Esta semana a Presidência da República enviou ao
Senado os nomes dos cinco indicados para compor o Conselho Diretor da
Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão responsável pela regulamentação
e fiscalização da aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados.
Nos bastidores
já se contava com a indicação de ao menos um militar entre eles. Foram três!
Que passarão por sabatina dos senadores integrantes da Comissão de Serviços de
Infraestrutura nesta segunda-feira (19).
O perfil dos indicados, e a comissão escolhida no Senado para referendar as
indicações, dizem muito sobre como o atual governo brasileiro encara o tema:
colocando os interesses coletivos, do poder público, acima dos interesses
privados. Um contrassenso ao objetivo da própria lei, de proteger o cidadão de
abusos no tratamento de seus dados pessoais, por organizações públicas ou
privadas. Entre eles, o vigilantismo na Internet.
Não custa lembrar que a primeira lei de proteção de dados pessoais nasceu na
Alemanha, justamente por conta de abusos no tratamento de dados do censo.
Podemos esperar uma maior tolerância quanto à troca de dados biométricos entre
órgãos públicos, para fins diversos daqueles para os quais foram coletados. Ou
quanto ao emprego do reconhecimento facial pelas forças de segurança, alertam
os especialistas, preocupados com o desequilíbrio evidente de forças na composição
da ANPD.
Há apenas duas civis na direção da ANPD, e elas têm, juntas, cinco anos de
mandato, somente. Já os três militares, juntos, somam 15 anos, e ainda ganharam
a presidência, conforme o esperado. "O desequilíbrio não é meramente
cívico", comenta o advogado e professor Danilo Doneda, indicado pela
Câmara dos Deputados ao Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Pior, se
confirmados pelo Senado, esses militares terão seus mandatos assegurados na
condução da ANPD para além de 2022, mesmo que a atual linha de governo mude.
A longevidade do mandato do presidente foi algo que chamou a atenção. Bolsonaro
aproveitou que a LGPD e o decreto da ANPD mencionam apenas que a escolha dos
diretores cabe a ele para arbitrar o tempo de cada um. Faltam regras claras
para a sucessão do presidente da ANPD.
Além disso, não há, entre os indicados uma profunda expertise técnica quanto ao
tema proteção de dados, com exceção de Miriam Wimmer, diretora de Serviços de
Telecomunicações do Ministério das Comunicações, que recebeu o mandato de menor
duração: só dois anos.
Dois outros integrantes têm algum conhecimento do tema, mas não são
considerados profundos conhecedores de proteção de dados: o coronel Arthur
Pereira Sabbat, diretor do Departamento de Segurança da Informação do Gabinete
de Segurança Institucional - GSI, e a advogada Nairane Farias Rabelo Leitão,
sócia do escritório Serur.
Aliás, o escritório Serur, de Brasília, já tinha em seu quadro o indicado pelo
Ministério Público para compor o Conselho Nacional de Proteção de Dados, Luiz
Fernando Bandeira de Mello Filho. Uma coincidência que preocupou outros
advogados e profissionais da área.
Miriam e coronel Sabbat estavam entre os nomes recomendados ao governo pela
Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação
(Brasscom) para integrar a diretoria da ANPD, junto com o do advogado Fabricio
da Mota Alves, nomeado para o Conselho Nacional de Proteção de Dados pelo
Senado, Wesley Vaz, Secretário de Gestão de Informações do Tribunal de
Contas da União, e Claudio Lucena, professor da Universidade Estadual da
Paraíba.
Além da Brasscom, a Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) e a
Federação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro
Nacional) comemoraram o fato de o governo ter, enfim, nomeado o Conselho
Diretor da ANPD. Passo que faltava para que o órgão possa começar a operar.
Ainda assim, há nos bastidores um sentimento de que a nomeação de Miriam Wimmer
para um mandato tão curto foi uma jogada da Casa Civil da Presidência da
República para evitar a gritaria do setor privado. O que, aparentemente
funcionou. Apenas a presidência da Assespro fez ressalvas quanto a importância
de Conselho Nacional de Proteção de Dados ter entre seus indicados nomes do mercado,
que auxiliem a ANPD a compreender as demandas das empresas na era da Economia
Digital.
De fato, a composição do CNPD tem preocupado muito gente. Primeiro, porque não
se sabe ainda os critérios que definirão os três representantes do setor do
produtivo, os três da sociedade civil e os três da academia (instituições
científicas). Caberá à ANPD definir o processo, e ao Presidente Bolsonaro a
aprovação dos nomes.
