Contas públicas: na LDO, governo não definiu alvo fixo para o resultado primário
O
plenário do Tribunal de Contas da
União (TCU) alertou
ontem o Ministério da Economia sobre a ausência de meta fiscal para o ano que
vem. De acordo com o órgão de controle, a metodologia prevista na proposta de
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 está em desacordo com os
preceitos da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF).
Diferentemente do que ocorre historicamente, o governo
não estabeleceu uma meta fixa para o resultado primário (exclui gastos com
juros em 2021. Apesar de ter mencionado na LDO uma previsão de déficit primário
da ordem de pouco menos de R$ 150 bilhões, a equipe econômica não associou esse
valor a mecanismos que assegurem seu cumprimento, ou seja, trata-se tão somente
de uma referência.
Para o TCU, essa sistemática não configura
nenhum tipo de meta, mas apenas uma “conta de chegada”, resultante do saldo
entre receitas primárias e as despesas primárias sujeitas e não sujeitas ao
teto de gastos. “A meta passa a ser mera operação matemática entre esses três
elementos”, diz o relatório do tribunal.
O entendimento
do orgão de controle é de que a meta deve servir, entre outras coisas, para
demonstrar a tendência da dívida pública, que já se aproxima de 100% do Produto
Interno Bruto (PIB). Pelas projeções atualizadas do governo federal, o país só
voltará a apresentar superávit nas contas públicas em 2027.
Pelo modelo
proposto na LDO, se as receitas primárias caírem ou se as despesas não sujeitas
ao teto aumentarem, a meta é reduzida automaticamente. O único elemento que
permanece fixo é o montante de despesas sujeitas ao teto, justamente devido às
limitações impostas pela regra.
Para o
tribunal, além de estar em desacordo com a LRF, a ausência de uma meta fiscal consistente afeta o
planejamento fiscal e a credibilidade do governo perante os agentes
econômicos.
“Ainda que o atingimento de superávits
primários, sobretudo dada a conjuntura econômica decorrente da crise provocada
pelo coronavírus, não se mostre factível na atualidade, o fato é que resultados
positivos serão construídos progressivamente a partir do esforço fiscal
acumulado ao longo dos anos e, espera-se, da recuperação do crescimento
econômico de forma duradoura”, disse o relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas.
Durante o
processo, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) argumentou que, em um
contexto de severas limitações que comprometem a acurácia das estimativas de
arrecadação, um valor de meta fiscal definido a priori tenderia a ensejar
várias revisões ao longo do ano. Tais revisões, sustenta o órgão, também teriam
efeitos sobre as incertezas por parte dos agentes econômicos.
Para o
cientista político Luiz Felipe D’Ávila, presidente do Centro de Liderança
Política, a pandemia não pode servir como subterfúgio para mudanças permanentes
na disciplina fiscal.
“Economias do mundo inteiro também estão
sentindo o impacto da covid em suas contas, mas nem por isso estão agindo com
manobras que podem trazer mais risco fiscal justamente em um momento que a
economia já está fragilizada e precisa de sinalizações claras do governo de
responsabilidade”, afirmou D’Ávila.
Congresso
precisa ouvir com atenção advertência do tribunal
Análise
O alerta feito
pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o desenho da meta fiscal
para 2021 precisa ser ouvido e analisado com atenção, principalmente pelo
Congresso. Embora o aviso tenha sido direcionado ao Executivo, que propôs uma
meta que na prática não existe, são os deputados e senadores que decidirão o
assunto.
Os
parlamentares ainda não se deram ao trabalho de colocar para funcionar a Comissão Mista de
Orçamento e até agora não votaram a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que
estabelece as regras para a execução do Orçamento do próximo ano. Se de um lado
essa postura mostra pouco cuidado do Legislativo com a previsibilidade fiscal,
esse atraso acaba vindo a calhar, permitindo que suas excelências avaliem um
eventual “conserto” no modelo proposto pelo Executivo que, é importante
ressaltar, tem caráter excepcional.
A ideia de uma
“meta variável” não era consenso nem mesmo na equipe econômica. O argumento da
elevada incerteza no momento de envio da LDO não pode ser desprezado. Faz todo
sentido. O modelo proposto pelo time do ministro Paulo Guedes, porém, é
bastante discricionário, abrindo espaço, em tese, para uma série de ações
fiscais contraditórias com a âncora do teto de gastos, como desonerações e até
gastos maiores em rubricas não alcançadas pelo limite constitucional de
despesas.
Uma fonte do
governo aponta que esse desenho proposto pouco difere de outras formas de meta,
como aquelas que previam desconto de investimentos e desonerações no resultado
final. E que, diante da forte incerteza que ainda há na economia, se o
Congresso resolver modificar o desenho a partir do alerta do TCU, é pouco provável que adote uma
meta fixa em nível que seja restritivo, pois isso contrariaria os próprios
interesses políticos. Para essa fonte, portanto, o movimento do TCU é inócuo.
Outro
interlocutor, contudo, avalia que o alerta é correto e precisa ser levado em
consideração. Na visão dessa fonte, o horizonte para 2021 já está bem mais
claro que em abril. Dessa forma, seria possível trabalhar de maneira mais
alinhada com o que preconiza a Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF)
e definir uma meta fixa, que seja também exequível.
Seja como for,
a advertência do TCU precisa
ser vista em um contexto mais amplo. O Brasil tem muitas regras fiscais (o
teto, o resultado primário, a “regra de ouro”), mas todos esses instrumentos
têm problemas a serem resolvidos. O teto não tem paredes e gatilhos. O
resultado primário não tem sido capaz de impedir a explosão de endividamento e
a ancoragem de expectativas. E a “regra de ouro” não atingiu o objetivo de
produzir uma situação fiscal que preserve os investimentos públicos, contendo outros gastos. De puxadinho em
puxadinho, o país segue sem uma boa arquitetura fiscal.
Por Murillo Camarotto, no Valor Econômico
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