domingo, 20 de março de 2022

'Perdemos a capacidade de planejamento'

 


Economista fala em fase de transição e 'teto de gastos 2.0 para abrir espaço a despesas excepcionais

Especial: Saídas para a crise fiscal Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente

Diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o economista Felipe Salto sugere a criação de um "teto de gastos 2.0" combinado com medidas de aumento de receitas. Décimo e último entrevistado da série do Estadão que discute saídas para a crise fiscal, Salto diz que o governo precisa colocar na mesa medidas para voltar ao azul, com superávits primários nas suas contas.

O economista defende uma ponte de transição na regra para financiar os gastos adicionais que devem surgir com uma eventual necessidade de prorrogação do auxílio emergencial em 2021 e o pagamento das vacinas para acabar com a pandemia da covid-19. "O teto não é um FLA x FLU. A regra foi positiva e teve o seu valor, mas, para que ela não seja abandonada, terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação, não vai funcionar", diz.

Para ele, é possível ser feito um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave, diz ele, é transparência. "Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande."

O sr. já disse que o teto de gastos não é a Santa Sé. O que significa isso?

Estamos vivendo no Brasil um momento de muita polarização. Quando ela está fundamentada em questões técnicas e avaliações, até pode ajudar a explicitar o que as pessoas pensam e seus diferentes pontos de vista. Mas esta polarização danosa que estamos vendo acaba apenas turvando o debate e prejudicando a discussão das questões fundamentais, como é o caso das regras fiscais e do teto de gastos (regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), particularmente.

Como assim?

Tem o grupo dos que são a favor do teto e não abrem mão; e tem aqueles que dizem que se deve abandonar o teto, pois seria muito ruim. Na verdade, o que precisamos é encontrar o caminho do meio. Quando eu disse que o teto não é a Santa Sé quis dizer que aprimorar as regras fiscais é positivo. Se for possível regulamentar os gatilhos (medidas de contenção de gastos, focadas principalmente nas despesas com servidores públicos) ou pensar numa combinação de resultado primário que envolva o lado das receitas, isso seria salutar. Não adianta dizer que é a favor do teto, como o governo tem feito, se os números não fecham. Quem faz um mínimo de contas e planilhas vê que no próximo projeto de Orçamento tem uma despesa discricionária (aquelas que não são obrigatórias e incluem, por exemplo, investimentos) de R$ 108,4 bilhões. Destes, R$ 16,3 bilhões são emendas parlamentares. Se tirar essa parte, sobra algo como R$ 92,1 bilhões, que é um nível extremamente baixo. O governo precisa mostrar que esse nível é suficiente para não parar a máquina pública e paralisar as políticas que estão lá. E mais do que isso: como vai incorporar os gastos quase certos, como algum auxílio para as pessoas mais pobres e compra de vacinas.

Esses gastos adicionais são certos?

Vão ter de acontecer. E qual o espaço orçamentário? Não existe.

Vai faltar dinheiro no orçamento para pagar vacina?

Tem alguns caminhos. Se ele (o governo) não colocar no Orçamento agora, pode fazer crédito extraordinário no ano que vem.

Mas a necessidade de vacinas era previsível desde sempre. Se encaixa em crédito extraordinário para despesas imprevisíveis e urgentes?

Como não é uma despesa imprevisível, o ideal seria contemplar no Orçamento. Para resolver, o governo deveria abrir espaço orçamentário este ano seja pelo lado da receita ou da despesa.

Como sair do impasse que é vivido há meses?

No grosso das despesas obrigatórias tem pouco espaço para cortar. Teria os subsídios creditícios que têm previsão de R$ 14 bilhões em 2021. Mas aí também tem programas tradicionalmente importantes, no agronegócio, por exemplo. Não tem saída fácil. A primeira coisa que o governo precisa fazer é calcular quais são as despesas extras. Nós, da IFI, fizemos uma simulação e calculamos que, se o auxílio de R$ 300 for estendido por quatro meses para um contingente de 25 milhões, o gasto seria de R$ 15,3 bilhões. Seria um pecado mortal compensar com aumento de arrecadação? Não seria. Precisa é comunicar direito.

O Congresso precisaria aprovar uma PEC?

Eu fico um pouco pessimista porque é um assunto um pouco complexo para ser resolvido em poucos dias. A saída é claramente o governo dar uma interpretação para o acionamento dos gatilhos ou avançar na PEC emergencial (proposta em que estão previstas as medidas de contenção de gastos). Isso construiria uma ponte para ganhar tempo para discutir a questão do indexador do teto. O governo deveria dar uma solução ainda que fosse temporária para que, ao longo do próximo ano, pudesse discutir a mudança do indexador do teto (hoje, o teto é corrigido pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior ao da vigência).

Nesse caso, o que pode acontecer?

