Muitos se perguntam o que o governo espanhol tem feito de errado na gestão da pandemia. Problemas sociais anteriories à crise dificultam o combate à covid-19 no país.
O chileno Pablo Cerda, de 40 anos, ficou surpreso ao
deixar Santiago para estudar em Madri. "As pessoas vivem em um espaço
muito apertado aqui", afirma. Depois de procurar um apartamento por conta
própria, o cineasta percebeu que a situação se devia principalmente aos valores
altos dos aluguéis, mas também ao tipo de construção: muitos quartos pequenos,
alguns sem janelas, distribuídos por muitos andares. Ele também notou condições
de trabalho muitas vezes precárias e que muitas pessoas trabalhavam sem ter
autorização de residência no país.
De acordo com o Eurostat, o órgão de estatísticas da
União Europeia, o salário líquido anual de uma família espanhola com dois
filhos é, em média, mais de 20 mil euros inferior ao de uma família alemã. No
entanto, um estudo realizado pela revista especializada em mercado imobiliário
Magazyne mostra que o aluguel de um apartamento do tamanho adequado na Espanha
é, em média, apenas um pouco mais barato do que na Alemanha.
Quando Cerda chegou a Madri, em setembro de 2019, o
aluguel mensal de uma quitinete no centro da capital espanhola custava entre
650 e 900 euros por mês. O preço não mudou muito, mesmo com a situação econômica
atual. Cerda morou inicialmente em um bairro operário de Madri, onde os preços
também haviam subido 21% nos últimos quatro anos, de acordo com o portal
imobiliário Fotocasa. Ele passou o lockdown, de março a maio, em um quarto que,
apesar de ter apenas seis metros quadrados, custa 350 euros por mês.
Quando
morar junto se torna perigoso
"Essas condições de vida mudam as pessoas,
principalmente em tempos de pandemia", acredita Cerda. As restrições eram
– e agora estão novamente – particularmente fortes na Espanha. O número de
infecções permanece alto, já que as áreas metropolitanas se revelam
disseminadoras do vírus.
Isso porque poucas pessoas ficam em casa diante de
seus computadores, mas trabalharam em hospitais, com cuidados a idosos, em
restaurantes ou como faxineiras. Muitos trabalham como informais e não podem se
dar ao luxo de testar positivo e ficar em um isolamento adequado em
apartamentos compartilhados.
A Catalunha já introduziu uma regra para tentar
resolver o problema de moradia: há alguns anos, Barcelona, que recebeu cerca de
30 milhões de visitantes estrangeiros no ano passado, reduziu drasticamente –
assim como fez Berlim – o número de apartamentos turísticos para liberar espaço
para moradias. Os aumentos do valor do aluguel também foram limitados.
O governo regional, no entanto, diferencia os
investidores institucionais dos privados e não usa o teto de aluguel em todas
as cidades. Porém, a regra é particularmente importante em Barcelona, onde o
problema da habitação também se multiplicou durante a pandemia, acredita o
holandês Jasper van Dorrestein, que vive na cidade.
"Não são apenas os aluguéis relativamente altos,
mas também as condições exigidas por muitos locatários, como vários meses
adiantados de aluguel como caução, que você não receberá de volta quando quiser
se mudar", afirma.
O governo central também mudou isso no ano passado e
reduziu os encargos financeiros para os inquilinos, mas ainda existem muitos
contratos de locação ilegais em que são aplicadas regras diferentes.
No entanto, nada disso está ajudando no combate ao
novo coronavírus: a Catalunha implementou novas medidas na semana passada,
incluindo as des que hotéis não podem receber hóspedes e o fechamento de bares
e restaurantes por 15 dias.
Erro no
sistema
"Há simplesmente um problema em nosso
sistema", afirma Pedro Abella, especialista em mercado imobiliário da
Universidade IE, em Madri. Ele frisa que os terrenos urbanos se tornaram muito
caros nas últimas décadas. "É por isso que mais moradias sociais deveriam
ser construídas em terrenos públicos."
De acordo com diferentes estimativas, no entanto, vários
milhões de apartamentos na Espanha estão vazios ou não estão disponíveis para
venda. Isso também inclui os tomados por bancos por causa da crise econômica
anterior – e provavelmente outros imóveis serão adicionados nestes próximos
meses.
Esses apartamentos vazios estão sendo ocupados cada
vez com mais frequência, porque os estrangeiros sem contrato de trabalho ou
espanhóis de baixa renda não veem outro jeito de conseguir uma moradia. Há
ainda centenas de milhares de estrangeiros que não possuem uma autorização de
residência válida.
"Ao alugar, você sempre tem que ter alguém que
possua um contrato de trabalho. Ele terá então que certificar que receberá o
aluguel dos outros", comenta a búlgara Ivanka Ivanova.
Densidade
populacional
A esse cenário se soma o fato de que o custo de vida
na Espanha é apenas ligeiramente inferior ao da Alemanha, de acordo com a
Eurostat. Nas cidades, em particular, há uma lacuna entre o custo de vida e os
salários. "Madri é cara em comparação a metrópoles como Paris ou Moscou",
afirma Cerda, que já trabalhou e viveu em muitas partes do mundo.
A Espanha é mais segura do que a maioria dos outras
nações onde ele já esteve, mas ele vê aqui também moradores de rua, mendigos e
muitos prédios altos e feios construídos ao lado de hospitais enormes. Isso
apsear de a Espanha ter uma das densidades populacionais mais baixas da Europa.
Uma solução, aponta Abella, seria expandir
horizontalmente em vez de verticalmente. "Especialmente porque vemos um
declínio populacional em áreas rurais."
O compositor espanhol de músicas para filmes Manuel
Villalta afirma haver uma razão cultural para o fato de as pessoas se
amontoarem em prédios altos em áreas comerciais. "Nós concentramos tudo e
amamos aglomerações. Possuir uma casa, como eu tenho, é uma exceção para um
espanhol. Agora, na pandemia, no entanto, estou feliz por morar sozinho no
campo", diz.
No entanto, a maioria dos cerca de 300 leitos
hospitalares para cada 100 mil habitantes na Espanha – na Alemanha são 800 –
estão em Madri, Barcelona, Bilbao, Valência e Sevilha, e não em Sierra, onde
Villalta vive. "Pelo menos temos uma vantagem aqui em Madri", brinca
Cerda.
Por outro lado, o risco de infecção é particularmente
alto na capital espanhola. Um círculo vicioso.
Por Stefanie Müller, na Deutsche Welle
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