sexta-feira, 31 de julho de 2020

TECNOLOGIA - 25 anos da loja de tudo


Amazon completa duas décadas e meia de serviços e atinge valor de mercado de US$ 1,6 trilhão.Em julho do ano passado, a Amazon fez 25 anos. Em julho deste ano, a Amazon fez 25 anos. Poucas companhias podem fazer o que querem. Inclusive 25 anos duas vezes. A de Jeff Bezos pode. A fundação oficial aconteceu em 1994, ainda com o nome Cadabra – trocado porque a pronúncia levava algumas pessoas a entender “cadáver”, em inglês. No mesmo ano nasceu Amazon. A “maior livraria da Terra” faria referência ao maior rio do mundo. Também porque A é uma letra boa para iniciar nomes no universo digital, já que muitos diretórios de busca eram montados em ordem alfabética. As primeiras vendas ao público, no entanto, aconteceram somente em julho de 1995. Daí os dois aniversários. Ao comentar os resultados do primeiro trimestre de 2020, Bezos estava orgulhoso da resiliência da empresa. “A crise atual demonstra a adaptabilidade e a durabilidade da Amazon como nunca antes.”


Faz sentido. A velocidade de crescimento foi fora de qualquer curva. No primeiro ‘ano’ (julho-dezembro de 1995), a receita foi de US$ 500 mil. Em 1996, foi de US$ 15,7 milhões. Logo veio oIPO, em maio de 1997: as ações fecharam a US$ 18,00. Lucro? Bem, você sabe como funcionam essas startups. Crescem rápido, gastam ainda mais rápido. Ele só apareceu no nono ano de operação, em 2003. Mas desde então… As receitas em 2019 somaram US$ 280,5 bilhões – a cada 60 minutos, de domingo a domingo, US$ 32 milhões passaram pelo caixa da empresa. Esse tipo de performance reflete nas ações. No primeiro pregão de janeiro deste ano os papeis encerraram a US$ 1.898,01. Na segunda-feira (20) fecharam a US$ 3.196,84. Em sete meses valorizaram 68,4%. Em dólar. No mesmo período a Apple subiu 31% e a Microsoft teve alta de 31,7%. O valor de mercado da Amazon é de US$ 1,595 trilhão.

Quinta-feira (30) a empresa vai anunciar os resultados do segundo trimestre. A expectativa é de receita entre US$ 75 bilhões e US$ 81 bilhões, de 18% a 28% superior ao mesmo período do ano passado. Evidentemente um fator chave para qualquer organização ter sucesso é sua proposta de valor. O que ela vai vender que fará a diferença? Seja produto ou serviço. Bezos fez a Amazon nascer pensada em itens com muita procura na internet dos anos 90. Livros, filmes e música predominaram. Mas ele sempre soube que poderia vender qualquer coisa. A loja de tudo – título, aliás, da ótima biografia sobre a companhia e seu fundador escrita por Brad Stone (à venda na Amazon, é claro): R$ 19,90 na versão do Kindle. Assim a empresa se tornou, por exemplo, um dos maiores comerciantes de pet food do mundo. Mais que isso. Hoje tem uma ração para chamar de sua, a Wag, linha premium para cães. Em dezembro, a gigante possuía 146 marcas próprias. De roupas a alimentos.

Outro fator igualmente decisivo para a companhia, e quase nunca comentado, é seu papel de anunciante. Jeff Bezos inventou sim uma companhia transformadora e disruptiva, mas sua cartilha contempla lições basilares – o que inclui colocar muito dinheiro em anúncios. No primeiro ano de atuação, foram investidos US$ 30 mil com publicidade. Isso foi equivalente a 6% das vendas líquidas. No ano passado, o dinheiro global em publicidade bateu US$ 11 bilhões (3,9% das vendas líquidas). O volume é suficiente para deixar a companhia como maior anunciante nos Estados Unidos, segundo o Ad Age Datacenter. No fim do ano, quando sair o ranking mundial (Ad Age World’s Largest Advertisers), a expectativa é que ela tome o lugar da P&G e se torne a número 1 no planeta. É muito dinheiro? Sim. Mas ainda menos do que fez em receita publicitária com marcas que querem anunciar em seu market place: US$ 14,1 bilhões. O que coloca a Amazon como quarta maior do mundo em faturamento com anúncios digitais – atrás de Google, Facebook e Alibaba. Ela gasta muito em publicidade, ela ganha muito em publicidade. E vende de tudo.