O projeto de Orçamento está completamente descolado da realidade. Vai chegar em janeiro e será preciso, necessariamente, fazer o auxílio. Vai ser uma espécie de gestão de risco. Quando chegar em 31 de dezembro, e para janeiro não tem mais auxílio, decide-se fazer mais um mês. Qual a saída? Crédito extraordinário e, aí, precisa combinar com os russos. Precisa ver como o TCU vai encarar essa realização de crédito extraordinário, sendo que há alguns meses já se sabe que possivelmente esse gasto seria necessário e o governo vai argumentar que não, que estava esperando ter mais certeza sobre essa necessidade.

A discussão de regras orçamentárias não está se sobrepondo à realidade do País?

Perdemos a capacidade de planejamento. É urgente ter um plano fiscal.

O que é um plano fiscal na sua avaliação?

Não importa se é receita ou despesa. É preciso recuperar os resultados primários. É uma questão de expectativas, precisa mostrar um plano de aumento de receita e corte de gastos. Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande. Esse plano deveria comportar uma conta de cálculo da sustentabilidade da dívida, que é o que mais importa, anunciando as medidas do lado das receitas e despesas, que num conjunto possa produzir um superávit (quando as receitas superam as receitas). É fácil? Não é, mas, sem abandonar esse teto, modernizando, caminhar para um teto 2.0 e combinar isso com medidas do lado das receitas.

O que é um teto 2.0?

Olhar para as regras fiscais, como o FMI manda fazer, e observar que uma regra que não tem válvula de escape e não permita certa flexibilidade em períodos de exceção não é a melhor. Precisamos sofisticar. O teto não é um FLA x FLU. A regra foi positiva e teve o seu valor, mas, para que não seja abandonada, terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação, não vai funcionar. Essa modernização poderia envolver a questão do indexador. Existem outras propostas como a do Fabio Giambiagi e do Guilherme Tinoco de discutir a questão dos investimentos (para criar uma espécie de "subteto" para os investimentos). Não cabe a IFI dar recomendação. Mas, quando calculamos os números, está muito claro que está impossível cumprir o teto por muito mais tempo. Talvez o governo consiga cortar a despesa discricionária por mais tempo. Não dá para imaginar que, neste contexto pandêmico, o Brasil não possa desviar um milímetro do que foi pensado em 2016.

O que deveria ser feito?

Criar uma transição. Estou chamando de ponte. Comprar tempo, alterar as regras, temporariamente, para que a gente possa discutir um aprimoramento do teto.

Uma pinguela?

Eu li recentemente um artigo do Gustavo Loyola (ex-presidente do BC) que disse que já está meio precificado que o teto não será cumprido em 2021. Resta saber o que vai ser o contorno que vão fazer na regra.

É preciso esse contorno?

Entra a questão da economia política. Não podemos dar um cavalo de pau. De repente, o teto, que era uma âncora, vai ser jogado fora. Não. Tem de ter cuidado. O momento é delicado. É possível ter um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave é transparência.

O FMI fala da retirada gradual dos estímulos?

Sim, Não é razoável fazer R$ 600 bilhões (a estimativa de gastos para o combate à pandemia neste ano) e, no ano seguinte, zero. Até porque vai ter muita gente à margem do mercado de trabalho. Alguma ajuda terá de ser feita.

Como fica o dinheiro para o pagamento das vacinas?

O governo terá de dizer se vai colocar dinheiro na vacina ou deixar tudo na mão dos Estados, como também o auxílio. Como financia essa ajuda? Falta essa diretriz. Estamos a ver navios. Não tem uma proposta. Estamos em dezembro. Não adianta mandar propostas complexas e falar que a bola está com o Congresso. Tem de sentar, negociar. Política é isso.

A meta fiscal pode ser flexível, como foi proposto pelo governo?

Lei de Responsabilidade Fiscal é claríssima. Meta tem de ser calculada e fixada como um compromisso a ser perseguido, a partir do esforço combinado do lado da receita e da despesa. Não pode "flutuar".

Já está em curso uma transição de política econômica?

Não vejo isso. O governo, na verdade, está perdido. O Paulo Guedes (ministro da Economia) é um economista que tem formação, que deve ser respeitado. Mas o que vemos, por exemplo, quando é questionado sobre a reforma? Ele volta a falar de CPMF , desoneração (redução dos encargos que as empresas pagam sobre o salários dos funcionários), coisas fora da pauta. Esse é o plano? Como vai ser feito? O Congresso já aceitou? Do lado dos gastos, ele falou em unificar os programas sociais; até agora, nada.

QUEM É

Economista pela FGV/EESP e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV/EAESP, Felipe Salto foi consultor econômico da Tendências e assessor legislativo no Senado. Em 2016, organizou o livro Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade, com Mansueto Almeida. No mesmo ano, foi aprovado pelo plenário do Senado para exercer mandato fixo de seis anos como o 1.° diretor executivo da então recém-criada IFI. Em novembro de 2017, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro. Em 2020, publicou Contas públicas no Brasil, com Josué Pellegrini. Escreve na página A2 do 'Estadão'.

Por Adriana Fernandes, em O Estado de S. Paulo  


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