A credibilidade pública do Senado enfrentará esta
semana tarefas difíceis que as circunstâncias uniram em poucos dias.
Caberá aos senadores aprovar a indicação do atual
ministrochefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para uma vaga
do Tribunal de Contas (TCU) que não existe ainda; sabatinar para a vaga no
Supremo Tribunal Federal (STF) o desembargador Kassio Marques, acusado de
adulterar seu currículo e de plágio; e tentar salvar o mandato do senador Chico
Rodrigues, flagrado pela Polícia Federal com notas de R$ 200
escondidas em suas partes íntimas.
A falta de compostura do presidente Bolsonaro veio novamente à tona nas
indicações apressadas de seus candidatos ao TCU e ao STF. Quando
anunciou que Kassio Marques era o escolhido, a vaga do ministro Celso de Mello
ainda não existia, o que havia era data anunciada por ele para se aposentar.
As boas maneiras republicanas, seguidas por todos os presidentes da República,
mandam que o nome do sucessor só seja divulgado depois da abertura oficial da
vaga, uma média de 150 dias. A mais rápida dos últimos governos foi a indicação
do falecido ministro Carlos Alberto Direito, seis dias depois da publicação da
aposentadoria de Sepúlveda Pertence.
Como estamos em tempos estranhos, a maioria dos senadores já fez sua sabatina
particular com Kassio Marques, em jantares presenciais e conversas digitais, e
tudo indica que nem seu currículo fajuto nem as circunstâncias em que seu nome
surgiu, do nada, serão levados em conta na hora de sabatiná-lo. O importante é
ter entre os ministros do STF mais um "garantista" que vê exageros na
Operação Lava-Jato.
Também a sabatina de Jorge Oliveira para um cargo que não existe acontecerá no
Senado. A melhor definição da situação está no despacho do ministro Dias
Toffoli negando ação do senador Alessandro Vieira, que queria impedir a
sabatina sob a alegação de que a vaga só será aberta em dezembro, quando o
ministro José Mucio anunciou que se afastará do TCU.
Toffoli alegou que não há prazo específico para a indicação de ministros
do TCU, "não cabendo ao Poder Judiciário exercer juízo censório sobre
a oportunidade e a conveniência desse estranhos, a procedimento". A
inconveniência do momento da indicação é apenas um registro a fazer, que marca
mais uma vez a gestão do presidente Bolsonaro como um ponto fora da curva do
republicanismo, que vai sendo lentamente e corroído.
O último desafio do Senado parece estar sendo encaminhado para uma solução
imediata, que evitará uma confrontação com o STF que, por meio do ministro Luís
Roberto Barroso, suspendeu o mandato do senador Chico Rodrigues por 90 dias,
prorrogáveis por mais 90.
O plenário do STF analisará amanhã a decisão e provavelmente referendará a
liminar de Barroso. Os senadores já estão negociando uma licença de 121 dias
para que Chico Rodrigues possa organizar sua defesa diante do Conselho de
Ética.
Vai precisar mesmo, pois, até o momento, a narrativa que vem contando não se
coloca em pé. Disse o senador que provará a origem lícita do dinheiro, que
seria para pagar empregados de seus negócios. Por que, então, teve a estranha
reação de colocá-lo em local tão abscôndito que constrangeu muitos de seus
pares? A possibilidade de vazamento do vídeo é hoje um fantasma a assombrar os
senadores que querem salvar Chico Rodrigues.
A suspensão do mandato, por decisão espontânea, seria a melhor solução, mas
deixará a descoberto mais uma das disfuncionalidades do Senado. O suplente de
Chico Rodrigues é seu filho, que assumirá a vaga com os mesmos compromissos do
pai, garantindo que, na sua ausência, nada mudará.
O espírito que levou Chico Rodrigues a enfiar o dinheiro onde não devia se
manterá intacto na representação do DEM de Roraima, garantindo inclusive o
apoio à reeleição ilegal à presidência do Senado de Davi Alcolumbre. Que tem
sido um dos bastiões do corporativismo na Casa, inclusive nesse caso de Chico
Rodrigues.
"Comos estamos em tempos estranhos, a maioria dos senadores já fez sua
sabatina particular com Kassio Marques em jantares presenciais e conversas
digitais"
Por Merval Pereira, em O Globo
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