Evidentemente nem tudo são flores. Questões trabalhistas talvez sejam hoje o maior nó para a imagem da empresa. Baixos salários e condições muitas vezes inadequadas vire e mexe voltam à mídia. São 798 mil empregados (2019). Nos últimos meses, o tema da vez foi a Covid-19. Em maio, Tim Bray, um VP da área de cloud, renunciou ao cargo depois de cinco anos na Amazon. Ele discordava de demissões que estariam relacionadas a suprimir protestos de colaboradores por melhores condições de trabalho em relação à pandemia. Fragilidade grave em tempos que marcas precisam ter atenção 360º. E algo que se choca contra os quatro princípios de sua cultura organizacional: obsessão pelo cliente em vez de foco no concorrente, paixão pela invenção, compromisso com a excelência operacional e pensamento de longo prazo. Até aqui essa cartilha deu muito certo. Quinta-feira, com a divulgação dos resultados do segundo trimestre, vem novo capítulo. E são só 25 anos.

Por Edson Rossi, na Revista Isto É 



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quinta-feira, 30 de julho de 2020

ECONOMIA - O básico da educação

Governo tenta manobra para financiar programa Renda Brasil, perde a aposta e custo com fundo do ensino sai maior que o previsto inicialmente.


“Foi um tiro no pé do governo”. Assim algumas fontes ligadas ao ministro Paulo Guedes definiram a aprovação na Câmara dos Deputados do Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O texto, que amplia o desembolso da União para o ensino dos atuais 10% para 23% até 2026 foi aprovado após o governo propor um “puxadinho” na proposta inicial. Explico. No sábado (18), a toque de caixa, o ministério enviou aos parlamentares um texto que mudava o cálculo do Fundo. O pedido era de que os congressistas adiassem a votação, que aconteceu na terça-feira (21), para 2022 e que até lá houvesse fatiamento dos recursos, que seriam aplicados por meio do programa Renda Brasil, que iria substituir o Bolsa Família. O texto foi a arma que a oposição precisava para convencer o centrão que a medida seria mal vista em ano eleitoral e abrir caminho para uma vitória esmagadora (499×7) em uma mudança na Constituição que custará R$ 173 bilhões ao País em seis anos.

O motivo do gasto, no entanto, é bom. Trata-se de um fundo que dá garantia de acesso à educação para mais de 17 milhões de crianças brasileiras que vivem em cidades em que os recursos municipais não suprem as demandas do ensino. Com as novas regras, 2.745 municípios receberão recursos adicionais da complementação da União no financiamento do ensino, segundo cálculos do Todos pela Educação. Hoje, a complementação da União só vai para nove Estados, considerando os valores investidos em educação por cada governador. Isso significa que um município pobre de um Estado rico fica sem receber a fatia extra. Uma cidade rica de um Estado mais pobre, por outro lado, recebe a complementação.

Para se ter uma ideia de cifras, em 2019, o Fundeb possuía R$ 15,3 bilhões e, segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara, o aumento dos recursos destinados ao Fundeb (que crescerá dos atuais 13% para 26% em seis anos) poderá ter um custo total de R$ 173 bilhões até 2026, fator considerado problemático por Paulo Guedes que tentou, por meio de sua equipe econômica, a manobra pouco convencional de tentar adiar a votação e substituir o fundo por uma aplicação no programa já anunciado, mas sem orçamento, Renda Brasil. Segundo uma fonte próxima ao ministro, a manobra poderia ser considerada pedalada fiscal e dividiu os assessores técnicos de Guedes. O plano, no entanto, foi abatido em pleno vôo e o “puxadinho” do Fundeb morreu antes mesmo de nascer oficialmente. O motivo para esse olhar atento ao recurso do Fundeb, que este ano deve ter R$16,5 bilhões, é que ele não é carimbado pelo Teto de Gastos, permitindo que haja aumento do valor sem ferir a lei que congela as despesas por 20 anos. Para o economista e professor convidado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFMG), Caio Cassin, a manobra de Guedes seria ruim para a educação. “Seria uma medida eleitoreira e paternalista”, disse. A reportagem teve acesso à proposta enviada pelo governo aos deputados, e nela continha informações que contradizem o discurso liberal de um governo que quer diminuir a interferência nos Estados e municípios. O texto deixa claro que o objetivo seria garantir o Renda Brasil, que apesar de anunciado por Bolsonaro, não tem espaço no orçamento.

