segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Ambiente de negócios, investimentos e produtividade.



Por Luiz Ricardo Cavalcante*

Ambiente de negócios é o nome genericamente atribuído às condições que circunscrevem, em um determinado país ou em uma determinada região, o ciclo de vida das empresas. De uma forma geral, o ambiente de negócios diz respeito aos níveis de complexidade associados, por exemplo, aos procedimentos de abertura e fechamento de empresas ou de recolhimento de tributos. A melhoria do ambiente de negócios está associada, portanto, a ações de simplificação e desburocratização desses procedimentos. Em virtude de sua própria natureza, o ambiente de negócios é uma variável de difícil mensuração. Ainda assim, o Banco Mundial procura capturar aspectos relativos ao ambiente de negócios com base em uma metodologia conhecida como Doing Business, que “mede, analisa e compara as regulamentações aplicáveis às empresas e o seu cumprimento em 189 economias e cidades selecionadas nos níveis subnacional e regional”.

Esses indicadores são amplamente empregados por formuladores de políticas para orientar ações de simplificação e desburocratização e por empresários para avaliar os países ou regiões onde pretendem investir. Por essa razão, é razoável assumir que há uma associação direta entre a qualidade do ambiente de negócios e os níveis de investimento. Ao contribuírem para a elevação do estoque de capital (total de máquinas, equipamentos e demais instrumentos de produção), os investimentos, por sua vez, estão diretamente associados à produtividade do trabalho (leia mais sobre produtividade neste blog clicandoaquiaqui ou aqui). Dessa forma, há uma associação entre a qualidade do ambiente de negócios, os níveis de investimento e a produtividade do trabalho.
Ainda que a associação proposta entre a qualidade do ambiente de negócios, os níveis de investimento e a produtividade do trabalho seja intuitiva e de difícil contestação, há escassas evidências quantitativas sobre o tema, especialmente quando se trata de um modelo sequencial dessa natureza. Neste trabalho, estimam-se os coeficientes que relacionam ambiente de negócios, investimentos e produtividade com base em um painel de dados referente a 81 países no período entre 2005 e 2011.
Um estudo estatístico (regressão) buscou identificar as seguintes relações:
·         Como o ambiente de negócios afeta o estoque de capital da economia; e
·         Como o estoque de capital afeta a produtividade.

Em ambos os casos, outros fatores podem contribuir para explicar o comportamento do estoque de capital e da produtividade. No primeiro caso, por exemplo, fatores como renúncias fiscais e créditos subsidiados podem contribuir para maiores níveis de investimentos e, portanto, para a elevação do estoque de capital por trabalhador. No segundo caso, aspectos como qualificação da mão de obra ou investimentos em P&D podem interferir no nível de produtividade alcançado. Para levar em consideração o efeito das variáveis omitidas, no exercício estatístico foram usadas técnicas que permitem a comparação dos países antes e depois das alterações no ambiente de negócios isolando-se o efeito de outras variáveis.1
A associação entre o ambiente de negócios e o estoque de capital por trabalhador pode ser facilmente percebida no gráfico 1 a seguir, para cuja elaboração se empregaram os dados referentes aos 81 países que compõem a amostra durante o período entre 2005 e 2011.
Gráfico 1: ambiente de negócios e estoque de capital por trabalhador, 2005-2011

O gráfico evidencia que um melhor ambiente de negócios, ao estimular o investimento, tende a exibir uma correlação positiva com o estoque de capital por trabalhador. Em particular, o Brasil exibe um estoque de capital por trabalhador superior ao que seria predito por seu ambiente de negócios. Isso decorre de fatores idiossincráticos do país (por exemplo, a presença de incentivos ao investimento por meio de créditos subsidiados).
Com base no coeficiente estimado, pode-se simular o estoque de capital por trabalhador no Brasil para diferentes valores assumidos pela variável que mede a qualidade do ambiente de negócios. A título de ilustração, simulou-se o crescimento percentual do estoque de capital por trabalhador se o Brasil tivesse, em 2011, os níveis de Doing Business dos seguintes países: Estados Unidos e Canadá (países desenvolvidos de grandes dimensões); China, Índia, Rússia e África do Sul (que, juntamente com o Brasil, formam os BRICS) e Argentina, México e Chile (latino-americanos de referência para o Brasil). Ainda que esses resultados devam ser interpretados com cautela, os valores indicados sugerem incrementos significativos na maioria dos casos. Esses incrementos são da ordem de 80% se o Brasil alcançasse os níveis dos Estados Unidos e do Canadá, superiores a 40% na comparação com o Chile e o México e não desprezíveis na comparação com a maior parte dos BRICS e com a Argentina.

Esses dados não querem dizer que uma elevação súbita do Doing Business no Brasil poderia motivar um crescimento imediato do estoque de capital por trabalhador. De fato, um crescimento percentual de, por exemplo, 15% no estoque de capital por trabalhador (e, portanto, do estoque de capital para um número fixo de pessoas ocupadas) implicaria um nível de investimentos, em um único ano, de mais do que o dobro do que aquele efetivamente observado. Na verdade, um melhor ambiente de negócios permite uma elevação cumulativa dos investimentos. Para levar em conta esse aspecto, estimou-se a elevação percentual anual dos investimentos requerida para que, em um intervalo bastante longo (entre 1970 e 2011), o estoque de capital atingisse aquele estimado em diferentes ambientes de negócios.

