terça-feira, 12 de novembro de 2019

CONSUMO - DISTANTE DOS BONS TEMPO


A fabricante americana de eletrodomésticos Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, exemplifica bem o apogeu e a queda do consumo brasileiro. No fim de 2013, o clima era de euforia na companhia. As vendas batiam recorde mês após mês, puxadas pelo ciclo de pleno emprego do Brasil e também pelas desonerações promovidas pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Na época, os executivos da multinacional chegaram à conclusão de que seria necessária a construção de mais uma fábrica no país, ante o crescimento de 10% das vendas anuais. Passado um ano, no entanto, os sinais não eram mais tão animadores. A demanda começava a enfraquecer e não se sustentaria nos anos seguintes — e os planos mudaram. Em vez de uma nova unidade fabril, a empresa traçou um cronograma de férias coletivas e congelou as contratações.

No primeiro ano de recessão, em 2015, 3.000 vagas não foram repostas. O tempo mostrou que a decisão de encolher o tamanho da empresa foi acertada. Hoje, a Whirlpool, assim como todo o setor de eletroeletrônicos, está fabricando o mesmo volume registrado em 2008. “Estamos retornando aos números de 2009 somente agora”, diz João Carlos Brega, presidente da Whirlpool na América Latina. A expectativa de Brega é que o consumo no Brasil retorne aos recordes históricos dentro de três anos.

A verdade é que a espera pode ser ainda mais longa. Um levantamento exclusivo para EXAME, feito pela consultoria inglesa Euromonitor, que analisa 170 países, mostra que o Brasil, aos olhos do investidor estrangeiro, deixou de ser tão atraente como era há poucos anos. Não é para menos. Em dólar, o mercado de eletrodomésticos, por exemplo, é 40% menor do que foi cinco anos atrás — essa retração é equivalente ao tamanho do mercado da Rússia.

O estudo leva em conta tanto a queda nas vendas quanto a desvalorização do real diante da moeda americana. Já na área de cosméticos, o Brasil perdeu o equivalente às vendas anuais do segmento da Itália: a queda foi de 41 bilhões de dólares, em 2013, para 30 bilhões, em 2018. No varejo (excluindo veículos, combustíveis e alimentação fora de casa), a história se repetiu. Em 2013, o setor movimentou 358 bilhões de dólares.

Passados cinco anos, o tamanho desse mercado encolheu 28%, para 258 bilhões de dólares. Os 100 bilhões que desapareceram correspondem ao mercado varejista da Argentina em 2018. Nos próximos cinco anos, nenhum dos nove setores analisados pela Euromonitor deverá recuperar os resultados do período pré-crise (o produto interno bruto está 5% abaixo do pico histórico de 2014). “Em 2023, seremos um mercado consumidor menos atrativo do que éramos em 2013”, diz Marcel Motta, diretor da Euromonitor no Brasil.

Trata-se de um cenário que complica a vida das empresas. Muitas, é verdade, não sobreviveram a uma das mais longas e profundas crises do país. De 2013 para cá, entraram em recuperação judicial cerca de 7?700 empresas, segundo a consultoria Serasa Experian. A varejista Máquina de Vendas, dona da bandeira Ricardo Eletro e terceira maior lojista de eletroeletrônicos do país, foi por caminho similar, buscando renegociação das dívidas fora dos tribunais. Foi a alternativa que sobrou para a empresa depois de encolher 75%, de 2014 a 2018, e acumular dívida de 1,5 bilhão de reais.

A gestora de investimentos brasileira Starboard fechou um acordo para comprar 72,5% da Máquina de Vendas por 250 milhões de reais em agosto de 2018. Daí em diante começou a pôr em prática um plano de readequação da empresa. Além da renegociação das dívidas, a Starboard optou por seguir reduzindo o número de lojas: de 1?200, há cinco anos, a Máquina de Vendas chegou a 440 neste ano. O foco agora é o mercado regional, especialmente no Norte e no Nordeste, além do interior de outros estados. “Somos a terceira marca do setor e vamos buscar um público que Magazine Luiza e Via Varejo não alcançam”, diz Pedro Bianchi, presidente do conselho de administração da Máquina de Vendas. “Mas, para ter planos mais ambiciosos, é preciso que a economia brasileira volte a crescer.”

A consultoria de varejo GS & Gouvêa de Souza coloca quatro pilares como fundamentais para a volta do consumo: a queda do desemprego, a expansão da renda, o aumento do crédito e a retomada da confiança do consumidor. Segundo Eduardo Yamashita, diretor de operações da consultoria, os três primeiros pilares, mesmo que de forma tímida, começaram a dar sinais de melhora. A confiança, não. O Índice de Confiança do Consumidor, medido pela Fundação Getulio Vargas, fechou outubro em 89,4 pontos, pelo sétimo mês consecutivo abaixo do nível considerado neutro de 90 pontos. “A insegurança está em níveis pré-eleição, que era um momento em que não sabíamos para onde o país iria”, diz Yamashita. O varejo de roupas retrata o receio do consumidor. Segundo a Euromonitor, o segmento teve uma queda de 36% de 2013 a 2018. Até 2023, a perspectiva é de uma melhora modesta, com expansão de 1% ao ano.

