terça-feira, 13 de outubro de 2015

Devemos tirar a Petrobras da condição de operadora única no Pré-sal?



Por José Mauro de Morais

Encontra-se em discussão no Senado Federal o Projeto de Lei nº 131/15, do Senador José Serra, que busca retirar a obrigatoriedade de que a Petrobras seja a única empresa com a função de operar as atividades de exploração e produção de petróleo no pré-sal. Essa foi uma imposição da Lei de Partilha de Produção (Lei nº 12.351/10, art. 4º), instituída em 2010 para normatizar as explorações e a produção de petróleo no pré-sal. No regime de Partilha vence uma licitação a empresa ou o consórcio de empresas que oferecer a maior parcela de excedente em óleo (lucro) à União. Ao vencer um leilão de área exploratória, a empresa deve, necessariamente, formar um consórcio com a Petrobras e com a empresa estatal Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), de acordo com o artigo 20 da Lei de Partilha. No consórcio, a Petrobras assume a função de operadora das explorações de petróleo e gás (a empresa operadora é a encarregada, em um campo de petróleo, de contratar e executar todas as atividades econômicas e tecnológicas relacionadas às explorações e à produção; as demais empresas que com ela participam do consórcio atuam como investidoras, detendo pouco poder de decisão).

Observe-se que a própria Petrobras nunca foi completamente favorável ao dispositivo da lei que a obriga a ser a operadora do campo, pois se uma determinada área petrolífera não estiver entre suas prioridades, ou apresentar menor interesse geológico, ainda assim ela será obrigada a assumir a operação da área, tendo de alocar recursos financeiros, equipamentos e pessoal especializado nas explorações, que poderiam ser mais produtivamente aplicados em outras áreas de seu maior interesse. Além disso, eventualmente, terá de trabalhar com sócios que não escolheu e honrar e operar uma proposta econômica vencedora de uma licitação em que ela não participou de seu planejamento.

A exigência de operador único já havia, antes mesmo da atual crise que envolve a Petrobras, diminuído a atratividade para a participação de outras empresas petroleiras na exploração do pré-sal, em razão das limitações que encontram para compartilhar, com maior capacidade de decisão, dos diversos aspectos envolvidos na condução das explorações de um campo de petróleo. Isso é bem ilustrado pelo leilão do campo de Libra, em outubro de 2013, em que não houve competição, pois apenas um consórcio de empresas participou da licitação. Assim, o modelo de operador único, além de não atender aos interesses da própria Petrobras, não atrai número expressivo de empresas petroleiras para os leilões, situação que não potencializa maiores excedentes em óleo oferecido à União. Se for eliminada a obrigatoriedade de que a Petrobras atue como operadora única, como pretende o PLS nº 131/2015, maior número de petroleiras nacionais e estrangeiras, privadas ou estatais, serão incentivadas a participar das licitações, trazendo também suas tecnologias, recursos físicos e financeiros e novo impulso na produção de petróleo e na arrecadação de impostos. E a Petrobras poderá decidir, segundo seus próprios interesses, se participa ou não de uma determinada licitação.

A Lei de Partilha determina ainda que a Petrobras deve participar do consórcio vencedor de cada licitação com recursos financeiros equivalentes a, no mínimo, 30% do capital do consórcio. Sabendo-se das atuais dificuldades financeiras da Companhia – que em razão do alto grau de endividamento foi obrigada a reduzir seus investimentos, nos próximos cinco anos, de US$ 206,8 bilhões para US$ 130,3 bilhões, e diminuir seus campos de petróleo que receberão investimentos, de 30 campos inicialmente planejados para 22, entre 2015 e 2020 – dificilmente terá fôlego financeiro para assumir mais compromissos além dos que ela já tem no pré-sal e em outras áreas. Isso é mais verdadeiro depois que sua nota de crédito foi rebaixada pela Standard & Poor’s, ocasionando a perda do grau de investimento e dificultando o levantamento de novos empréstimos no mercado financeiro. Em razão das limitações financeiras e da necessidade de diminuir o elevado endividamento, a Petrobras decidiu concentrar seus investimentos no desenvolvimento de campos de petróleo já descobertos, visando ao aumento da produção, e reduzindo, ao mesmo tempo, os investimentos em explorações. Essa decisão da Petrobras é bastante coerente, uma vez que suas reservas de petróleo e gás, provadas ou estimadas, já alcançam o expressivo montante de cerca de 45 bilhões de barris, localizadas nos campos antigos e nos novos campos que descobriu no pré-sal. Esse volume de reservas é suficiente para a Petrobras produzir combustíveis e demais derivados em suas refinarias por mais de 40 anos.

Assim, novas licitações no pré-sal, no regime de operador único, ficam completamente dependentes da capacidade da Petrobras de mobilizar recursos para participar e arcar com todos os volumosos investimentos envolvidos nas explorações. Exceto pela crescente produção que já vem sendo obtida no pré-sal pela Petrobras e empresas a ela consorciadas, as demais reservas potenciais brasileiras permanecem ociosas, inexploradas, sem gerar renda e empregos. Isso ocorre num momento em que o Brasil precisa criar fatos novos na área econômica, para incentivar o aumento dos investimentos e colocar em produção novas reservas do pré-sal para a geração de impostos, a serem aplicados na educação e na saúde, como determinam as novas normas de aplicação dos royalties do petróleo (Lei nº 12.858/2013).

