Bolsonaro escolheu Jorge Oliveira, atual Ministro da
Secretaria-Geral da Presidência, para ocupar a vaga do Ministro José Múcio, no Tribunal
de Contas da União (TCU). A escolha depende de aprovação pelo Senado
Federal. A sabatina está agendada para esta terça-feira, 20 de outubro.
O TCU existe desde 1890 e sempre teve papel relevante no controle do
Executivo. No entanto, apesar de se tratar de órgão cuja história se confunde
com a da República - e de seu perfil, no plano normativo, não ter sofrido
mudanças radicais ao longo do tempo -, parece seguro dizer que, hoje, há ainda
mais razão para se conhecer em profundidade os escolhidos para tomar assento no
Tribunal. E isso tem a ver com o fato de o TCU ter puxado para si
novas e inusitadas funções, projetando-se para o epicentro do debate público
nacional. Esse protagonismo é sem precedente para uma Corte de Contas - no
Brasil e no mundo.
A Constituição determina que só poderá ocupar o cargo de Ministro do TCU aquele
que possuir 'mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade',
'idoneidade moral e reputação ilibada', 'notórios conhecimentos jurídicos,
contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública' e 'mais de dez
anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os
conhecimentos' mencionados acima (art. 73, § 1º, incisos I a IV).
A sabatina é fundamental não só para garantir que o indicado preencha os
requisitos constitucionais para o cargo, mas também para que o Senado e a sociedade
como um todo possam conhecer seu perfil e sua visão sobre o papel do TCU no
controle da administração pública.
No caso, se Jorge Oliveira tiver a indicação confirmada pelo Senado, poderá
permanecer no TCU por até 30 anos.
O Observatório do TCU da FGV Direito SP + Sociedade Brasileira de
Direito Público tem se dedicado intensamente à tarefa de compreender o Tribunal
e identificar pontos de aprimoramento da instituição e de sua jurisprudência.1
Por meio deste texto, pretende colaborar com o Senado, sugerindo perguntas que
poderiam ser direcionadas ao nomeado, para fazê-lo manifestar-se sobre alguns
dos temas mais polêmicos relativos à atuação do TCU.
Perguntas sugeridas pelo Observatório do TCU da FGV Direito SP + SBDP:
* O senhor concorda com a afirmação de que o TCU tem extrapolado as
suas competências constitucionais? Quais exemplos de extrapolação de
competências constitucionais que o TCU vem exercitando que o senhor,
se confirmado, pretenderia combater e evitar?
* A Constituição estabelece claramente, no seu artigo 71, os poderes cautelares
que detém o TCU (sustar efeitos de atos administrativos irregulares),
além de prever o procedimento que o Tribunal deve seguir para exercitá-los (a
sustação deverá (i) ser será precedida do esgotamento de prazo que o próprio TCU assinar
para que as autoridades pertinentes adotem as soluções cabíveis e (ii) será
seguida da comunicação da decisão de sustação à Câmara e ao Senado).2 O TCU,
no entanto, com base em jurisprudência do próprio STF desde 2004, tem entendido
dispor de um 'poder geral de cautela', adotando medidas cautelares diferentes
das previstas constitucionalmente e sem seguir o procedimento ali previsto.
Qual a sua posição sobre este assunto? Qual é a extensão do poder de cautela do TCU?
* A Constituição parece ter circunscrito a jurisdição de contas do TCU aos
gestores públicos - ou seja, àquele que 'utilize, arrecade, guarde, gerencie ou
administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda,
ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária' (art. 70,
parágrafo único). Contudo, em decisões recentes, o Tribunal tem buscado
defender suposta competência para 'julgar contas' de particulares contratados
pela administração. 3 O senhor entende ser possível compatibilizar tal
entendimento com o texto expresso da Constituição?
* Apesar de o TCU reconhecer que não pode interferir no 'jogo
regulatório', pesquisas apontam que o Tribunal, na prática, se transformou numa
espécie de super regulador nacional.4 Qual é o seu entendimento sobre os
limites das competências do TCU sobre a atuação das entidades
reguladoras nacionais?
* A Constituição confere competência ao TCU para realizar 'fiscalização operacional'
(arts. 70 e 71), instrumento usado por Tribunais de Contas de diversos países
para avaliar a economicidade, eficiência e efetividade da administração e
elaborar recomendações de melhoria. Contudo, na minuta do novo 'Manual de
Auditoria Operacional', submetida a consulta pública em 2019, o TCU previu
a possibilidade de uso das fiscalizações operacionais para emitir determinações
à administração. Tal entendimento parece destoar do texto constitucional, e
contrasta com aquilo que é praticado em outros países (como França, Itália e
Bélgica).5 Como o senhor se posicionará sobre essa questão na deliberação
quanto ao conteúdo do novo manual?