SENADO Com aprovação na Câmara, agora é hora do Senado avaliar o Fundeb. Entre os senadores o discurso é de que o texto será chancelado com facilidade. Segundo a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), qualquer tipo de modificação no texto seria complexo de aprovar. “Difícil fazer alteração para voltar para a Câmara. O texto já chegou praticamente pronto, foram muitas modificações com a participação de todos os partidos e isso está muito claro na votação da Câmara, que foi quase unanimidade”, afirmou. Agora recai no novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, o desafio de resolver esse impasse entre Executivo e Legislativo e tentar montar um novo Fundeb que atenda estados, municípios, parlamentares e Guedes. Para Cassin, da UFMG, o recado da Câmara mostra a opinião do Legislativo, também é sabida a opinião de Guedes. “Até agora ninguém tem ideia de qual é o ponto de vista do Ministério da Educação”, disse.

Por Paula Cristina, na Revista Isto É Dinheiro  




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terça-feira, 28 de julho de 2020

Os dados fiscais e a autodeterminação

 

Se nos anos 50 as informações eram valiosas para que países como os Estados Unidos investigassem livremente aqueles por eles eleitos como 'antifascistas prematuros', a exemplo de Charles Chaplin, os anos 2000 estabelecem um paradigma que realça a preciosidade dos dados a partir de uma releitura de direitos, como o sigilo, e de novas nuances dadas às garantias, como a intimidade e a privacidade.

Na virada do século, o mundo começou uma nova etapa, dessa vez baseada na revolução digital. Com a chegada da 'Quarta Revolução Industrial', relembrada por Klaus Schwab, líder do Fórum Econômico Mundial, os dados são elevados ao status de matéria-prima, tal como foi o ferro na era industrial. Vivemos na era da informação, do uso intensificado de big data por agentes privados e gestores públicos como uma ferramenta que oferece auxílio na tomada de decisões.

Nessa equação, nem o Brasil, tampouco os contribuintes, ficaram de fora. Vieram a Lei do Sigilo Bancário (LC 105/2001), com a previsão de compartilhamento de dados entre instituições financeiras e a Receita Federal sem a necessidade de uma decisão judicial prévia; e a introdução do inciso XXII ao art. 37 da Constituição Federal, que prevê a atuação integrada da Administração Tributária.

Em 2016, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do envio de informações pelas instituições financeiras à Receita Federal com base nos arts. 5º e 6º da LC 105/2001 e seus decretos regulamentadores. Em 2019, a Corte chancelou o compartilhamento amplo e irrestrito de dados entre a Receita e o Ministério Público Federal, para fins penais, e com o Coaf. Preponderou o interesse público - proteção da arrecadação tributária e o combate ao crime organizado - sobre o sigilo, a privacidade e a intimidade, tendo como premissa que a troca e o compartilhamento dentro da estrutura pública seria uma transferência de sigilo, não a sua quebra.

A proteção dos dados no Brasil já não é mais uma novidade, embora as controvérsias ainda pairem sobre ela. Temos a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) e até uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 17/2019) para alçar essa proteção, de forma expressa, ao patamar de garantia constitucional. Precisamos, agora, inserir os dados fiscais dos contribuintes nesse esforço protetivo, sobretudo os dados das empresas. Vale lembrar que a nossa LGPD não abarca pessoas jurídicas.

O esforço é necessário, porque vai além da massificação de dados. Após a sinalização favorável do STF, a cadeia do fluxo de troca e compartilhamento de dados e informações tem sido cada vez mais ampla. Exemplo disso é o envio para a CGU e ao TCU, para efeitos de controle externo, regulamentado pelo Decreto nº 10.209/2020. Mais recente é o convênio firmado em 20.07.2020, entre a CVM e a Receita Federal.

Sob a guarda do Fisco, a plataforma 'Receita Data' reúne dados tributários e aduaneiros, uma estratégia de big data governamental que viabiliza o cruzamento de informações.

No caso do Ministério da Economia, o compartilhamento desses dados se dá por meio do uso do 'lago de dados' - um repositório de armazenamento que exige um plano rígido de segurança cibernética. Nessa relação tecnológica, o SERPRO é uma espécie de intermediário na relação de repasse de informações entre a Receita e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Não nos esqueçamos que o nosso sistema eletrônico de escrituração é moderno e unificado em boa parte por meio do SPED.

