Ellen Gracie, Floriano de Azevedo Marques e Carlos Ari Sundfeld avaliaram que dispositivo na lei de patentes não fere CF
O
parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº
9.279/96), que versa sobre o prazo de validade para a exploração monopolista de
patentes no Brasil, não deve ser considerado inconstitucional, uma vez que foi
opção do legislador estabelecer a possibilidade de prorrogação do prazo de
vigência de patentes em caso de demora na apreciação do pedido pelo Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Essa é
a avaliação de Ellen Gracie Northfleet, ministra aposentada do Supremo Tribunal
Federal (STF), Floriano de Azevedo Marques Neto, diretor da Faculdade de
Direito da USP, e Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV Direito SP e presidente
da Sociedade Brasileira de Direito Público. Eles participaram de um webinar
sobre o tema realizado na manhã desta terça-feira (13/10) pela Casa JOTA em
parceria com a Interfarma.
A
discussão está posta no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da ADI 5529,
que foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República e está sob relatoria do
ministro Dias Toffoli. Na ADI, a PGR questiona se esse dispositivo da lei de
patentes afronta o princípio da temporariedade da proteção patentária, previsto
no inciso XXIX do artigo 5º da Constituição Federal.
O
inciso em questão diz: 'A lei assegurará aos autores de inventos industriais
privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos
distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico
e econômico do país'.
Neste
sentido, quem contesta a lei alega que o parágrafo único do artigo 40 da Lei
permite, na prática, uma extensão nos prazos de patente. Isso porque o INPI pode
demorar mais de dez anos para despachar a patente. Nas palavras da PGR, essa
realidade provoca 'forte lesão a direitos sociais e à ordem econômica, pois os
demais interessados na exploração da criação industrial não podem prever e
programar-se para iniciar suas atividades'.
Segundo
os três especialistas que participaram do webinar do JOTA, a discussão acerca
do impacto desse dispositivo pode até ser relevante, mas não tem relação com
constitucionalidade ou não. E, por isso, o debate não compete ao STF.
'A
discussão toda da ADI se coloca em casos em que o pedido de INPI demore mais de
dez anos. Após o deferimento, a patente vigorará por mais dez anos. Ou seja,
pode haver patente ou privilégio que vigore, na soma dos períodos, por mais de
20 anos', disse Sundfeld.
'Existe
uma razão econômica racional para a discussão, mas qual é a
inconstitucionalidade? A Constituição Federal só fala que a patente tem que ter
privilégio temporário, mas não estabelece critérios', acrescentou.
Para a
ministra aposentada do STF Ellen Gracie, foi uma opção do legislador
estabelecer a possibilidade de ampliação do prazo de validade em virtude da
realidade da época em que a lei foi promulgada.
'Quando
o Brasil assinou o acordo de Marraquexe em 1994 [e, assim, se comprometeu a
proteger patentes], o órgão regulador, o nosso INPI, não estava há época
habilitado, equipado para receber essa carga adicional de novos produtos
registrados', afirmou a ministra.
'Ciente
disso, o nosso legislador, com muita sabedoria, inseriu o parágrafo único no
artigo 40. É conhecido o backlog do INPI [acumulação de patentes para analisar]
e o parágrafo se refere exatamente a essa falta de equipamento', continuou.
Segundo
Gracie, esse tipo de dispositivo 'não é uma novidade brasileira' e existe também
em legislações de países desenvolvidos, como na União Europeia e os Estados
Unidos. 'Nesses lugares, existe uma possibilidade de extensão de prazo
(limitada em cinco anos) quando a patente, para que o produto seja fabricado e
colocado à disposição do consumidor, exija a participação de outros agentes
públicos, que também precisam autorizar a comercialização dos produtos', disse.
Nessa
lógica, opinou o professor Floriano de Azevedo Marques, o grande problema não
está na constitucionalidade do dispositivo, mas no fato de o INPI 'demorar
tanto para fazer a patente'. 'A ação da PGR constrói uma tese de que o
dispositivo estaria ferindo a ideia constitucional de proteção patentária
temporária. Mas é o contrário, ele define prazos claros', defendeu.
Para
Azevedo, é possível 'gostar ou desgostar da opção do legislador, mas o fato é
que ele seguiu o que o constituinte determinou: fixou um prazo'. Neste sentido,
seria uma opção do legislador rever se esse período é elevado e deveria ser
modificado. 'Mas o Supremo não pode se substituir nesse nível de detalhe na
decisão do legislador, afirmou Azevedo'.
