domingo, 8 de agosto de 2010

Planejar transportes

“quidquid delirant reges, plectuntur Achivi”

Planejar é uma atividade que exige esforço concentrado e, sobretudo, perseverânça, obstinação, constância no desiderato.
No caso do planejamento das ações de transporte, nem se fale... Leia, querido leitor, o que saiu no Jornal O Globo. Retomo na seqüência:


Estradas deficientes chegam a 69%
Investimentos ainda são insuficientes; Cide não é usada integralmente

Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que o índice de estradas brasileiras em condições deficientes ou péssimas é de 69%. Os números do levantamento referem-se à situação do Brasil em 2009.
De acordo com a pesquisa da CNT, 42.668 quilômetros de estradas brasileiras apresentam problemas de pavimento e de sinalização. "Existe, assim, a necessidade urgente de melhoria, para que o sistema de escoamento da produção seja eficiente e capaz de dar suporte à retomada do crescimento da atividade econômica", recomenda o estudo.

Ainda segundo o estudo da CNT, os investimentos públicos em rodovias vêm aumentando nos últimos anos, mas ainda são insuficientes diante da necessidade de adequação e de ampliação da malha viária.

O documento também aponta problemas decorrentes da paralisação de obras: "Os atrasos na execução geram prejuízos para o país e para os usuários das rodovias, transportadores e a população em geral, que perdem em desempenho e elevação dos custos de movimentação".
Pesquisa semelhante feita pelo Ipea mostra que 70% das estradas federais precisam de consertos ou reparos. Para resolver o problema da malha viária brasileira, seria necessário o investimento de R$ 183,5 bilhões.

O estudo do Ipea também destacou que obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o setor de estradas estavam atrasadas em 70% por diferentes razões. Na maior parte dos casos, por problemas ligados a questões burocráticas.
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Como diziam nossos avós, “o mar não está pra peixe”. Em 2.007 escrevi, sobre este assunto, um artigo que denominei “A hipocrisia social”. É importante resgatá-lo:

A hipocrisia social

Adriel tinha apenas sete anos de idade quando foi estupidamente colhido por uma caminhonete desgovernada que entrou na contramão. Morreu abraçado à sua mãe, Alessandra, de 26 anos, e ao namorado dela, Alessandro Santos, um ano mais velho.

Os três foram atropelados e arrastados por quase 15 metros por um veículo conduzido pelo promotor público paulista Wagner Juares Grossi que, afirmam as testemunhas, dirigia bêbado (exames comprovaram o estado de embriaguez) e em alta velocidade.

Os três encontram-se enterrados a sete palmos de profundidade enquanto o promotor goza dos benefícios da lei brasileira que assegura fórum privilegiado aos promotores.

Exemplos como este se tornaram rotina no panorama nacional. E a impunidade talvez seja o principal estímulo para o cenário de guerra civil que se estabeleceu entre nós e que mergulha nosso sistema de trânsito num plasma de injustiça, violência extrema e incompetência generalizada.

No Brasil, em apenas uma década, o número de mortes entre motociclistas cresceu 460%, entre ciclistas 300%, e entre motoristas e passageiros 70%. Só entre pedestres ocorreu uma redução de 30%. Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

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Percebeu?, meu amigo. É como se estivéssemos atolados de corpo e alma em um gigantesco atoleiro, patinando desesperadamente, exaurindo todas as forças para alcançar lugar algum. A tragédia está sendo enunciada de forma permanente, ininterrupta, causando prejuízos irreparáveis, e tudo o que se faz parece pouco, quase nada... A sensação é de abandono, de participar de uma peça surrealista – um dramalhão? - em que a personagem principal se acaba na exaustiva e inútil atividade de enxugar gelo. Leiam este outro artigo que publiquei em 2008:

Trânsito: os senhores da guerra

A questão do trânsito é um problema grave em qualquer lugar do mundo. Mas no Brasil este limite já foi superado há muito tempo, e a questão de grave passou a vergonhosa, acintosa, de toda inaceitável.

No Brasil, o número oficial de mortos vítimas de acidentes de trânsito gravita em torno de 35.000 por ano. Mas todos sabem que é um número de mentirinha, daqueles para inglês ver, para dar lustre aos relatórios gerenciais. Um dado para escamotear a escandalosa incompetência e inoperância das autoridades responsáveis pelo setor.

E como é repugnante ver uma autoridade do trânsito falando sobre o assunto. Estão onipresentes, em todos os lugares, em todos os momentos. Adoram luzes, holofotes, se necessário vãos às vias de fato em busca de um banquinho para discursar. Passam-se por sumidades, doutores e especialistas no assunto, municiam-se de dados e estatísticas, carregam sempre sob os braços pastas e relatórios para emprestar confiabilidade às suas intervenções, assumem ar professoral, estampam na face uma expressão sebastianista, e arrotam projetos, e propostas, e ações, e iniciativas, e parcerias, e convênios... E a população, completamente abandonada, continua exposta à sangrenta guerra civil imposta pela violência que explode em nossas cidades e estradas.

Leonel Brizola costumava fazer chacota dos dados e estatística do país. Contava, lá à sua peculiar maneira, que o cidadão havia morrido numa lagoa cuja profundidade média não passava de um palmo. Para o bom entendedor, meia palavra basta. Os dados e informações estatísticas no Brasil sempre foram conformados aos interesses de ocasião. Por isto podem nos conduzir a um universo de oportunidades, à um precipício de ameaças ou, simplesmente, a lugar algum. Infelizmente, o precipício de ameaças tem sido nosso lugar comum.

