Projeto elimina benefício de programa de inclusão na educação superior
No âmbito da discussão sobre a reforma tributária,
muito se fala sobre o Projeto de Lei 3.887/20 apresentado pelo governo federal,
que visa a unificação do PIS e da Cofins, através da Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS). Sob o pretexto da busca pela neutralidade, o referido PL
extingue a grande maioria dos benefícios fiscais vigentes, dentre eles o
Prouni, a única política pública de inclusão da população de baixa renda em
cursos de educação superior particular.
Para que se possa aquilatar sua importância,
segundo a OCDE apenas 5,9% da população entre 25 e 55 anos no Brasil possui
ensino superior, enquanto na Coreia do Sul, por exemplo, este percentual é de
46,5%. Isto fala um pouco sobre nosso futuro e sobre nossas condições de
competitividade.
O racional subjacente à ideia de revogação dos
regimes diferenciados e/ou benefícios fiscais é o de que as políticas públicas
devem ser induzidas via subsídio financeiro, e não tributário. A premissa nos
parece acertada, eis que muitas vezes o subsídio tributário acaba beneficiando
também um rol de contribuintes que não precisa do incentivo.
Ocorre que em determinados casos o subsídio
tributário se provou bem-sucedido no intento de fomentar a respectiva política
pública. É o caso do Prouni. Vigente desde 2005, o programa concede bolsas de
estudos integrais e parciais em cursos de graduação nas instituições
particulares, que, em compensação, gozam proporcionalmente de isenção de
tributos federais.
Essa sugestão de revogação do Prouni vai no embalo
da demonização dos incentivos tributários, derivada, por sua vez, do
descontrole na concessão desse tipo de benefício, verificado em especial nos
últimos governos. Mas tenha-se em mente que o problema talvez não seja a
concessão dos incentivos em si, mas sim a falta de um parâmetro de controle
concreto de sua efetividade enquanto política pública. Não se pode, pois, jogar
o Prouni nessa vala comum.
O Prouni tem como principal objetivo viabilizar o
ensino superior a estudantes de baixa renda, fornecendo 1-bolsas integrais para
aqueles que possuam renda de até 1,5 salários mínimos per capita familiar e 2-
bolsas parciais de 50% para aqueles cuja renda não ultrapasse 3 salários
mínimos per capita familiar. Em ambos os casos os alunos precisam ser oriundos
de escolas públicas ou bolsistas integrais do ensino básico particular e ter
obtido pelo menos 450 pontos no Enem mais recente. As vagas são
disponibilizadas em sistema próprio pelo MEC segundo prioridades por carreira,
região do país e indicador de qualidade da instituição.
Desde sua criação, o Prouni já atendeu 2,47 milhões
de estudantes, o que refletiu num custo anual por matrícula para o governo
federal de R$ 3.924 por aluno, atendendo a uma população em grande maioria
parda, que trabalha de dia e estuda à noite, utiliza transporte público e, não
raro, é a primeira pessoa da família a cursar o nível superior. Tirante a
parcela relativa ao meritório sistema de cotas, o país continua a subvencionar
as classes de maior renda nas instituições federais de ensino superior, pelo
valor de R$ 38 mil/ano/aluno, segundo dados oficiais do MEC (Nota Técnica SE n.
4 de 2018). Resta provado que é preferível a manutenção do subsídio tributário,
eis que o custo por aluno nas Universidades Federais é dez vezes
maior para o governo federal do que prover a educação superior diretamente.
Obrigados a ter pelo menos 75% de aproveitamento
nas disciplinas cursadas, os bolsistas integrais do Prouni estão obtendo, em
média, notas no Enade superiores à dos seus pares das universidades públicas.
Nas projeções do Programa, o impacto sobre as metas do PNE será de 9% dos
jovens com idades entre 18 e 24 anos matriculados em instituições de ensino
superior, impulsionando para que se atinja a meta de 50%, contra o percentual
atual de 37%.
Hoje o Prouni é uma das poucas políticas desenvolvidas
a partir de mecanismos tributários com real impacto sobre a sociedade, cujos
relevantes índices de sucesso e eficiência podem ser medidos de forma simples e
transparente. Nas inscrições abertas em agosto último, 126.462 pessoas se
candidataram a uma bolsa integral e 101.982 a uma parcial. É a elas que
estaremos negando o direito de estudar e progredir socialmente.
Importante destacar que o Tribunal de Contas
da União, ao realizar seus planos de auditoria anual do Prouni, confirmou que o
programa cumpre seu papel, dando acesso e garantindo a permanência da população
de baixa renda no ensino superior.
Ademais, estudos recentes do Banco Interamericano
de Desenvolvimento demonstram que a recessão econômica causada pela
pandemia da covid-19 forçará o governo a realizar cortes no orçamento da
educação brasileira em virtude da queda de arrecadação. A previsão é que essa
queda deva encolher as receitas no acumulado dos anos de 2020 e 2021 na casa de
31,5%. Ou seja, cada vez menos haverá espaço fiscal para se melhorar a educação
no Brasil, sendo imperiosa a manutenção de modelos que já se mostraram
bem-sucedidos.
Também é relevante mencionar que todos os países
membros da OCDE possuem isenções ou incentivos fiscais para o setor de
educação, visando seu desenvolvimento macro em todos os níveis.
Ao acabar com o Prouni, o projeto do governo não
apenas cerceia o acesso ao ensino superior das camadas menos favorecidas da
população, como provoca efeitos nefastos a longo prazo sobre a economia. Esse
tipo de benefício fiscal, que é acompanhado de uma política pública
educacional, estimula a equiparação de oportunidades entre as diversas camadas
da sociedade e promove a qualificação de mão de obra, tão necessária no momento
em que os projetos de reforma tributária buscam atrair capital estrangeiro e
estimular a industrialização nacional.
Desse modo, qualquer medida que deponha contra a
continuidade deste programa seria um triste e lamentável retrocesso. Estaremos
nos movendo rapidamente em direção ao passado.
Ao acabar com o Prouni, o projeto do governo
provoca efeitos nefastos a longo prazo sobre a economia.
Por Luiz Bichara e Elizabeth Guedes, no Valor
Econômico
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