferrovias brasileiras, entre outros motivos discutidos no Fórum. O setor privado, sozinho, não tem condições de fazer frente à demanda por infraestrutura, o que traz efeitos negativos sérios em duas frentes: para a economia, a médio e longo prazo; e para o cidadão, a curtíssimo prazo. Do ponto de vista macro, põe em risco a esperada retomada do crescimento brasileiro, já que compromete, por exemplo, a produtividade, a competitividade das empresas nacionais, a recuperação da indústria e do emprego.

A queda de investimentos também afeta o dia a dia das pessoas, já que a infraestrutura faz parte do cotidiano de todos. 'É fundamental trazermos a agenda da infraestrutura para o debate e para o equacionamento dos problemas', disse Raul Velloso, acrescentando: 'Diante da escassez de capital e da péssima qualidade de nossa infraestrutura, é necessário que os projetos escolhidos sejam aqueles que tragam o maior retorno possível para a sociedade. O usuário precisa do melhor serviço ao menor custo possível. Está faltando no Brasil a soberania do usuário'. Velloso contrastou essa ideia com a visão populista em vigor, que simplesmente defende o menor custo imaginável, deixando de lado a qualidade e a atratividade para o privado.

O tema também foi enfatizado pelo presidente do Conselho Diretor do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Evaristo Pinheiro. A seu ver, o primeiro grande desafio é colocar a infraestrutura na pauta do País. 'A sociedade não tem em mente o que a falta de infraestrutura provoca, quando tem que passar por uma rua esburacada, quando tem que pegar um transporte para ir ao trabalho', disse, lembrando que os reflexos atingem até mesmo a segurança pública. 'Quando 400 mil empregos são eliminados, atingimos a parcela da população mais fragilizada.'

Os problemas gerados pela queda acentuada do investimento público em infraestrutura de transportes ganharam contornos ainda mais graves com os números trazidos pelo professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral (FDC). Segundo ele, quando o governo reduziu investimentos, a deterioração do estoque de transporte começou a aumentar. De acordo com o estudo da FDC, em 1982, a valorização do estoque de infraestrutura de transporte no Brasil correspondia a 21, 4% do PIB . Em 2016, passou para 12,1%. Ou seja, houve uma deterioração acentuada. 'Entre as 20 principais economias mundiais, o Brasil foi o país com a infraestrutura mais deteriorada, com menor valor em relação ao PIB', disse.

O efeito disso é um consistente avanço no custo logístico para as empresas nacionais, o mais elevado entre os 20 maiores países. Pesquisa da FDC feita com embarcadores mostra ainda que o item mais caro para as empresas brasileiras é o transporte de longa distância, enquanto para as dos demais países pesquisados é a armazenagem. 'Como não temos capacidade de armazenagem, temos que colocar a produção na estrada rapidamente. Nos países desenvolvidos, o custo de transporte é competitivo por natureza. O nosso gera perda de competitividade. Isso significa entre 2015 e 2017 um gasto adicional de R$ 15,5 bilhões por parte das empresas. Dinheiro que poderia estar voltado para o investimento', disse.

Com base nesse cenário, Resende ressaltou que o planejamento para novos investimentos precisa levar em conta que a matriz de transporte nacional é rodoviária; portanto, não se deve cair no erro de passar a investir em outros modais de transporte, sob o risco de provocar uma ruptura nas cadeias produtivas do Brasil. 'Muito se fala de projetos novos, mas não se comenta sobre o que existe. Se construirmos o novo em cima de alguma coisa que está se deteriorando, podemos transformar esse investimento em inutilidade', afirmou.

O Brasil demanda investimentos em infraestrutura da ordem de 4% a 5% do PIB, ao ano, durante 20 anos, para que atinja padrões comparáveis aos de economias de renda média. Nos últimos 20 anos, no entanto, a média brasileira tem sido de 2% do PIB, conforme dados de estudo indicado por Raul Velloso. Ou seja, valores que vão de R$ 130 bilhões a R$ 200 bilhões. SEGURANÇA JURÍDICA Os debates do segundo dia do Fórum Nacional trouxeram à cena a questão de que a retomada dos investimentos requer segurança jurídica, de governança e de regulação, o que, segundo o advogado Pedro Dutra, não tem sido oferecido plenamente aos investidores.