Nada obstante possamos encontrar balizas básicas na LC 105/2001 e nos Decretos 3.724/2001 e 4.489/2002, tais como punição ao servidor que vazar informações protegidas pelo sigilo, a existência de procedimento administrativo fiscal prévio, verdade é que o manejo de dados já não é mais como aquele previsto no início dos anos 2000.

Não se trata de impossibilitar o trânsito dos dados fiscais, mas de reconhecer que nem todos os contribuintes vivem de cometimento de ilícitos. Também, que vazamentos e o mau uso podem ocorrer, representando o fim de uma estrutura econômica ou até mesmo uma perseguição seletiva.

Qual a finalidade específica do uso dos dados fiscais requeridos pelo Estado? Por quanto tempo esses dados ficarão disponibilizados? Que tipo de governança será conferida a eles? Terceiros de alguma forma relacionadas podem ter seus dados acessados livremente? É possível despojar o particular de qualquer tipo de controle ou quanto ao uso, pelo Estado, de algo tão intrinsecamente ligado à sua própria identidade?

Esses questionamentos demonstram que a massificação dos dados há de acompanhar balizas protetivas modernas e transparentes. Se, por um lado, mitigamos o sigilo, é imprescindível que reflitamos sobre a necessidade de edição de uma lei federal que não apenas trate da proteção dos dados fiscais, mas que unifique os procedimentos e nos traga o equivalente funcional do sigilo, isto é, a autodeterminação informativa, a reger essa relação cada vez mais intensa entre o particular e a Administração Pública.

Por Rebeca Drummond de Andrade Müller, em O Estado de S. Paulo

 

 

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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Separados por um abismo


A calamidade econômica fez do tema o assunto do dia. É o momento de tomar medidas que acabem de vez com a visão de que esse mal não tem cura

 

A pandemia que desligou o motor do planeta durante meses proporcionou uma visão sem precedente da chaga da desigualdade, doença social com a qual a humanidade convive, em vergonhosa desatenção, há séculos. Cada vez mais, no entanto, pesquisas e estudos ressaltam que a disparidade de renda não é só um problema dos pobres, a quem um dia, não se sabe quando, a prosperidade geral do país vai beneficiar. Ela é, isso sim, um freio para o crescimento, ao espremer a ampliação da classe média entre bilionários, de um lado, e miseráveis, do outro, e impedir uma multidão de acessar os bens e serviços que movem o progresso. Conseguir que as distorções retrocedam é tarefa difícil, que não se resolve com uma bala de prata, mas necessária. E o momento, por mais paradoxal que pareça, pode ser apropriado. Na história da humanidade, são justamente as sociedades no fundo do poço econômico, muitas vezes em decorrência de uma calamidade, que costumam ser bem-sucedidas nesse esforço.

O maior salto na distribuição igualitária de renda nos tempos modernos ocorreu exatamente quando a II Guerra Mundial acabou e o mundo, sem outra saída, recolheu de quem tinha para reerguer quem não tinha. Agora, diante da necessidade de recompor a terra arrasada pelo novo coronavírus, enxerga-se nova chance de arrumar a casa e reduzir a distância entre quem vive dentro das paredes simétricas e coloridas que enfeitam Copenhague, a capital da Dinamarca, e quem se aperta em um único cômodo nos casebres da favela Santa Marta, no Rio de Janeiro. “A crise decorrente da pandemia reforçou a necessidade urgente de criarmos estratégias para que o capital seja injetado em projetos que reduzam a desigualdade social”, diz o economista Armínio Fraga, ex-­presidente do Banco Central.

Firme e forte nas sociedades desde os primórdios da civilização, a desigualdade, de tão enraizada, ganhou um escaninho determinista, de mal sem cura. “Cada sociedade, a seu tempo, desenvolveu um conjunto de valores para justificar as distorções”, disse a VEJA o economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no Século XXI, que acaba de lançar Capital e Ideologia (Ed. Intrínseca). Para Piketty (veja aqui a entrevista), “a igualdade total é indesejável e impossível de ser alcançada. Mas não há o que justifique o cenário atual, com tanta gente excluída da economia, da educação e da saúde”. Polêmico, encarado com altíssimas reservas pela ala dos economistas mais liberais, o escritor francês aponta, ao longo de portentosas 1?056 páginas, o que vê como soluções para o problema, a começar por uma acachapante sacudida no sistema de tributação. A fórmula dele não é a única, nem a mais debatida, embora impostos estejam na alma das propostas de redistribuição de renda, entre especialistas de esquerda e de direita.

