domingo, 12 de junho de 2016

A coisa mais inesperada que acontece a um país


  
O que têm em comum apenas Brasil, Síria, Irã, Iraque, Sérvia, Iêmen, Egito, Bahrein, Arábia Saudita, Argélia, Hungria, Equador e Luxemburgo? São os únicos países do mundo que não possuem idade mínima para aposentadoria. O caso brasileiro é praticamente excepcional. Os países europeus ou ocidentais que não optaram pela idade mínima exigem tempo de contribuição muito maior, chegando a 45 anos inclusive para mulheres. Exigências menores existem somente nos referidos países do Oriente Médio e norte da África — alguns em guerra —, em que a previdência é quase uma ficção e está disponível para poucos trabalhadores. A exclusão de boa parte da população, junto com a expectativa de vida menor,explica as regras mais brandas. Com uma cobertura baixíssima, as despesas previdenciárias chegam a somar somente 1% do PIB na Arábia Saudita.

Nesta comparação, há uma exceção. A ausência de idade mínima, com exigência de tempo de contribuição menor que a brasileira, e em uma previdência que de fato existe, é realidade no Grão-Ducado de Luxemburgo. Com um território menor do que qualquer um dos mais de 5.500 municípios do Brasil, o Grão-Ducado é o segundo país mais rico do planeta per capita.  Ainda assim, as regras generosas só valem para um benefício básico, bem abaixo da renda do país.

É claro que regras previdenciárias internacionais não devem ser simplesmente importadas, sem que se observem as particularidades do Brasil. No entanto, a excepcionalidade do país nesta questão, destoando não só de países ricos, mas inclusive de países em desenvolvimento, sugere a insustentabilidade da ausência de idade mínima.

Rejeitada no Congresso nos anos 90, a idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição vinha sendo sugerida desde o início do ano pelo governo, quando a Presidente Dilma afirmava que a Previdência era “a questão mais importante para o país”. O discurso foi mantido pelo governo interino, e é provável que a idade mínima integre uma inevitável nova reforma da Previdência, ocorra ela agora ou nos próximos anos. Em verdade, a ausência dessa regra não é exceção somente na comparação internacional, mas até na história brasileira. Ela vigorou até 1962, quando foi suprimida no governo João Goulart, mas sem que tenhamos ficado ricos como o Grão-Ducado de Luxemburgo.

A idade mínima, cada vez maior em vários países, é a regra por conta do envelhecimento populacional, que não é exclusivo do Brasil (embora seja muito veloz por aqui). Ganhos expressivos na expectativa de sobrevida dos idosos, conjugados com quedas acentuadas na natalidade, ocorreram no mundo todo— seja em países desenvolvidos ou em países pobres.  Demógrafos consideram a fecundidade baixa “um aspecto estrutural das sociedades pós-modernas”. A exceção é a África subsaariana, cujos países não participam deste processo: ao fim do século, sete países de lá terão população maior do que a nossa (hoje, nenhum tem).

No restante do mundo, a demografia tem dado ensejo a ondas de reformas previdenciárias. As leis nacionais têm sido seguidamente repactuadas: a frequência de alterações em legislações na área previdenciária possivelmente não tem paralelo com outro campo. Dentre centenas de leis previdenciárias nacionais em vigor hoje, poucas são anteriores aos anos 90. Nos últimos anos, na esteira da crise internacional, dezenas de reformas foram feitas. Em 2011, no auge da crise da dívida europeia, foram promulgadas não menos do que 25 novas leis nacionais de previdência.

O aspecto estrutural do problema levou muitos países a buscar soluções de Estado. Na Espanha, a reforma foi chamada de “pacto”: um acordo multipartidário foi feito, buscando inclusive evitar a exploração político-eleitoral da matéria, sendo o Pacto de Toledo renovado sucessivas vezes. Na Suécia, os líderes da oposição foram chamados para integrar a comissão responsável por uma ampla e ousada reforma. No Japão, há obrigação legal da previdência ser reformada a cada cinco anos.

Outros países, também mais maduros do ponto de vista demográfico, não escaparam de fazer sucessivas reformas em governos de matizes ideológicos diferentes. A oposição podia assumir, mas a agenda continuava. Na França, Itália e Reino Unido, em graus variados, reformas tiveram de ser feitas seguidamente em um pequeno intervalo de tempo, por governos sucessivos de direita e de esquerda. Na ditadura chinesa, a demografia levou em 2015 ao fim da política do filho único.

No Brasil, a idade mínima tem esbarrado em um argumento principal: o de que prejudicaria os mais pobres, porque eles começam a trabalhar mais cedo. Eles satisfariam primeiro os critérios de 35/30 anos e teriam de esperar anos para receber a mesma aposentadoria de quem começou mais tarde. O argumento merece maior reflexão porque, na prática, os mais pobres já tem idade mínima para se aposentar.

Em verdade, a idade mínima não existe no Regime Geral apenas para a aposentadoria por tempo de contribuição. A maioria dos aposentados se aposenta por idade, aos 65 anos (homens) ou 60 (mulheres). São os trabalhadores que não obtiveram inserção contínua no mercado de trabalho formal, e, portanto, os 35/30 anos de contribuição. São os menos escolarizados, das ocupações menos produtivas e das regiões mais pobres do país. Ficaram mais suscetíveis ao desemprego e à informalidade, e suas carteiras não foram assinadas por três décadas continuamente. Em geral, recebem um salário mínimo como aposentadoria.

Há ainda aqueles que não conseguiram sequer o tempo de contributivo para esta aposentadoria mais básica, restando para eles chamar de aposentadoria o que é na verdade um benefício assistencial (o BPC-LOAS, com idade mínima de 65 anos até para mulheres).

Assim, uma “idade mínima” já existe atualmente principalmente nas regiões mais pobres do país. A aposentadoria por tempo de contribuição (sem idade mínima) predomina no Centro-Sul do nosso Grão-Ducado: ela é 23% dos benefícios pagos no Rio Grande do Sul, mas apenas 7% no Rio Grande do Norte. No conjunto da população, a aposentadoria por tempo de contribuição paga em média R$ 1.600 per capita em São Paulo, mas somente R$ 150 no Maranhão (e menos ainda em quatro estados do Norte).

De fato, é correto e justo que um benefício que exige mais e maiores contribuições pague mais (como a aposentadoria por tempo de contribuição em relação à aposentadoria por idade). Entretanto,é discutível a apropriação, no debate, do perfil do beneficiário mais pobre pelos que representam beneficiários mais bem posicionados na distribuição de renda. Não se pode rejeitar o advento da idade mínima por ser ela prejudicial aos mais pobres se para os mais pobres ela já existe.

A mudança demográfica é um grande desafio. A população em idade ativa está se reduzindo significativamente em relação à população dependente, e chegará a 1 idoso para cada 3 habitantes. Este será um processo contínuo: não amanheceremos um determinado dia no futuro com um grave problema na Previdência para resolver, porque ele vai chegar paulatinamente (se já não chegou).

“A velhice é a mais inesperada de todas as coisas que acontecem a um homem”, disse Trótski. O envelhecimento parece chegar também para todos os países. Não podemos negar que chegará aqui, mas não de maneira inesperada. A idade mínima deverá ser parte da adaptação. Até mesmo no Grão-Ducado do Brasil.

Por Pedro Fernando Nery, doutorando e Mestre em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado da área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência.

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