No campo da regulação, segundo ele, a situação é dramática. 'A cultura política está dominada pelo interesse partidário. O critério técnico naufraga. O interesse partidário domina o interesse público', disse, durante sua exposição. Uma das condições, portanto, para a retomada dos investimentos em infraestrutura é que os interesses partidários não interfiram nas agências reguladoras. 'As classes políticas têm de entender que esse é o inimigo da infraestrutura no Brasil. Não adianta ter o melhor plano, o melhor projeto, se o comando é partidário e não técnico', concluiu.

Ele criticou a intervenção do poder Executivo em decisões da alçada das agências reguladoras e alertou para os conflitos gerados pelo que chamou de disfunção institucional, o que acabou abrindo espaço para atuação mais abrangente tanto do Ministério Público quanto do Tribunal de Contas da União (TCU). 'Há, hoje, uma multiplicidade de atores.' Raul Velloso adicionou: 'sem agir necessariamente em favor do interesse público'.

César Borges, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), também alertou para problemas de insegurança jurídica e operacional que envolvem os projetos de concessão de rodovias no País. 'O setor privado tem segurança para entrar em um negócio de concessão? Não. O setor privado está totalmente inseguro, porque não sabe quem manda. Onde está o poder decisório?'

Borges, ex-ministro dos Transportes, enumerou as várias instâncias que o investidor precisa percorrer para levar adiante seu objetivo de disputar uma concessão: ministérios dos Transportes, do Planejamento e da Casa Civil, secretaria do PPI, Ibama, BNDES e ANTT são apenas algumas delas. Segundo ele, os órgãos de controle têm avançado por espaços deixados pelo poder público, tanto que o TCU está revisando decisões tomadas pelas agências reguladoras. 'Como vamos garantir atratividade para um concessionário que atue nesse caldo de cultura, com a multiplicidade de órgãos opinando?', questiona.

Coube ao ministro Bruno Dantas, do TCU, a defesa do trabalho dos auditores. 'Uma casa de auditores não faz leis, apenas as aplica', disse, citando três exemplos recentes de decisões do Tribunal, envolvendo atos de agências reguladoras revistos pelo TCU, com base na Constituição Federal. Ele também alertou para o perigo do que chamou de infantilização do gestor público, que vem ocorrendo quando a gestão pública evita tomar decisões inovadoras por medo de questionamentos do TCU. 'Ou pior, deixam de decidir à espera do aval do TCU.'

Sobre o assunto, o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Ary Sundfeld, falou sobre os impactos positivos da nova Lei de Segurança para a Inovação Pública, sancionada em abril deste ano. Segundo ele, a nova lei trará maior segurança para a tomada de decisões por parte dos gestores públicos, uma vez que delimita suas responsabilidades. Ele acredita que a nova lei irá destravar projetos importantes de infraestrutura, já que reduzirá o temor dos gestores públicos de sofrerem processos administrativos.

Os problemas nas contratações de obras públicas, e as alternativas de soluções, também foram discutidos. O professor Egon Moreira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), falou sobre as mudanças propostas em um projeto de lei elaborado pelo diretor da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques Neto, visando aprimorar o modelo atual. Por exemplo, a exigência de um estudo de viabilidade da obra; de segurança orçamentária e liquidez nas licitações; de licenciamento ambiental prévio; e a necessidade de órgão independente para avaliar a execução do contrato.

Mauro Viegas, presidente do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), também abordou as formas de contratação de projetos. Segundo ele, as contratações de estudos e projetos não devem ser realizadas via pregão. O critério de julgamento, na sua avaliação, deverá ser do tipo Técnica e Preço na contratação de serviços predominantemente intelectuais.

Por fim, reafirmou a frase dita pela maior parte dos participantes do Fórum: 'Precisamos de um programa de Estado, não de governo'.
O Globo


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