"Duvido que a regulamentação da atuação do Conselho esteja entre as
prioridades da ANPD", me disse uma pessoa que acompanha de perto os
bastidores em Brasília.
Tem muita gente na iniciativa privada receosa dos rumos que a ANPD possa tomar.
Especialmente por acreditarem que o setor privado, que mais precisa de
segurança jurídica para operar, ficou em segundo plano.
Meses atrás, antes das baixas no Ministério da Economia e da visível queda de
prestígio de Paulo Guedes junto ao presidente, um dos nomes mais cotados para a
diretoria da ANPD no setor empresarial era o do diretor do programa de desburocratização
do ministério, José Ziebarth, hoje se preparando para assumir um cargo
relacionado à proteção de dados em uma grande empresa multinacional.
Em seus primeiros anos de atividade, a ANPD terá um papel fundamental de
construção de parâmetros normativos, instruções e recomendações que orientem a
aplicação da LGPD em todo o país. Entre suas atribuições estão:
Estabelecer os padrões técnicos para o cumprimento da lei;
Determinar os requisitos necessários para a elaboração dos Relatórios de Impacto;
Fiscalizar e aplicar advertências, multas e demais sanções;
Celebrar compromissos com as empresas;
Comunicar às autoridades competentes as infrações penais das quais obtiver o
conhecimento;
Receber e processar toda e qualquer reclamação de pessoa física titular de
dados;
Promover atividades para difundir e educar a população sobre a LGPD.
O estabelecimento dos padrões técnicos passa pela regulamentação de mais de 50
pontos da LGPD nas contas de alguns escritórios de advocacia. Outros falam em
mais ou menos 30% do escopo da lei.
"Como esperar regulamentações refinadas, quando parte da diretoria só vai
ter o primeiro contato com o tema agora?", questiona Doneda. "A
perspectiva é a de que ANPD venha a ter problemas para regulamentar o que
precisa ser regulamentado, uma vez que poucos integrantes conhecem
profundamente o tema proteção de dados pessoais", afirma o professor.
A Coalizão Direitos na Rede foi ainda mais enfática nas críticas: "Se o
desenho institucional da ANPD vinculado à Casa Civil já gerava preocupação pela
falta de autonomia administrativa do órgão diante de suas atribuições - como
fiscalizar as operações de tratamento de dados do próprio governo -, as
nomeações de agora confirmam a hipótese de que a Autoridade não terá a
independência e composição que se espera de um órgão responsável por defender
direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos brasileiros", escreveu em
nota divulgada nesta sexta-feira.
A sociedade civil está especialmente preocupada com a súbita pressa do governo
em realizar a sabatina dos indicados, agendada para a próxima segunda-feira, às
8 horas (para não ter ninguém e não repercutir?), e na Comissão de Serviços de
Infraestrutura, que geralmente trata das indicações para as agências
reguladoras. Coisa que a ANPD não é, nem deveria ser.
A proteção de dados pessoais está mais relacionada a temas tratados por outras
comissões, como Direitos Humanos, Tecnologia, Defesa do Consumidor, Direito
Internacional e, sobretudo, Constituição e Justiça. Vale lembrar que o anteprojeto
da LGPD nasceu justamente na Secretaria de Defesa do Consumidor do Ministério
da Justiça.
O governo está tratando proteção de dados pessoais como algo ligado à
Telecomunicações, Cibersegurança, interesse público! Ignora que a a LGPD nasce,
entre outras coisas, para proporcionar ao cidadão brasileiro um controle maior
sobre o tratamento de seus dados pessoais inclusive pelo poder público.
De acordo com a LGPD, o poder público pode tratar dados pessoais sem pedir o
consentimento do cidadão sempre que o tratamento for necessário para a execução
de políticas públicas. Também poderá tratar dados pessoais, fora do escopo da
lei, no caso de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado e
atividades de investigação e repressão de infrações penais, que serão tratados
de acordo com legislação específica, que contenha medidas proporcionais e
necessárias para que o tratamento de dados pessoais atenda ao interesse
público.
Para a criação das normas específicas para esses casos, a ANPD emitirá
recomendações e opiniões técnicas. Com essa composição... Não é preciso dizer
mais nada!
Por Cristina de Luca, no UOL / Noticias
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