Barroso decide contra ex-vice-líder
Flagrado com
dinheiro na cueca
Senado pode
reverter decisão
Caso Aécio
Neves é precedente
A decisão do
ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso que ordenou o afastamento por
90 dias do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) incomodou
colegas do congressista.
Cabe ao
Senado dar a palavra final sobre medidas cautelares contra seus integrantes,
mas há mais de 1 caminho possível a ser trilhado até que se defina o futuro do
ex-vice-líder do Governo no Senado, flagrado pela Polícia Federal com R$
33.150 escondidos na cueca.
Barroso
enviou cópias do processo contra Chico Rodrigues (investigado por desvio de
recursos para o combate à pandemia em Roraima) assim que determinou seu
afastamento do mandato. O rito atende ao que foi definido há 3 anos, em
11 de outubro 2017, na ADI 5526.
No
julgamento dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade de 2017 o Supremo tomou
uma decisão que, na prática, autoriza a Corte a suspender cautelarmente o
mandato de qualquer deputado ou senador.
Na ocasião
foi decidido pelo próprio STF que o Supremo pode impor medidas cautelares
contra congressistas. O deputado ou senador seria imediatamente suspenso do
mandato.
A única
ressalva foi a de que qualquer decisão que “dificulte ou impeça, direta
ou indiretamente, o exercício regular do mandato” precisa ser
submetida, em até 24 horas, para deliberação da Casa à qual o investigado
integre (Câmara ou Senado).
Ou seja, em
2017 o Supremo decidiu que pode barrar qualquer político de exercer mandato —e
transferiu o ônus de manter esse tipo de decisão para a Câmara ou para o
Senado, que precisam então se reunir e dizer se concordam ou não.
A ação de
2017 teve como relator o ministro Edson Fachin, que ficou vencido no
julgamento. O ministro Alexandre de Moraes, que abriu a divergência foi o
relator do acórdão. Eis a íntegra (4 MB).
Os ministros
afirmam expressamente no acórdão que não é possível aplicar aos congressistas a
prisão preventiva, prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Decidiram apenas que “o Poder Judiciário dispõe de competência para
impor, por autoridade própria, as medidas cautelares a que se refere o art. 319
do referido diploma Processo Penal”.
Mas Barroso
diz na decisão que afastou Chico Rodrigues de suas funções como senador que
esse assunto não foi discutido. “O que restou decidido pelo Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.526, foi que toda medida cautelar que
impossibilite, direta ou indiretamente, o exercício do mandato parlamentar e de
suas funções legislativas, deve ser remetida dentro de vinte e quatro horas à
Casa respectiva. Mas nada se decidiu, de modo claro e definitivo, sobre a
possibilidade ou não de decretação da prisão preventiva”, afirmou o
ministro.
O julgamento
no plenário do STF foi realizado num momento em que a Lava Jato ainda
atravessava seu auge. Três meses antes, o então juiz Sergio Moro tinha imposto
a 1ª condenação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso tríplex.
O placar foi
apertado: 6 a 5. Votaram a favor do entendimento de que o Congresso dá a
palavra final sobre o afastamento de seus pares os ministros:
- Marco Aurélio;
- Gilmar Mendes;
- Ricardo Lewandowski;
- Dias Toffoli;
- Alexandre de Moraes; e
- Cármen Lúcia.
Foram contra
os ministros:
- Edson Fachin;
- Luís Roberto Barroso;
- Rosa Weber;
- Luiz Fux; e
- Celso de Mello.
Essa ADI foi
proposta pelos partidos PP, PSC e Solidariedade, mas seu julgamento se deu na
esteira do caso Aécio Neves (PSDB-MG). O então senador
havia sido gravado pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista, da JBS. A 1ª
Turma do STF determinou seu afastamento do
Congresso, mas dias depois do julgamento da ADI 5526, o Senado reverteu a decisão.
Foram 44 votos a favor de Aécio e 26 contrários, na ocasião.
No caso de
Chico Rodrigues, a Polícia Federal pediu para Barroso decretar a prisão
preventiva do senador por considerar que o dinheiro escondido configura
flagrante de 1 crime. A PGR (Procuradoria Geral da República) manifestou-se
pela prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. Barroso fez
considerações sobre a ADI 5526 para optar apenas pelo afastamento. Eis o que o
ministro escreveu:
“o que
restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5526, foi
que toda medida cautelar que impossibilite, direta ou indiretamente, o
exercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, deve ser
remetida dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva. Mas nada se decidiu,
de modo claro e definitivo, sobre a possibilidade ou não de decretação da
prisão preventiva. 39. Entretanto, especialmente com a aposentadoria do
Ministro Celso de Mello, tem-se que somente quatro Ministros atualmente na
Corte, entre os quais me incluo, manifestaram-se claramente pela possibilidade
de decretação da prisão preventiva. 40. Desse modo, diante da dúvida fundada
sobre a legitimidade da decretação da segregação provisória de parlamentares,
em respeito ao colegiado desta Corte, deixo de decretar a prisão preventiva e
examino a necessidade de imposição de outras medidas cautelares”.
Eis a
íntegra da decisão de Barroso
(238 KB).
Além do já
mencionado caso de Aécio Neves, outras decisões de ministros do STF contra
integrantes do Congresso já motivaram desconforto entre Legislativo e
Judiciário.