* A Lei de Anticorrupção, de 2013, criou novo instrumento de combate a desvios:
o acordo de leniência. Desde então, uma série de acordos têm sido
celebrados por instituições diferentes (MPF, AGU e CGU). Os
acordos costumam prever o pagamento de valores e preveem benefícios à empresa
que colabora com investigações. Um dos principais gargalos à sua eficácia é a
ausência de mecanismos de coordenação entre órgãos de controle. Para tentar
suprir esse problema legal, vários deles têm celebrado protocolos de
cooperação. Em um ponto, contudo, parece haver impasse. O TCU - a
quem realmente compete zelar pelo erário - não abre mão de revisar os valores
das multas negociados por outros órgãos de controle. O impasse tem colocado em
dúvida a eficácia dos acordos.6 Qual é a sua posição sobre este assunto? Se
confirmado, o senhor votará no sentido de que o TCU tem ou não
competência para revisar os valores das multas negociados por outros órgãos de
controle?
* O STF, em decisões recentes, tem negado a possibilidade de o TCU realizar
controle incidental de constitucionalidade, afastando a aplicação de leis
consideradas por ele como inconstitucionais em casos concretos.7 Contudo, com
base em interpretação da Súmula 347 do STF, editada ainda sob a vigência da
Constituição de 1946, o TCU permanece sustentado ter competência para
realizar tal controle de constitucionalidade em seus julgamentos.8 Na sua
avaliação, a Constituição autorizaria a realização de controle de
constitucionalidade por órgão responsável pelo controle de contas, como o TCU?
* Em 2018, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro foi atualizada.
Houve a inserção de dispositivos voltados a trazer mais segurança jurídica à
criação, interpretação e aplicação do direito público. O dispositivo que parece
ter gerado mais oposição, inclusive por parte do TCU, é o art. 28 (só
haverá responsabilização pessoal do agente público em caso de dolo ou erro
grosseiro). O dispositivo nada mais faz do que reforçar jurisprudência do STJ.
O art. 28 é visto como fundamental para o estímulo à boa gestão pública e à
inovação. De certo modo, busca ser antídoto ao chamado 'apagão de canetas',
fenômeno para o qual o TCU também parece contribuir.9 Qual a sua
opinião sobre o art. 28 da LINDB? O senhor o entende constitucional?
* A maioria dos ministros do TCU defende que o art. 28 da LINDB não
se aplica à aferição da culpabilidade dos gestores públicos em processos que
discutem o ressarcimento de dano ao erário. O senhor está de acordo com essa
interpretação do art. 28?
* Qual é, na sua opinião, a relevância da atuação do TCU no fenômeno
chamado de 'apagão das canetas' e como acredita que o TCU poderia
contribuir para reduzir o problema?
* A literatura tem registrado a ocupação cada vez mais frequente, por parte de
ex-membros do TCU, do corpo dirigente de seus jurisdicionados. No recente
anúncio oficial dos seus 10 diretores, a nova presidência do BNDES chamou
a atenção ao fato de que 3 deles seriam ex-membros do TCU. Há ex-auditores
do TCU na diretoria da ANTT e no CADE, por exemplo. Alguns autores
chamaram a atenção de que esta pode ser resultado do movimento expansionista do TCU:
os órgãos jurisdicionados estariam se munindo de ex-membros do TCU como
forma de se defender dos seus avanços. Qual é a sua opinião sobre este assunto?
* Na opinião do senhor, poderia o TCU fazer juízo de improbidade
administrativa em relação às condutas dos agentes públicos?
* Apesar de o TCU dizer que superou o critério do 'administrador
médio' para decidir sobre a responsabilização dos agentes públicos, na prática
há vários acórdãos recentes em que o referencial é utilizado.10 O que é o
administrador médio para o senhor? Além disso, a jurisprudência do Tribunal é
bastante vacilante na definição daquilo em que consistiria, na prática, 'erro
grosseiro', para fins de responsabilização de gestores.11 Caso seja Ministro,
como irá analisar se um ato de gestão pública é erro grosseiro?
* Na visão do senhor há limites da interferência ou apreciação do TCU em
decisões de gestão dos administradores públicos? Deve haver deferência do TCU aos
atos de gestão da Administração quanto ao seu mérito e escolhas ou não há
limites para o controlador? Quais seriam esses limites?
* Essenciais ao desenvolvimento econômico e social, os novos projetos de
infraestrutura devem explorar soluções inovadoras e ampliar fontes de
financiamento para serem viáveis em um cenário pós-pandemia. O TCU entende
ser viável o controle prévio dos editais de licitação não publicados,
o que é alvo de crítica por usurpação de competência decisória administrativa e
por ser uma manifestação do chamado risco-Brasil. Qual é a sua avaliação sobre
o controle prévio dos editais de licitação de infraestrutura não
publicados? Caso entenda favorável, quais são os limites a esse controle?