Impactos
econômicos negativos
É
consenso para os especialistas que participaram do webinar que alterar o
dispositivo pode trazer impactos econômicos negativos para o desenvolvimento de
inovação no Brasil e também para os próprios consumidores.
'Não é
o agente econômico responsável pelo desaparelhamento do órgão regulador, não se
pode atribuir esse prejuízo ao agente econômico, que faz publicar todos os
detalhes que permitem a reprodução de sua invenção por outras pessoas', disse
Gracie.
Em
relação ao impacto ao consumidor, um exemplo prático, segundo Azevedo, poderia
ser observado na própria corrida pela vacina da Covid-19. 'O consumidor pode
perder tanto se a patente for muito longa quanto se não houver proteção
patentária', disse.
'Vou
dar um exemplo: hoje, todo mundo acompanha bilhões de dólares sendo gastos em
pesquisas com a Covid-19. Tanto as instituições públicas quanto as privadas têm
interesse em explorar a vacina. Se houvesse uma regra que não tivesse mais
proteção patentária, haveria um desincentivo de boa parte dos agentes econômicos
que estão investindo bilhões, com risco de não dar em nada, buscando a
prioridade, a prevalência, de ser a primeira vacina. Porque em dez anos haverá
várias vacinas e o preço será muito baixo', disse.
'Nessa
lógica, poderíamos ter uma demora maior para ter a vacina. É um pouco ilusório
pensar só no consumidor depois que a patente existe, temos que pensar em todo o
processo', prosseguiu.
Para
Sundfeld, uma saída é convencer os legisladores a mudar esse entendimento. 'O
STF é um tribunal constitucional, para aferir a compatibilidade da lei pela
Constituição. Não para aferir se essa solução regulatória pode ser melhorada ou
piorada, para um lado e para o outro', afirmou.
Estudo
do TCU
Ao
longo de diversas petições no processo do STF, há inúmeras referências a um
levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) focado em patentes de
medicamentos que apontou que o dispositivo trouxe um impacto aos cofres
públicos na ordem de R$ 1 bilhão, entre 2010 a 2019.
Segundo
o tribunal, a extensão de prazo definido no parágrafo único do artigo 40 da lei
beneficia os laboratórios quando o INPI demora demais para analisar os pedidos
de patentes não reduzindo, portanto, seu valor de aquisição.
'É
importante saber se realmente há ou não um prejuízo para o setor público na
compra desses medicamentos. Agora, eu realmente tenho muita dificuldade em
imaginar como pode o TCU, a priori, definir que se quebrado esse monopólio
antes do tempo outros produtores apresentariam o mesmo medicamento com menor
custo. É um exercício de futurologia', afirmou Gracie.
Azevedo
chamou atenção para o fato de que essa análise leva em conta apenas o curto
prazo e não todas as variáveis também de longo prazo. 'Grande parte da pressão
do SUS hoje sobre os medicamentos, não está nem nos medicamentos com patentes,
mas sim nos experimentais. Esses têm valores exponenciais e o SUS é obrigado a
fornecer por decisão judicial', afirmou.
Ele
acrescentou que 'pior para o consumidor de medicamentos é você não ter acesso
ao medicamento. E um retrocesso em uma lógica de proteção patentária, pode
inibir a própria disponibilidade do medicamento', assegurou.
Previsão
em caso de inconstitucionalidade
Caso o
julgamento do STF, que ainda não tem data definida, entenda pela
inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da legislação, será
imprescindível modular seus efeitos, segundo avaliaram os três especialistas.
Isso
porque, imediatamente com o entendimento nesse sentido, o mercado se abriria e
as empresas que ainda esperam as aprovações de suas patentes perderiam o
privilégio sobre elas. 'Portanto, todos os investimentos que se fez
considerando o prazo da lei se perderiam, seria um dano para as empresas que já
investiram. É evidente que é preciso fazer uma transição, que é um valor
jurídico muito importante, que hoje está prevista no artigo 23 da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro', disse Sundfeld.
Para
Gracie, uma mudança dessa magnitude sem modulação, 'seria desconsiderar toda a
confiança que os agentes econômicos depositaram na legislação, de modo que
ficariam sem proteção de um dia para o outro'.
Já
Azevedo aposta em uma modulação que foque nos novos registros patentários,
deixando de fora inclusive os que já estão em tramitação. 'Sem isso, teríamos
uma situação esdrúxula'.
Por Clara
Cerioni, no Jota
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