Acolhendo o pedido de escritórios seccionais da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos advogados de defesa, o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes trancou uma investigação de dois
anos do Ministério Público Federal (MPF), da Receita Federal e da Polícia
Federal (PF) no Rio de Janeiro. A operação denominada E$quema investigou a
suposta participação de escritórios de advocacia na lavagem de dinheiro e no
pagamento de propina a servidores públicos.
De acordo com as 510 páginas da denúncia oferecida à Justiça pelos
procuradores, os escritórios receberam R$ 151 milhões por meio de contratos
falsos para "lavar" os mais de R$ 350 milhões que teriam sido
desviados de escritórios regionais do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (Senac), do Serviço Social do Comércio (Sesc) e da Federação do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio (Fecomércio-RJ).
Parte dessa bolada do dinheiro público, de acordo com documentos da denúncia,
foi utilizada no pagamento de funcionários para barrar investigações no Tribunal
de Contas da União (TCU), no Conselho de Fiscalização do Sesc e no
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em meio a este imbróglio jurídico, uma pergunta fica no ar: será que o ministro
Gilmar Mendes leu os documentos e depoimentos da denúncia do MPF ou deu seu
parecer apenas com base na tese de conflito de competência defendida pela OAB e
pelos escritórios de defesa?
De acordo com esse argumento jurídico, por envolver funcionários com foro
privilegiado as investigações não poderiam ter sido realizadas com o respaldo
da Justiça Federal de primeira instância. A mesma pergunta cabe à OAB que,
apesar de ter um departamento específico encarregado de investigar a conduta de
seus associados, nada fez a não ser criticar o que classificou de abusos praticados
pela força-tarefa da Lava Jato fluminense.
Um conhecimento mínimo de direito tributário aliado à análise das maneiras mais
frequentes de lavagem de dinheiro permitem a conclusão de que os escritórios,
na tentativa de pulverizar o dinheiro da corrupção e pagar propina aos
servidores públicos, usaram um esquema que lembra, e muito, as chamadas
"contas-ônibus", usadas desde os anos 90 por doleiros para mandar
dinheiro da corrupção e do crime organizado para paraísos fiscais.
Técnica para dificultar o rastreamento de dinheiro
No mundo da lavagem de dinheiro, as "contas-ônibus" são utilizadas
para dissimular a origem dos recursos. No caso Banestado, quando blihões de
dólares foram mandados para o exterior via o Banco do Estado do Paraná, o
dinheiro era transferido por meio das contas CC-5 (contas de domiciliados
estrangeiros no Brasil) para contas abertas em nome de offshores (empresas
mantidas sob sigilo em paraísos fiscais) por doleiros que tinham contas na
agência do Banestado de Nova York (EUA).
Nesse mesmo banco, toda a bolada passava a circular em vários contas de
offshores abertas por doleiros.
Somente o doleiro Alberto Youssef tinha cinco contas no banco, todas protegidas
pelo sigilo dos paraísos fiscais. De lá, os recursos sem origem justificada
eram pulverizados em outras "contas-ônibus" abertas pela firma Beacon
Hill (escritório de lavagem de dinheiro em Nova York, segundo a denúncia da
Promotoria norte-americana), no Merchants Bank e outros bancos acusados de
lavar dinheiro.
Em seguida, o dinheiro era transferido para contas em paraísos fiscais da
Europa ou em fundos de investimentos abertos por bancos e empresários em
paraísos fiscais do Caribe.
Escritórios de advocacia podem ter usado esquema semelhante
A partir da leitura da denúncia do MPF na Operação E$quema, é possível ponderar
que os escritórios de advocacia supostamente encontraram um caminho parecido
para ocultar a origem do dinheiro sujo.
Só que em vez de circular por "contas-ônibus", o dinheiro era
pulverizado por meio da subcontratação de inúmeros escritórios de advocacia. É
preciso deixar claro que a subcontratação de escritórios é uma prática lícita e
usual para agilizar os processos na Justiça. Mas não é bem esse o caso.
Ao assinar com o Ministério Público o acordo de colaboração premiada, o mentor
da suposta organização criminosa, o presidente da Fecomércio, Orlando Diniz,
que atuava também como gestor do Sesc e do Senac, afirmou que o objetivo da
contratação de inúmeros escritórios era pulverizar o dinheiro da corrupção e pagar
propina aos funcionários do Tribunal de Contas da União (TCU) e da
Justiça que investigavam a participação dele no esquema de corrupção.
Diniz entregou à Receita Federal os contratos com os escritórios, cujos
serviços, segundo ele, nunca foram cumpridos.
Propina teria sido paga em 61 pagamentos de vários escritórios
Um dos exemplos citados de como o dinheiro era pulverizado nos escritórios de
advocacia é o esquema que, segundo a denúncia do MPF, foi montado para
corromper o auditor do TCU Cristiano Rondon Albuquerque. O servidor
recebeu R$ 827 mil em 61 pagamentos dos escritórios para antecipar movimentos
de processos e estratégias de defesa.
O esquema começaria no dia 4 de setembro de 2012, quando Diniz assina pela
Fecomércio três contratos com os escritórios dos advogados Roberto Teixeira e
Cristiano Zanin no valor de R$ 9,5 milhões.
Cinco meses depois, Zanin sugere a contratação do escritório de Vladimir
Spíndola sob o argumento de que o problema no TCU é político.
Spíndola, por sua vez, subcontrata o escritório de Edgar Leite, que também
terceiriza o serviço para o escritório de Leonardo Henrique Oliveira.
A partir daí, ocorre o mais inusitado: o servidor corrompido entra no quadro
societário do escritório de Leonardo Henrique e passa a receber parcela dos
dividendos de lucro da empresa. O restante da propina é depositada na conta do
servidor, sempre em parcelas menores que R$ 10 mil para não deixar rastros.
Advocacia não tem obrigação de fornecer dados sobre movimentação
Outros estratagemas como esse aparecem com frequência na denúncia. Uma série de
outros escritórios é contratada para travar as investigações no STJ e no
conselho de fiscalização do Sesc. Essas operações também contam com a
participação de um doleiro. Em setembro de 2012 , Orlando Diniz disse pago R$ 1
milhão aos advogados Teixeira e Zanin por meio do doleiro Álvaro Novis, acusado
de lavar dinheiro para um amontoado de partidos e empresas.
Em depoimento ao Ministério Público, Novis disse ter entregue o dinheiro
pessoalmente no escritório de Teixeira em São Paulo. Segundo Diniz, a bolada
corresponde a entrada de três contratos assinados pela Fecomércio com os
escritórios de Teixeira e Zanin, no valor total de R$ 4,5 milhões, com o
objetivo de tentar influenciar o presidente do Conselho Fiscal do Sesc, Carlos
Eduardo Gabas, que estaria pegando pesado nas investigações.
O pagamento de propina por meio de um escritório de advocacia, segundo
investigadores, é facilitado pela blindagem que a categoria conseguiu ao longo
do tempo e que passou a ser usada por maus profissionais. Pouca gente sabe que
esses estabelecimentos são os únicos no país que não são obrigados a fornecer
dados à Unidade de Inteligência Financeira (UIF) no Brasil, que substituiu o
antigo Coaf.
UOL
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