Considerando os valores observados em 2011, estimam-se incrementos percentuais de cerca de 2% no investimento para cada ponto adicional de Doing Business no Brasil. Apenas como ilustração, incrementos dessa natureza podem ser comparados com a participação dos desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na formação bruta de capital fixo (FBCF), que alcançou, segundo estimativas do próprio banco, 15% em 2014. Um salto dessa magnitude seria alcançado, de acordo com os coeficientes estimados, caso a pontuação brasileira alcançasse, aproximadamente, 56,75 em 2011. Isso significaria, naquela ocasião, um salto de cerca de trinta posições no ranking do Doing Business, colocando o ambiente de negócios no país em um patamar semelhante ao da China (57,77), por exemplo. Um incremento de 30% no total dos investimentos requereria, por sua vez, que a pontuação brasileira alcançasse 63,41. Com isso, a posição relativa do país no ranking do Doing Business subiria cerca de 70 posições, colocando o país em uma posição inferior, porém próxima, à da Turquia (65,37) ou da Polônia (65,70), por exemplo. Finalmente, caso o ambiente de negócios no Brasil alcançasse 69,41, colocando o país em níveis próximos aos do México (71,03) ou do Chile (71,04), o incremento percentual dos investimentos alcançaria 45%, correspondentes a três vezes a participação dos desembolsos do BNDES nesse tipo de investimento em 2014. Para isso, entretanto, seria preciso que o país subisse, naquela ocasião, cerca de cem posições no ranking do Doing Business.2
Os resultados de uma regressão para a relação entre o estoque de capital por trabalhador e a produtividade do trabalho indicam que o coeficiente é significativo a mais de 99% de confiança. Assim, há uma forte relação estatística entre o estoque de capital e a produtividade do trabalho. Os resultados mostram que uma elevação de 1,0% no estoque de capital por trabalhador leva a um aumento de cerca de 0,5% na produtividade do trabalho. Especificamente nas condições indicadas acima (incrementos estimados de 15%, 30% e 45% nos investimentos, correspondentes a elevações no estoque de capital por trabalhador de 13,45%, 26,90% e 40,35%), estimam-se ganhos de produtividade de 6,58%, 12,78% e 18,67%, respectivamente.
Os resultados obtidos neste trabalho reafirmam que, ao lado de ações voltadas para o incentivo ao investimento através de renúncias fiscais e de créditos subsidiados, a melhoria do ambiente de negócios (que envolve custos fiscais reduzidos) exerce um impacto significativo no nível de investimentos e na produtividade do trabalho no país. Especialmente em um contexto de restrições ao uso de renúncias fiscais e de créditos subsidiados como forma de incentivar investimentos, será preciso identificar e remover as restrições políticas e institucionais que se colocam para a melhoria do ambiente de negócios no país. Preliminarmente, pode-se associar essas restrições aos seguintes fatores: i) ausência de coordenação entre órgãos de governo e entre entes federados (que colocam demandas muitas vezes repetitivas para as empresas e tornam excessivamente complexas tarefas associadas, por exemplo, à conformidade com a legislação tributária); ii) presença de eventuais grupos de interesses que podem obter vantagens da complexidade do ambiente de negócios no país; iii) incentivos para que os servidores públicos adotem precauções para autorizar ações do setor produtivo em virtude do risco de responsabilização; e iv) reduzido rule of law, que induz à imposição de uma excessiva e rigorosa fiscalização ex ante diante das escassas possibilidades de aplicação de sanções ex post mais severas em caso de descumprimento de algum normativo. As ações voltadas para a solução de problemas dessa natureza envolvem os poderes executivo, legislativo e judiciário e podem, indiscutivelmente, concorrer para a melhoria do ambiente de negócios no país.

1 As regressões foram feitas em painel com efeitos fixos. Essa opção faz com que aspectos idiossincráticos de cada país invariantes no tempo sejam capturados na regressão.
2 O salto de cerca de cem posições diz respeito ao ano de 2011 e aos valores da distância até a fronteira calculados para aquele ano. Em 2015, as posições do Brasil (120º) e do Chile (41º) são mais próximas.

Este texto corresponde a um extrato de CAVALCANTE, L. R. Ambiente de negócios, investimentos e produtividade. In: DE NEGRI, F.; CAVALCANTE, L. R. Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes. Brasília: Ipea, 2015. v. 2 (determinantes). O autor agradece os comentários e sugestões de Bruno César Araújo, C. Alexandre A. Rocha, Fernanda De Negri, Lucas Ferreira Mation, Marcos Mendes e Simone Uderman. Agradece também à equipe do Ipea com quem teve a oportunidade de discutir uma versão preliminar deste trabalho. Erros e omissões são de responsabilidade do autor.

*Luiz Ricardo Cavalcante - Consultor Legislativo do Senado Federal.