quinta-feira, 13 de novembro de 2014

PNL: a linguagem é capaz de 'programar' o cérebro?

Por Carlos Orsi, na Galileu

 No seriado “Lie to Me”, Tim Roth usa técnicas derivadas da neurolinguística para detectar  mentiras (Foto: Reprodução)
No seriado “Lie to Me”, Tim Roth usa técnicas derivadas da neurolinguística para detectar mentiras (Foto: Reprodução)

É difícil definir “Programação Neurolinguística” (PNL). O sistema original de terapia e autoajuda a adotar o nome foi criado, na década de 70, pelo linguista John Grinder e pelo psicólogo Richard Blander, nos Estados Unidos. Eles propunham que deveria ser possível reproduzir o sucesso de figuras eminentes a partir da imitação do modo de falar, pensar e agir dessas pessoas. Indo um pouco mais fundo, Grinder e Blander acreditavam ter descoberto uma espécie de “linguagem de programação” mental: de acordo com eles, certos modos de comunicação permitiriam ajustar a mente para a obtenção de resultados desejados, sejam eles terapêuticos, econômicos, etc. Em outras palavras, a linguagem – oral, corporal, etc. – “programa” o cérebro.

De lá para cá, a ideia foi abraçada por vários grupos, na interface entre o misticismo New Age e o ecossistema corporativo de consultorias e autoajuda, assumindo formas que vão de seminários que ensinam a caminhar sobre brasas à pregação de doutrinas não muito diferentes da Lei de Atração promovida pela turma de O Segredo. A linguista Karen Stollznow se refere a essa face popular da PNL como “Amway da mente”. “Esses cursos (...) garantem que, se você não mudar sua vida, certamente mudará sua conta bancária”, escreve ela.

O problema com a concepção original da PNL é que, embora pareça fazer sentido, ainda que de um modo meio vago e superficial – “a linguagem programa o cérebro humano” pode ser uma metáfora válida para o processo educacional ou uma enorme bobagem, dependendo de como se interpreta a frase – ela não funciona. Simples assim: seus princípios foram testados por cientistas e determinou-se que não são válidos.

Como escreve o neurocientista Steve Novella, “quando proposta inicialmente, não havia nada de abertamente pseudocientífico sobre a PNL. Era um pouco simplista e ingênua, mas talvez tivesse algum mérito. Mas acontece que os pressupostos da PNL (...) estão errados. Os últimos trinta anos de pesquisa mostram que a PNL é lixo”. Entre os pressupostos falsos, notam o psicólogo Barry Beyerstein e o neurocientista Sergio Della Sala, está a ideia, já desacreditada, de que existe uma divisão de tarefas rígida entre oshemisférios cerebrais direito e esquerdo.

As críticas à PNL vêm de longe. Nos anos 80, o Exército dos Estados Unidos encomendou ao Conselho Nacional de Pesquisa uma avaliação das várias técnicas de autoajuda que vinham sendo oferecidas no mercado para melhorar a performance humana. Os militares queriam saber se valeria a pena investir parte de seu gordo orçamento em alguma delas.

O capítulo sobre PNL é bem claro: “muitas das teorias citadas em apoio à PNL são metáforas”; “as referências biológicas e psicológicas são datadas (...) a psicologia cognitiva citada omite os últimos 20 anos de pesquisas”. Conclusão: “a evidência de uma base científica para a PNL ou de validação para sua construção é geralmente fraca ou nula”.

Nada disso impediu, no entanto, que a PNL frutificasse. Detetives de seriados de TV usam osmovimentos dos olhos dos suspeitos para detectar mentiras, o que é um truque associado à PNL (e que também não presta, como mostra este estudo do periódico PLoS ONE). Ainda hoje, inúmeras técnicas de autoajuda, motivação e vendas se inspiram em ideias e princípios nascidos na neurolinguística. Treinamentos e consultorias derivados (abertamente ou não) da PNL continuam a ser razoavelmente populares no mundo corporativo, mas isso é assunto para um próximo artigo.