De fato, não é grande coisa, mas, para quem passou por maus bocados nos últimos anos, é um alento. A varejista Marisa cresceu nos dois primeiros trimestres de 2019. Parece trivial, mas foi a primeira vez que isso ocorreu de maneira consecutiva desde 2015. O avanço de 5% no semestre ainda é acanhado perto da perda da empresa: a receita de 2018, de 2,8 bilhões de reais, foi equivalente ao faturamento corrigido de 2009.

Para reconquistar a confiança do mercado, a Marisa mudou a estratégia e voltou às origens, apostando novamente na classe C — nos anos pré-crise, a Marisa tentou conquistar o consumidor da classe B. Além disso, fechou 30 lojas deficitárias e reforçou as vendas pela internet. A abertura de novas unidades deverá ficar somente para 2021. A lição de casa deu certo: as ações da empresa subiram 109% nos últimos 12 meses. “Voltamos a entender quem é nossa cliente e trabalhamos uma estratégia mais assertiva. O mercado reconheceu isso”, diz Marcelo Pimentel, presidente da Marisa.

Vítimas pelo caminho

Um setor que vai ter dificuldades adicionais para recuperar o tamanho que já teve é o automotivo. Afinal, foi atingido em cheio pela crise: em 2018, vendeu 2,1 milhões de unidades, 40% menos do que em 2012.

O baque fez com que o Brasil, então quinto maior mercado de veículos em volume, caísse quatro casas no ranking global, para a nona posição. Pior: essa perda deverá perdurar vários anos.

Nas estimativas da Euromonitor, o mercado de carros no país deverá avançar pouco até 2033, quando comercializará 2,4 milhões de veículos, mais ou menos o nível atual de venda (para esse segmento, a consultoria trabalha com estimativas de prazo mais longo).

Os motivos são de duas ordens. Por um lado, a lentidão na retomada do setor — prejudicado também pelo afundamento do mercado da Argentina — levou ao fechamento de algumas fábricas. Em 2015, a japonesa Suzuki decidiu fechar a montagem na cidade goiana de Itumbiara, apenas dois anos após a inauguração. No início do ano, a montadora americana Ford anunciou o fechamento de sua unidade em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

Houve também um recente anúncio de investimento no país — como o de 1 bilhão de reais feito pela japonesa Toyota. Mas o encerramento de fábricas é uma tendência global.

E aí entra o segundo fator que deverá reduzir o volume de carros. “A indústria automotiva está mudando e o número de carros vendidos não será o único ponto para analisar o sucesso de uma empresa”, diz Hermann Mahnke, diretor de marketing da americana GM para a América Latina. “O carro será cada vez menos produto e mais serviço.” A GM anunciou o fechamento de dez fábricas pelo mundo. Por outro lado, investiu mais de 1 bilhão de dólares em empresas especializadas em tecnologia de carros autônomos, como a Cruise e a Strobe.


Não por acaso, diversas indústrias começam a testar novos modelos de negócios para não ficar para trás. A Whirlpool estuda a implementação de máquinas de lavar roupas coletivas em condomínios residenciais. “Dentro da empresa, falamos que não vendemos mais máquinas de lavar ou geladeiras, mas soluções para a vida do consumidor”, diz Brega. Buscar alternativas para vender é a palavra de ordem na indústria hoje, diante da alta ociosidade: 31% da capacidade instalada não está sendo utilizada, segundo um levantamento da Confederação Nacional da Indústria. Mas, ainda que os sinais não sejam de uma retomada mais vigorosa, a velocidade pode melhorar.

Em outubro, a taxa básica de juro caiu, mais uma vez, ao mínimo histórico de 5% ao ano. Ao mesmo tempo, a concessão de crédito deverá continuar em expansão: a estimativa do Banco Central é de uma alta de 5% neste ano e de 8% em 2020. “A queda do juro tende a baratear o crédito e a ajudar o resultado de alguns segmentos que dependem mais de financiamento”, diz Motta. Isso pode fazer uma tremenda diferença para quem já amarga anos de vendas frustradas.

Por outro lado, mudanças no comportamento do consumidor ocorrem de tempos em tempos, e têm de ser assimiladas em diversos mercados. Faz parte do jogo. O que não estava na conta era desperdiçar uma década por causa da crise econômica. E o que se perdeu não volta mais.

Por André Jankavski, na Revista Exame



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