* Neste ano a ANATEL firmou seu primeiro TAC, substituindo sanções por
investimentos diretos no valor de R$ 639 milhões. Em monitoramento desse
acordo, o TCU firmou entendimento que as próximas minutas de TAC
devem ser previamente encaminhadas ao TCU para controle prévio,
considerando os altos valores envolvidos. No entanto, além de o Legislativo não
ter autorizado o TCU a controlar previamente a consensualidade, isso
pode levar a desenho de cláusulas que atendam aos anseios do TCU, mas não
ao interesse público concreto. Qual é a sua avaliação sobre o papel do TCU nos
acordos de investimento em infraestrutura?
* Você entende que as normas editadas pelo TCU devem se submeter a
prévio processo, com abertura à participação administrativa e análise de
impacto regulatório, como se verifica em qualquer órgão público com competência
normativa?
* Qual a opinião do senhor a respeito da atual jurisprudência do TCU sobre
prescrição? O senhor entende que a instauração de tomada de contas especial
para apuração de danos ao erário se encontra limitada por algum prazo
prescricional? Em caso positivo, de quantos anos seria esse prazo?
Qual a decisão mais problemática no caso André do Rap, de Marco Aurélio ou de
Fux?
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1 Os textos do Observatório do TCU da FGV Direito SP + Sociedade
Brasileira de Direito Público podem ser consultados aqui:
http://sbdp.org.br/category/artigos-e-balancos-criticos/?post_type=publication.
2 Ver, por exemplo, André Rosilho, 'Tribunal de Contas da União: Competências,
jurisdição e instrumentos de controle'. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 260
e ss.; Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, 'Competências de controle
dos Tribunais de Contas - possibilidades e limites'. In: Carlos Ari Sundfeld
(Org.), 'Contratações Públicas e seu Controle'. São Paulo: Malheiros,
2013; e Eduardo Jordão, 'A intervenção do TCU sobre editais de licitação não
publicados - controlador ou administrador?'. Revista Brasileira de Direito
Público, ano 12, n. 47, out/dez. 2014.
3 Ver, por exemplo, Conrado Tristão, 'Tribunais de contas têm jurisdição sobre
particulares contratados?', JOTA, 08.05.2019. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/tribunais-de-contas-tem-jurisdicao-sobre-particulares-contratados-08052019.
Ver também Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, Limites da jurisdição
dos tribunais de contas sobre particulares. Revista Justiça do Direito, v. 33,
p. 198-221, 2019.
4 Ver, por exemplo, Gustavo Leonardo Maia Pereira. O TCU e o controle
das agências reguladoras de infraestrutura: controlador ou regulador?.
Dissertação de Mestrado. FGV Direito SP, 2019. Disponível em:
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/27366/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Gustavo%20Maia%20-%20Vers%C3%A3o%20Biblioteca.pdf.
e Martin Lodge e outros. Regulação da Infraestrutura Logística no Brasil.
Center for Analysis of Risk and Regulation (CARR), London School of Economics
and Political Science (LSE). Relatório disponível em:
http://www.lse.ac.uk/accounting/assets/CARR/documents/Impact/Regulation-of-Logistics-Infrastructures-in-Brazil/Brazil-infrastructure-logistics-translated-FINAL.pdf.
5 Ver, por exemplo, Conrado Tristão, 'TCU: órgão de controle externo ou
revisor geral da administração?', JOTA, 14.09.2019. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/tcu-orgao-de-controle-externo-ou-revisor-geral-da-administracao-14092019.
6 Ver, por exemplo, Yasser Gabriel, 'Cooperação dos controles em acordo de leniência',
JOTA, 12.08.20. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/cooperacao-dos-controles-em-acordo-de-leniencia-12082020.
7 Ver, por exemplo, MS 35410 MC/DF, min. rel. Alexandre de Morais, j. em
15.12.2017.
8 Ver, por exemplo, Conrado Tristão, 'Controle de constitucionalidade por
tribunais de contas?', JOTA, 11.03.2020. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/controle-de-constitucionalidade-por-tribunais-de-contas-11032020.
9 Ver Gustavo Binenbojm e André Cyrino. 'O art. 28 da LINDB - A cláusula geral
do erro administrativo', em Revista de Direito Administrativo, Edição Especial:
Direito Público na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB
(Lei 13.655/2018), p. 203-224, nov. 2018. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77655.
10 Ver, por exemplo, Juliana Palma, 'Quem é o administrador médio do TCU?',
JOTA, 22.08.2018. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/quem-e-o-administrador-medio-do-tcu-22082018.
11 Ver, por exemplo, Eduardo Jordão e Conrado Tristão, 'O que é erro grosseiro
para o TCU?', JOTA, 27.05.2020. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/o-que-e-erro-grosseiro-para-o-tcu-27052020.
Observatorio do TCU da FGV Direito SP e sbdp - Esse texto é subscrito
por André Rosilho, Conrado Tristão, Daniel Bogéa, Eduardo Jordão, Gabriela
Duque, Gilberto Gomes, Juliana Bonacorsi de Palma, Mariana Vilella, Pedro
Lustosa, Ricardo Kanayama, Vitória Damasceno e Yasser Gabriel.
Observatorio
do TCU da FGV Direito SP e sbdp, no Jota
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