Enquanto isso, no mundo, as explorações avançam em novas fronteiras petrolíferas, pois as empresas petroleiras realizam seu planejamento olhando muitos anos à frente, na expectativa de que os preços do petróleo já terão se elevado quando novos campos descobertos estiveram em produção, daqui a cinco ou mais anos. Exemplos do prosseguimento das explorações mundiais, mesmo com os preços internacionais do petróleo abaixo de US$ 60, encontram-se no Golfo do México, onde foram realizadas ofertas, em agosto deste ano, para 33 blocos exploratórios localizados em águas profundas de até 3.340 metros na parte norte-americana do Golfo.

Também na seção do Golfo pertencente ao México foram realizadas este ano duas licitações de áreas exploratórias, após o recente processo de abertura da indústria do petróleo do país aos investidores privados, depois de 75 anos de monopólio da empresa estatal Pemex.

Na Inglaterra, a autoridade de petróleo do país anunciou, em julho, a concessão de 41 novas licenças de exploração no Mar do Norte, em um programa de explorações com gastos no valor total de 4 bilhões de euros para revitalizar a produção de petróleo naquela região. Outros países que realizaram licitações de áreas exploratórias este ano foram a Bulgária, para procurar gás natural no Mar Negro, como forma de se livrar da dependência do gás fornecido pela Rússia, e a Irlanda, entre muitos outros.

O Brasil, que somente descobriu petróleo em 1939 (em Lobato, na Bahia), com atraso de 80 anos após o início das explorações comerciais no mundo (na Pensilvânia, em 1859), deveria refletir sobre esta experiência da história: em 1871, o governo imperial de dom Pedro II, para incentivar as explorações de petróleo e outros minerais, expediu o Aviso nº 53, do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, definindo que os depósitos minerais localizados em terras particulares constituíam propriedade do Estado e, portanto, podiam ser explorados por aqueles que recebessem licenças de exploração do governo “uma vez que não era de conveniência pública que as riquezas do mencionado solo jazam sepultadas nas entranhas da terra, quando empreendedores ativos e capitais suficientes aparecem para as aproveitar eficazmente” (Mattos Dias e Quaglino, A Questão do Petróleo no Brasil – Uma História da Petrobras, 1993).

Da mesma forma, atualmente, segundo a Constituição Federal, e de acordo com a Lei de Partilha, as reservas de petróleo são de propriedade da União, e mesmo depois que jazidas de petróleo ou gás são descobertas pelas empresas, as reservas continuam de propriedade da União. As empresas exploradoras têm o direito de receber uma parte do petróleo que produzirem, correspondente aos custos incorridos, aos royalties pagos e a uma parcela dos lucros. Para garantir informações seguras sobre os volumes produzidos pelas empresas, as operações de produção de petróleo são supervisionadas pela estatal PPSA, encarregada da gestão dos contratos de exploração firmados pelas empresas com a União, e com poder de veto sobre as decisões das empresas relativas às explorações e à produção. Ou seja, os instrumentos regulatórios e o monitoramento da produção por órgãos do governo já atendem aos interesses do Brasil no pré-sal.

A alteração proposta pelo PLS 131/2015 pode contribuir para dinamizar o setor de petróleo, desde que haja continuidade nos leilões de áreas no pré-sal, e aumentar a participação de empresas de capital nacional nas explorações, em associação com empresas estrangeiras ou com a própria Petrobras, que poderia participar das licitações como uma decisão livre, sem a imposição de que atue como operador único. Novas áreas exploratórias elevam a demanda para os equipamentos submarinos e os diversos serviços de instalações submarinas que passaram a ser oferecidos no Brasil para atender à Política de Conteúdo Local, além dos novos estaleiros implantados para a construção de navios e plataformas de petróleo. Novas áreas em exploração aumentam ainda a procura pelos serviços de pesquisa fornecidos pelo grande número de centros de pesquisa e tecnologia que se instalaram na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, e em outros estados, especificamente para atender aos desafios tecnológicos do pré-sal.

Numa visão de longo prazo da indústria de petróleo no Brasil, observa-se que desde o primeiro leilão de áreas exploratórias, em 1999, empresas brasileiras e de vários países vêm investindo no setor, sejam como operadoras ou como investidoras. No período 1999/2013, nos 12 leilões realizados, as petroleiras estrangeiras venceram 129 vezes, e  as nacionais, 88 vezes. Como resultado, entre as atuais 10 maiores empresas produtoras operadoras de petróleo encontram-se a Petrobras, 6 empresas estrangeiras e 3 brasileiras de capital privado. Entre os motivos para a menor presença das empresas de capital nacional encontra-se o longo período do monopólio, que impediu o surgimento de petroleiras nacionais, pois somente após a abertura do setor de petróleo, em 1995, começaram a ser organizadas para atuar no setor. A própria Petrobras desenvolve parcerias com dezenas de empresas nacionais e estrangeiras e nem sempre ela é a operadora: de um total de 82 acordos de parceria que ela detém nas explorações, em 24 parcerias ela não é a operadora, participando apenas como investidora nos campos de petróleo; porém, sua hegemonia na indústria do petróleo é um fato inconteste, pois ela produz atualmente 92% de todo o petróleo extraído e 99% de todos os derivados de petróleo produzidos no País.

*José Mauro de Morais - Economista; autor de "Petróleo em Águas Profundas" e "Petrobras: Uma História das Explorações de Petróleo em Águas Profundas e no Pré-sal".