No Brasil, que não cresce há seis anos e ocupa a desonrosa posição de sétimo país mais desigual do mundo, o Congresso discute dois projetos de reforma tributária, enquanto aguarda um prometido terceiro, o do ministro da Economia, Paulo Guedes, que, antes mesmo de ser apresentado, já foi costurado e descosturado várias vezes. Guedes defende a criação de um clássico da distribuição de recursos, o chamado “imposto negativo”: o Estado passaria a depositar o equivalente a 20% do rendimento mensal do trabalhador de baixa renda em uma conta a ser usada em sua aposentadoria. Agora, voltou também a acenar com uma taxa sobre transações financeiras nos moldes da CPMF. Trata-se de um imposto polêmico, de péssima memória para os brasileiros, mas é um dos mais justos em termos de incidência, pois atinge todos, ricos e pobres, que de uma forma ou de outra fazem alguma operação bancária. A questão é que a classe média, de longe a mais sobrecarregada com a mordida atual do Leão, entenderia melhor o retorno dessa taxação se fosse minimamente aliviada da atual carga de impostos, sem o retorno em serviços públicos. O mesmo precisa ser feito em relação às empresas, com a desoneração da folha salarial. Pelas regras atuais, o empregador hoje é desestimulado a contratar, o que só piora ainda mais as condições de quem precisa trabalhar.

Evidentemente, o problema é complexo e tem facetas pouco conhecidas. Apesar da desigualdade abissal (veja no gráfico acima) — o 1% mais rico da população detém quase um terço da renda nacional —, o Brasil é um dos países que mais investe em transferências de renda: os gastos com proteção social, saúde e educação alcançam 17% do PIB, ante 10% em média nas nações mais ricas, do grupo do G-20. Mas essa alocação de recursos é simplesmente desastrosa. Tal qual um Robin Hood às avessas, o governo repassou em 2019 um total de 350 bilhões em subsídios para a faixa de alta renda, enquanto Bolsa Família, salário-família e abono salarial receberam, juntos, 48,5 bilhões de reais. “As distorções no Brasil atingem um grau extraordinário, tanto na receita quanto no gasto de governo”, diz Edmar Bacha, um dos economistas responsáveis pelo Plano Real, criador de um conceito clássico, a “Belíndia”, país fictício e contraditório, resultado da união de Bélgica e Índia, com leis e taxas do primeiro, pequeno e rico, e com a realidade social do segundo, imenso e pobre. Segundo Bacha, o descontrole acontece desde o período colonial, “porque quem desenhou o sistema se beneficiou dele”.

O Ministério da Economia planeja unificar os benefícios federais no Renda Brasil, uma nova versão do Bolsa Família — um dos únicos mecanismos de efetiva redução da desigualdade do país. Entre 2001 e 2015, houve queda de 10% na disparidade social brasileira graças ao programa, que atende 60% da população mais pobre, mas se ressente de meios de sustentação que não sacrifiquem justamente a fatia da população mais onerada por impostos. “O PT melhorou as condições de vida dos 50% mais pobres, mas o fez às custas dos 40% que compõem a classe média, enquanto os 10% mais ricos continuam concentrando riqueza em nível extremo”, diz Piketty. Outra ideia em cogitação, no Brasil e no mundo, é a adoção de alguma forma de renda mínima universal, benefício que supre o cidadão com recursos para sua sobrevivência básica sem exigir nenhuma contrapartida. Esse tipo de transferência foi amplamente usado para compensar a súbita supressão de ganhos durante a pandemia, com bons resultados.

No mundo, o modelo considerado mais eficiente de combate à desigualdade é o que combina economia de mercado com benefícios sociais, implantado na Europa do pós-guerra pelos governos social-democratas. Para obter os recursos necessários para reconstruir cidades e pagar as dívidas contraídas, instituiu-se uma cobrança progressiva de impostos que chegavam a 80% da renda dos mais ricos. Uma vez aprovada, essa arrecadação financiou a universalização do ensino e saúde gratuitos e garantiu trabalho e aposentadorias na Escandinávia, o melhor exemplo do estado de bem-­estar social. Foi a experiência original da social-democracia que serviu de base para a reforma que Piketty propõe no novo livro, um “socialismo participativo” que tem como pontos principais a cogestão nas empresas, com efetiva participação dos funcionários no conselho administrativo e a taxação de até 90% sobre a renda, o patrimônio e a herança deixada por milionários. Como se vê, Piketty é bom de diagnósticos, mas delira um pouquinho quando apresenta soluções. Sobre esses pontos, Armínio Fraga é taxativo: “É lógico que o sistema precisa ser reformado, mas não se pode punir o mercado dessa forma. Afinal, ele é o mecanismo responsável pela geração de riquezas”. Em outras palavras, os empreendedores são justamente aqueles que fazem a roda girar. Se eles têm mais renda com o capital parado do que na produção, todos perdem.