Trinta e cinco mil brasileiros mortos por acidentes de trânsito no Brasil? Nem mesmo o governo acredita nesses números. Pura maquiagem, fantasia, artifício para mascarar a chacina que diuturnamente aniquila o país, avermelhando nossas vias, estradas e avenidas com o sangue de inocentes. A patifaria e canalhice das autoridades é tamanha que desenvolveram um conjunto de estratégias para manter o teatrinho, para manter inalterável o status quo, de modo que continuem mantendo seus empreguinhos de luxo... Às custas do suplício das famílias brasileiras e das perdas econômicas da nação.

As estratégias para manter a ópera bufa das estatísticas oficiais sobre o trânsito parecem ter sido orquestradas no quadrante mais profundo do Tártaro. O roteiro é bizarro e demoníaco: a demora proposital para proceder a compilação dos dados; a forma (orquestrada) de notificação; estados e municípios mantendo metodologias e procedimentos diferentes; o fato do indicador se restringir tão somente aos que perdem a vida no local do acidente, não havendo (providencialmente) acompanhamento para verificar os óbitos ocorridos depois, no hospital ou em casa, em decorrência do desastre ou sinistro. O procedimento é tão vigarista que, ainda que a vítima venha a óbito dentro da ambulância, já a caminho do hospital, ela não será contabilizada.

Por conta destes disparates, não são poucos os que acreditam que o número de mortos no Brasil vítimas de acidentes de trânsito supere a casa dos 60.000.

É um número vergonhoso, que remete o Brasil a uma verdadeira guerra civil, uma hecatombe sem precedentes.

Em 15 anos de guerra, os Estados Unidos lançaram sobre o Vietnã mais toneladas de bombas que as lançadas em todo o decorrer da 2ª Guerra mundial. Além dos armamentos convencionais, os EUA experimentaram armas químicas e biológicas, destruíram quase 70% de todos as vilas e cidades do norte e gastaram, no conflito, mais de 150 bilhões de dólares. Em 15 anos de guerra intensa, o número de americanos mortos foi de 58.193. Menos dos que morrem, no Brasil, por ano, em acidentes de trânsito.

Já na Guerra do Iraque, em cinco anos de conflito, completados em 23 de março, o número de soldados americanos mortos não chegou aos 4.000. Portanto, cinco anos de guerra e 4.000 soldados mortos. No Brasil, a cada ano de guerra civil, a cada ano da insana tragédia do trânsito, 35.000 mortos (segundo dados oficiais); em torno de 60.000, segundo os estudiosos e especialistas “não dependentes” do governo seja pelo emprego que (neste caso) amesquinha, seja pelos interesses que avilta.

A guerra que envergonha e humilha o Brasil é uma guerra orquestrada por patifes, promovida por patifes, mantida por patifes. De seus gabinetes refrigerados assistem, sonolentos, impávidos e indiferentes, à hecatombe que martiriza nossas famílias, que ceifa nossos entes mais queridos.

Aqui talvez valha a antiga expressão latina “quidquid delirant reges, plectuntur Achivi” - quando os reis deliram, os gregos são açoitados. O povo pagando pelos desvarios dos governantes, dos executivos, dos burocratas, dos que têm algum tipo de autoridade institucional sobre o trânsito. São os deuses da morte, os senhores da hedionda guerra civil brasileira.

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Escrevendo um poema, pensei concluir o assunto de forma mais amena, como se possível fosse amenizar dor tão lascinante...

Partidas e despedidas

As estradas do meu país são estéreis... quanto à vida, estúpidas, crueis
Não nascem e não crescem flores nas estradas do meu país
Queijo suiço, infinitude de buracos arremedos do covas e covis
Covas para os bons, os simples, os humildes
Covis onde se escondem a malta, a quadrilha, os ladrões das esperanças alheias
Partidas, despedidas, apenas saída sem retorno
Regresso? Quem sabe!?... talvez!?...
As palavras, as cantigas, os pensamentos obliterados por um tornado de dor e sofrimento
Não... não...não... não é um sacrifício aos Deuses da remota antiguidade grega
O caminho é um satânico e macabro ritual encetado pelos íncubos senhores da malandragem e da corrupção
Homens, mulheres, crianças, felizes cãezinhos e pequeninos de estimação, aconchegados no que, breve, restará como um amontoado de lata retorcida e corpos disformes, ressequidos, maquiados pela densa e pastosa seiva vermelha que já irrigou a vida
Artérias de terror e sangue
Sem rosas sem flores
Almas vagando num zumbido ensurdecedor
Poemas, diálogos, frases delicadas, sussurros e confidências, mistérios e cumplicidades que o curso negro da estraga traga e esmaga
Nas estradas do meu país, o negro da manta asfáltica é vermelho de sangue, vergonha e indignação
Jardins da babilônia suspensos por uma infinidade de cruzes
Artérias de um decomunal cemitério longitudinal, longo, longo, longo...
Brutos homens embrutecidos pela pressa brutal
Brutos homens ensandecidos pela ganância fatal
Bruta história bruta
Um tapete negro de buracos, covas e covis cobre minha terra de vergonha
Envergonhada terra
Iluminada por milhares de velas derretidas, ressequidas
Triste luz opaca que não ilumina