Em 2016,
Marco Aurélio ordenou o afastamento de Renan Calheiros (MDB-AL), que se recusou
a receber a notificação até que o plenário do próprio STF acabou revertendo a
decisão. Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a Câmara contrariou ordem do ministro Celso de Mello e
manteve Wilson Santiago (PTB-PB) em seu mandato.
Para que se
evite novo atrito entre Congresso e Supremo, os senadores estudam aguardar o
julgamento da decisão de Barroso pelo plenário do STF, o que está marcado para ocorrer na 4ª feira
(21.out.2020).
O presidente
do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deve convocar reunião com líderes da Casa
para discutir o que será feito de Chico Rodrigues. O demista não tem interesse
em se envolver em qualquer movimento que soe como uma afronta ao Supremo. Ele
depende de julgamento de uma ação na Corte para ser autorizado a disputar a
reeleição à Presidência do Senado.
Uma
alternativa à revisão da ordem de Barroso é avançar com a análise de representação contra Chico
Rodrigues no Conselho de Ética do Senado. Os partidos Rede
Sustentabilidade e Cidadania pediram a perda do mandato do ex-vice-líder nesta
6ª feira (16.out). Afirmam que o processo no Conselho de Ética deve punir o
senador “sem prejuízos” à determinação de Barroso.
“A conduta do Senador Chico Rodrigues se subsume, de modo inequívoco, às
hipóteses do art. 5º do Código de Ética e Decoro Parlamentar, razão pela qual
reputa-se de rigor a aplicação da pena de perda definitiva do mandato”, escrevem.
O artigo
citado fala que não condiz com a ética e o decoro dos congressistas práticas
como o abuso das prerrogativas da função, a obtenção de vantagens indevidas e a
prática de irregularidades graves no desempenho do mandato.
Na decisão,
o ministro do STF afirmou que há “gravidade concreta” no caso.
O afastamento, diz, é necessário para evitar que o senador use o cargo
para dificultar as investigações.
INVESTIGAÇÃO
A operação
Desvid-19, que levou a Polícia Federal a encontrar dinheiro escondido na cueca
do senador, aponta que o agora
ex-vice-líder do Governo no Senado influenciava diretamente na gestão da Saúde
em Roraima.
De acordo
com a PF, o senador comandou esquema de superfaturamento de contratos entre
empresas com as quais tinha ligação e a Secretaria de Saúde de Roraima. Ele
também teria influenciado para a demissão do então chefe da pasta, Allan
Garcês, em fevereiro deste ano.
“As mensagens e as exonerações sugerem forte influência do senador Chico
Rodrigues na Secretaria de Saúde do Estado de Roraima, bem como levantam a
suspeita de que essa influência fosse exercida para fins ilícitos”, diz a PF.
A
investigação começou a partir de depoimento prestado na sede da Polícia
Federal, em Roraima, por 1 servidor público que ocupou os cargos de coordenador
e diretor na Coordenação Geral de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde
de Roraima nos primeiros meses de 2020. Ele é identificado apenas como
Francisvaldo.
Segundo o
depoimento, houve envolvimento de congressistas em fraudes na aquisição de kits
para teste rápido de detecção de covid-19 e em irregularidades no processo de
compra de centrais de ar-condicionado para uma maternidade de Rorainópolis
(RR).
O suposto
esquema criminoso seria operado mediante a destinação de valores de emendas
parlamentares para empresas contratadas pelo poder público, indicadas pelos
próprios congressistas, que atuariam por meio de intermediários.
Os valores
desviados seriam destinados para ações de combate à covid-19 no Estado, como a
aquisição dos kits para teste de covid-19.
OUTRO LADO
O senador
Chico Rodrigues divulgou nota, na última 4ª feira (15.out), em que afirma
que não teve envolvimento em qualquer irregularidade. Disse ainda acreditar na
Justiça e esperar que “se houver algum culpado, que seja punido nos
rigores da lei”. Eis a íntegra:
“Acredito na justiça dos homens e na Justiça Divina. Por este motivo,
estou tranquilo com o fato ocorrido hoje em minha residência em Boa Vista,
capital de Roraima. A Polícia Federal cumpriu sua parte em fazer buscas em uma
investigação na qual meu nome foi citado. No entanto, tive meu lar invadido por
apenas ter feito meu trabalho como parlamentar, trazendo recursos para o
combate à COVID-19 na saúde do estado.
Tenho um passado limpo e uma vida decente. Nunca me envolvi em
escândalos de nenhum porte. Se houve processos contra minha pessoa no passado,
foram provados na justiça que sou inocente. Na vida pública é assim, e, ao logo
dos meus 30 anos dentro da política, conheci muita gente mal intencionada com o
intuito de macular minha imagem, ainda mais em um período eleitoral conturbado,
como está sendo o pleito em nossa capital.
Digo a quem me conhece: fique tranquilo. Confio na justiça e vou provar que não tenho nem tive nada a ver com qualquer ato ilícito. Não sou executivo, portanto não sou ordenador de despesas e, como legislativo, sigo fazendo minha parte, trazendo recursos para que Roraima se desenvolva. Que a justiça seja feita e que, se houver algum culpado, que seja punido nos rigores da lei.”
Poder
360
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