Aliás, sem sombra de dúvida, um dos problemas, se não o maior, que acabam por intensificar a desigualdade, são justamente as assimetrias de acesso ao mercados de capitais. No Brasil, por exemplo, por mais de duas décadas os juros básicos da economia, representados pela taxa Selic, superaram 10% ao ano. Em alguns momentos, como nos períodos de crise em série entre 1998 e 2002, a Selic chegou a superar 40% ao ano. Não há desincentivo maior à alocação de recursos privados na atividade produtiva — afinal, por que algum investidor arriscaria seus milhões de reais se o governo oferece, quase que sem riscos, um retorno que ele terá de suar muito para ganhar trabalhando? Essa assimetria local alijou do maior fator de geração de renda do país, entre os anos 1994 e 2016, toda a classe mais baixa, pois ela não possuía condições de poupar. Com a Selic a 2,25% ao ano, algo que há até muito pouco tempo se imaginava como um sonho distante, a classe baixa continuará excluída dos ganhos que eram compartilhados pelos rentistas, mas, ao menos, poderá se beneficiar daqueles investidores que finalmente decidiram arriscar seu dinheiro por meio do empreendedorismo.

Embora a bandeira seja adotada por alguns grupos de esquerda (nem sempre com honestidade), ficou claro nos últimos anos que diminuir a desigualdade é crucial, inclusive, para quem defende o livre mercado e sabe que o crescimento econômico é a resposta mais eficiente contra a miséria. O economista Tao Zhang, do Fundo Monetário Internacional (FMI), estudou o efeito do encolhimento da classe média e a consequente redução de sua renda nos últimos quinze anos e concluiu que o movimento provocou uma redução de 3,5% no consumo global. Outra pesquisa do FMI mostra que quando a parcela de renda dos 20% mais ricos aumenta, com redução nas outras faixas, o PIB sofre — nas nações da OCDE o recuo alcançou 8,5% nos últimos 25 anos.

Quanto mais pobre o país, mais fundo costuma ser o abismo entre seus cidadãos. De acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que utiliza como base o coeficiente de Gini, medida universal de desigualdade social, lideram a lista das nações mais díspares Namíbia, Zâmbia, República Centro-­Africana, Lesoto, Moçambique e duas exceções: a África do Sul e o Brasil, economias de bom porte, porém com fortes distorções. Ambos, aliás, países com raízes históricas ou na escravidão ou na segregação racial, que manteve os negros apartados dos mecanismos de mobilidade social durante bastante tempo. Alguns avanços vêm ocorrendo tanto lá como aqui. Tivemos recentemente uma reforma da Previdência que procurou combater os benefícios nas aposentadorias dos servidores públicos em detrimento da maioria dos brasileiros. O mesmo precisa ser feito em relação aos salários e ao tamanho do Estado. Ainda hoje, o governo consome 80% do seu Orçamento em despesas com o funcionalismo e a Previdência. O ideal, defende Armínio Fraga, era baixar esse porcentual para 60%, completando as mudanças na Previdência e enxugando o Estado. “O que eu acho venenoso para sociedade é o ganho que não vem de esforço, do mérito. As pessoas aceitam que um grande atleta ganhe muito. O que envenena é a corrupção, o lobby, a captura do Estado, o monopólio, o lucro que não vem da concorrência”, acrescenta Fraga.

As soluções tomadas, de todo modo, precisam ser ponderadas, discutidas amplamente, sem rupturas ou medidas drásticas. Piketty lembra que mesmo a Revolução Francesa, a mais notória revolta popular contra a nobreza perdulária, resultou em um novo arranjo concentrador, com a burguesia tomando o lugar da elite na propriedade de terras e expandindo a patamares inéditos a extensão de seu patrimônio. Sem falar na confusão e no banho de sangue gerados. Problemas ancestrais não serão resolvidos num passe de mágica. Mas ignorá-los tampouco fará com que eles desapareçam. Está na hora de encararmos uma verdade: a concentração de riquezas nas mãos de poucos não pode continuar. Não da mesma forma.

Por Ernesto Neves, Machado da Costa, na Revista Veja   

 

 


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